sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Os sapos de Vieira da Silva

Vieira da Silva, ministro do trabalho, deve ter engolido alguns sapos vivos na quarta-feira (5 de Dezembro). Enquanto presidente em exercício do conselho de ministros da UE dos assuntos sociais, tinha nesse dia ao alcance da mão um acordo sobre duas propostas legislativas particularmente difíceis e cujas negociações se arrastaram durante mais de três anos.

A primeira, visa reforçar a protecção dos trabalhadores temporários, garantindo-lhes os mesmos direitos e condições de trabalho que os outros ao fim de um período entre uma e seis semanas (o Reino Unido, principal opositor, queria um ano).

A segunda pretende actualizar as regras actualmente em vigor sobre o tempo de trabalho nomeadamente ao garantir um melhor enquadramento das derrogações ao limite de 48 horas de trabalho semanal que podem ser negociadas individualmente com os trabalhadores (que o Reino Unido quer manter o mais largas possível).

Depois de mais de três anos de negociações que colocaram frente a frente dois campos ideológicos, os “amigos do social” – liderados pela França, Espanha, Itália – e os defensores da flexibilidade máxima do mercado de trabalho – o Reino Unido e vários dos novos Estados membros do Leste - as propostas estavam finalmente maduras para aprovação.

Para isso contribuiu o verdadeiro coelho que a presidência portuguesa da UE tirou do chapéu ao decidir juntar os dois textos num único pacote a ser aprovado em conjunto. Esta abordagem permitiu desbloquear as negociações, incitando cada campo a fazer cedências num texto para obter o outro, o que por sua vez acabou com os vetos cruzados responsáveis pelos bloqueios do passado.

Vieira da Silva chegou assim a Bruxelas com uma possibilidade bem real de conseguir um acordo, que constituiria um sucesso muito considerável para a presidência. Bastava-lhe, para isso, colocar os dois textos à votação dos seus pares: quanto muito teria um voto negativo do Reino Unido, feroz opositor a quaisquer avanços em matéria social ao nível europeu, e da Alemanha, que explicou a sua posição como a retribuição de um velho apoio britânico num outro caso, o que não seria suficiente para bloquear a maioria qualificada. Bastava pois ao ministro cumprir as regras e passar ao voto (Na fotografia Vieira da Silva com o representante permanente adjunto de Portugal junto da UE, Pedro Nuno Bártolo, no início da reunião).


Mas o ministro chegou igualmente com instruções claras para, precisamente, evitar a votação. Por trás desta reviravolta esteve Gordon Brown, que nos dias que precederam a reunião multiplicou os contactos com várias capitais, a começar por Lisboa, para explicar que um eventual isolamento britânico na quarta-feira colocaria seriamente em risco a ratificação do Tratado de Lisboa. O que eu não sabia, mas aprendi pelo Financial Times, foi que a pressão de Brown foi ao ponto de pôr em dúvida a sua presença em Lisboa na próxima quinta-feira para a assinatura do novo Tratado europeu. (Brown na fotografia com José Sócrates na cimeira de Lisboa - Outubro de 2007).

Na reunião de quarta-feira, Vieira da Silva passou seguramente um mau bocado. Vários dos seus homólogos pediram a passagem ao voto, argumentando que um adiamento não só não resolveria coisa nenhuma, como agravaria a situação de infracção ao direito comunitário em que se encontram todos os países da UE excepto a Itália e o Luxemburgo a propósito da contabilização do tempo de banco inactivo nos hospitais, um lacuna que a proposta sobre o tempo de trabalho visa resolver.

Vieira da Silva preferiu no entanto adiar a questão para as duas presidências que se seguem em 2008, a eslovena e a francesa.

Como que por milagre, o Financial Times revelou pouco depois da capitulação da presidência que Brown tinha afinal conseguido encontrar um “buraco” na agenda para ir a Lisboa assinar o Tratado.

Ironicamente, a pressão britânica não resulta de uma daquelas situações frequentes em que um governo pede o adiamento de uma decisão para não ser posto em dificuldade num dado momento, embora com a garantia de que poderá associar-se uma vez resolvido o problema com que se debate. Ou seja, o sacrifício de Vieira da Silva não resolve nada, porque Londres continuará sempre a bloquear a proposta sobre o trabalho temporário, como o seu secretário de estado das empresas, John Hutton, fez questão de sublinhar.

Sem se deixar impressionar pela gesticulação de Brown, Vladimir Spidla, comissário europeu responsável pelos assuntos sociais (na fotografia ao lado de Vieira da Silva na conferência de imprensa final), considerou o adiamento da decisão "extremanente decepcionante".

É caso para perguntar para que serve aumentar as matérias que podem ser decididas por maioria qualificada na UE, quando a regra é ignorada em reacção a meia dúzia de telefonemas? De Londres, claro, porque se fosse de Vilnius, ou de Dublin, a história seria outra...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Símbolos regressam ao Tratado de Lisboa... para dezasseis países

Surpresa: o novo Tratado europeu - hoje posto em linha na versão definitiva que vai ser assinada em Lisboa no dia 13 - tem algumas novidades inesperadas face ao acordo saído da cimeira de Lisboa de Outubro passado que o definiu ao mais pequeno pormenor.

Uma nova declaração política (número 52) atesta solenemente a recusa de dezasseis países em se conformarem com o desaparecimento dos símbolos europeus no processo de transformação da Constituição Europeia no Tratado de Lisboa. A declaração é meramente política, e só tem valor para os países que a subscreveram, mas não deixa de ser simbólica.

Oito países "antigos" da UE - Portugal, Espanha, Bélgica, Alemanha, Itália, Grécia, Austria e Luxemburgo - e oito "novos" - Hungria, Eslovénia, Eslováquia, Lituânia, Malta, Chipre, Roménia e Bulgária - decidiram assim declarar unilateralmente que no seu caso, a situação não mudou.



Eis o texto da nova Declaração:

"52. Declaração do Reino da Bélgica, da República da Bulgária, da República Federal da Alemanha, da República Helénica, do Reino de Espanha, da República Italiana, da República de Chipre, da República da Lituânia, do Grão-Ducado do Luxemburgo, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Áustria, da Repúlica Portuguesa, da Roménia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca relativa aos símbolos da União Europeia

A Bélgica, a Bulgária, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a Itália, Chipre, a Lituânia, o Luxemburgo, a Hungria, Malta, a Áustria, Portugal, a Roménia, a Eslovénia e a Eslováquia declaram que a bandeira constituída por um círculo de doze estrelas douradas sobre fundo azul, o hino extraído do "Hino à Alegria" da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, o lema "Unida na diversidade", o euro enquanto moeda da União Europeia e o Dia da Europa em 9 de Maio continuarão a ser, para eles, os símbolos do vínculo comum dos cidadãos à União Europeia e dos laços que os ligam a esta".

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Galileo II: o pontapé de Mário Lino nas regras

Apesar do sucesso que foi a decisão de 29 de Novembro sobre o plano industrial do Galileo (ver post anterior), Mário Lino, ministro das obras públicas e transportes que presidiu à reunião, perdeu a cabeça já noite dentro e decidiu isolar a Espanha, ignorando alegremente as regras de decisão comunitárias e correndo o risco de provocar um belo quebra-cabeças político-institucional.

A Espanha foi o país que maiores dificuldades levantou ao longo de todo o dia a uma decisão - unânime - dos Vinte e Sete sobre a partilha do mercado do Galileo: o negociador espanhol - Madrid decidiu fazer-se representar não por um ministro ou um secretário de Estado, como é a regra, mas pelo secretário-geral do ministério dos transportes, Fernando Palao - exigia obter um centro de controle terrestre do sinal dos satélites em pé de igualdade com os que estão previstos instalar na Alemanha e Itália.

O projecto previa no entanto para a Espanha apenas um centro de protecção civil (Safety of Life), considerado de importância menor. Várias sessões de negociações entre a presidência portuguesa, a Comissão Europeia e a delegação espanhola ao longo de todo o dia para permitir ao centro espanhol evoluir gradualmente para funções de controle terrestre em 2013 - mediante certas condições, incluindo o seu financiamento pelo governo de Madrid - revelaram-se no entanto infrutíferas. Até que já tarde na noite, Mário Lino parece ter perdido de vez a paciência: numa manobra inesperada, mandou as regras comunitárias às urtigas anunciando que a decisão sobre o Galileo estava tomada por maioria qualificada. Ou seja, com o apoio de vinte e seis países e o voto contra da Espanha.

O anúncio provocou uma reacção curiosa dos participantes: por um lado, os ministros dos países mais interessados no projecto, reagiram com aplausos. Só que ao mesmo tempo os seus embaixadores tiveram uma reacção de pânico, contestando que a decisão pudesse ser tomada por maioria qualificada. A Espanha, considerando-se violentada pela presidência portuguesa e não poupando críticas a Mário Lino, anunciou desde logo que impugnaria a decisão.

De facto, a regra para a aprovação de “conclusões do Conselho”, como era o que estava em causa, é a unanimidade. Este é um acto que sai das regras normais dos Tratados, o que obriga ao assentimento de todos os Estados membros. Mas a presidência apoiou-se no facto de o acto legislativo subsequente – que garantirá a transposição do acordo político de 29 de Novembro para o direito comunitário - apenas necessitar da maioria qualificada, para impôr a mesma regra de decisão para as conclusões políticas que o precedem. Os serviços jurídicos do Conselho de ministros da UE validaram esta interpretação, mas o seu parecer é largamente controverso.

Vários países, que pretendem preservar a unanimidade neste tipo de decisões de modo a contornar pontualmente a maioria qualificada – e, sobretudo, contrariar a Comissão Europeia em matérias cuja regra de decisão é a maioria qualificada, como é o caso da política comercial, por exemplo – reagiram vivamente contra o que consideraram um precedente muito perigoso. O ministro francês dos transportes, Dominique Bussereau - que se congratulou com o acordo sobre o Galileo, mas os respectivos diplomatas foram os primeiros a contestar a legalidade da decisão - reconheceu que o precedente iria “abrir um belo debate jurídico-político”.

A presidência acabou por se livrar de apuros pelo facto de, no dia seguinte, a Espanha se ter associado à decisão dos seus vinte e seis parceiros, mediante uma “clarificação” do texto. O que permitiu anular a decisão por maioria qualificada e substitui-la por outra igual decidida por unanimidade.

O ataque de mau humor de Mário Lino acabou assim por não ter consequências. Melhor: ao forçar o isolamento da Espanha, o ministro poderá muito bem ter provocado um sobressalto dos seus responsáveis e o seu regresso às negociações, conseguindo um belo sucesso para a presidência.

Galileo I: o acordo

A luz verde dos países europeus ao sistema de radio-navegação por satélite Galileo - concorrente do GPS americano - constitui um sucesso incontestável da presidência portuguesa da UE. Primeiro, a presidência conseguiu um acordo no dia 23 de Novembro sobre o encaixe de 2.400 milhões de euros suplementares no orçamento comunitário (em complemento dos 1.000 já previstos) para permitir o seu lançamento, depois do fracasso de uma tentativa de financiamento privado; depois, arrancou nos dias 29 e 30 um acordo sobre a partilha do mercado do projecto, que permitiu contentar todos os países com aspirações no domínio aeroespacial.

Sem estas decisões, o Galileo estava em risco de ser definitivamente enterrado, o que deveria ser confirmado na cimeira de lideres de 14 de Dezembro. Isto porque depois dos atrasos acumulados ao longo de cinco anos, o projecto deixaria de fazer sentido quando os americanos prevêem tornar operacional em 2011-2012 a terceira geração do GPS, com um grau de precisão de posicionamento equivalente à do Galileo, ou seja, menos de um metro – contra 10 a 20 metros do GPS actual.

O Galileo está assim em vias de permitir à Europa dar um novo salto tecnológico, criar dezenas de milhar de empregos, e garantir a sua independência estratégica numa altura em que a Russia, China e India estão igualmente a investir em força neste sector.

Não foi fácil lá chegar. Desde que a ideia foi lançada em 1999, o projecto começou por ser bloqueado pelos países mais “atlantistas”, liderados pelo Reino Unido e Holanda, que, incitados pelos Estados Unidos, arrastaram durante vários anos os pés relativamente ao lançamento de um concorrente directo do GPS. Depois, este e outros países recusaram desenvolver o projecto com fundos públicos, exigindo o recurso ao sector privado. Dois consórcios de empresas concorrentes que se apresentaram a concurso foram obrigados a juntar-se num só (EADS, Thales, Alcatel (França), Finmeccanica (Itália), Aena, Hispasat (Espanha), Inmarsat (Reino Unido) e TeleOp (Alemanha) de maneira a evitar rivalidades nacionais e garantir que todos teriam a sua fatia do bolo. O consórcio acabou no entanto por recusar assumir os riscos financeiros do projecto, exigindo uma garantia pública.

Uma vez abandonada a opção do financiamento privado em Maio passado, as discussões centraram-se desde então em saber como encaixar no orçamento comunitário um montante adicional e inesperado de 2.400 milhões de euros. Apesar de a totalidade deste montante poder sair da agricultura – em resultado de despesas orçamentadas mas não utilizadas devido à alta dos preços dos cereais – ou seja, sem implicar nem mais um euro de contribuições nacionais para Bruxelas, o acordo demorou a fazer o seu caminho. Por um lado, porque os países mais restritivos no plano orçamental (Reino Unido, Alemanha, Holanda, Suécia) consideravam esta transferência de verbas um precedente perigoso, e preferiam que as “sobras” fossem devolvidas às capitais.

O grande problema foi no entanto colocado pela Alemanha, que preferia um financiamento directo pelos países interessados, que dividiriam assim os benefícios industriais e comerciais do Galileo entre as suas empresas. Berlim temia que num ambiente de livre concorrência, a sua industria aeroespacial, que começa praticamente a dar os primeiro passos, fosse preterida em favor das empresas francesas, muitíssimo mais competitivas, que poderiam assim arrebanhar o essencial dos mercados. Os alemães votaram aliás sozinhos contra a solução orçamental.

Menos de uma semana depois, no conselho de ministros dos transportes da UE, o acordo final foi selado, desta vez com o apoio da Alemanha, graças a uma partilha minuciosa do mercado. Ou seja, para garantir trabalho para todas as empresas do sector, grandes ou pequenas, o projecto foi dividido em seis segmentos: satélites, lançadores, software, antenas em terra, centros de controle e gestão do conjunto. A regra adoptada é que nenhuma empresa poderá liderar mais de dois destes segmentos, e será obrigada a sub-contratar no exterior pelo menos 40 por cento do contrato (embora não às suas filiais). As empresas “chefe de grupo” poderão no entanto participar nos 40 por cento de trabalho sub-contratado nos outros segmentos.

Mesmo que os especialistas neguem – como negam –, esta é uma aplicação um pouco peculiar das regras comunitárias da concorrência. É certo que a legislação europeia prevê excepções às regras e a possibilidade de ajustes directos na atribuição de mercados públicos, mas nunca como agora um mercado foi tão detalhadamente partilhado. Os especialistas garantem que não é possível saber de antemão quem é que conseguirá apanhar qual mercado, mas também reconhecem, por exemplo, que só a EADS Astrium (França, Alemanha, Reino Unido) estará em condições de fabricar os satélites; que a Arianespace (França), cujo operador industrial é igualmente a EADS, deverá ficar com os “lançadores”; que o controle em terra deverá ser desenvolvido pela Thales Alenia Space (França, Itália); que a Thales deverá ficar igualmente com o controle do sinal; ou que a TAS (Itália) poderá arrebanhar o software.

Há quem pense que esta decisão constitui "um sinal do que aí vem: uma tendência para a reequilibragem do projecto europeu a favor dos grandes países".

Mas vamos ser optimistas: o Galileo é um grande projecto europeu que, espero não me enganar, beneficiará toda a Europa. Cá estaremos para o avaliar.

PS: Tenho de me penitenciar por ter deixado este blog um pouco desactivado, mas confesso que a cobertura europeia a "full-time" - ou melhor, "triple-time" - não deixa grande espaço para o Eurotalk, com grande pena minha. Espero, ao menos, que tenham seguido a actualidade europeia através do Publico e prometo voltar com maior regularidade

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Salvou-se a honra, o Tratado de Lisboa e a Cimeira de Bruxelas

A presidência portuguesa da UE decidiu que a próxima cimeira de lideres dos Vinte e Sete vai durar apenas um dia: 14 de Dezembro, em vez de 13 e 14 como estava previsto há mais de um ano.

Assim, os chefes de Estado ou de governo vão poder deslocar-se a Lisboa no dia 13 para assinar o novo Tratado europeu e voltar calmamente para casa depois do almoço que será oferecido por José Sócrates. Ou seja, já não precisam de ir a correr para Bruxelas para participar na cimeira que, como de costume, deveria arrancar às 17 horas.

Este programa tinha suscitado uma forte polémica pelo facto de dar uma ideia de perca de tempo, dinheiro e de aumento da poluição em resultado da multiplicação das deslocações aéreas. Sócrates, que o concebeu, chegou a avançar a possibilidade de realizar a cimeira em Lisboa, em vez de Bruxelas, para simplificar as coisas, mas, sobretudo, terminar a presidência portuguesa da UE em beleza. Os belgas disseram que não, lembrando que o Tratado de Nice obriga à realização de todas os encontros regulares de lideres em Bruxelas.

A pressão começou a crescer para evitar a coincidência dos dois acontecimentos no mesmo dia e poupar aos lideres um vaivém entre as capitais. O que deu origem a sugestões como a assinatura do Tratado em Bruxelas imediatamente antes da cimeira – podendo chamar-se na mesma Tratado de Lisboa – ou em Lisboa mas pelos ministros dos negócios estrangeiros dos Vinte e Sete e uma semana antes, à margem da cimeira entre a UE e África.

Com a decisão da presidência de realizar a cimeira apenas no dia 14, ficou tudo resolvido. Os lideres vão na mesma a Lisboa e a Bruxelas, só que em dois dias diferentes, o que lhes permitirá dissipar a imagem de poluidores e perdulários (será?). E, sobretudo, sobretudo, Sócrates terá a sua festa do Tratado em Lisboa, com uma boa fotografia para a posteridade.

Nacionalistas III

Nova reviravolta na saga dos nacionalistas no Parlamento Europeu: afinal o grupo de extrema-direita ITS desfez-se mesmo, por falta de quorum. A dissolução, anunciada hoje em sessão plenária do PE, em Estrasburgo, foi largamente aplaudida pelos deputados da generalidade das outras famílias políticas.

A zanga entre os 23 membros do grupo não se limitou à disputa entre os cinco membros do partido da Grande Roménia e a italiana Alessandra Mussolini a propósito dos romenos de origem cigana em Itália. Pelos vistos, o ambiente interno não era dos melhores: os romenos afirmam que nunca se sentiram bem no grupo, quanto mais não seja porque são contra quaisquer alterações de fronteiras, quando os belgas flamengos do Vlaams Belang são defensores acérrimos da independência da Flandres e consequente desaparecimento da Bélgica.

Bruno Gollnisch, o presidente do Grupo ITS deu tudo por tudo nos últimos dias para manter os cinco romenos e garantir assim o número mínimo de deputados exigido para a continuação do grupo (20). Sem sucesso: os cinco insistiram em sair, mesmo depois de Alessandra Mussolini ter anunciado na segunda-feira que se retirava. Gollnisch acusa agora os romenos de ter provocado toda a polémica para reforçar a sua posição na perspectiva das eleições europeias previstas no país na próxima semana.

Na terça-feira à noite, Jean-Marie Le Pen, presidente da Frente Nacional francesa, já se tinha irritado contra os seus parceiros de grupo, acusando-os de “falta de lealdade”. Por sua vez o austríaco Hans-Peter Martin acusou Le Pen de lhe ter feito um manguito. Isto, ao microfone do hemiciclo, segundo conta a agência AFP.

O desaparecimento do grupo ITS diminuirá os apoios, nomeadamente financeiros, a que os seus membros tinham direito, em conjunto com uma parte do seu tempo de palavra nas sessões plenárias.

“A internacional dos ultranacionalistas deixou de existir e já não poderá utilizar o dinheiro dos contribuintes europeus para as suas campanhas xenófobas e neo-fascistas”, congratulou-se o presidente do grupo socialista, o alemão Martin Schulz.

Para o chefe dos liberais, o britânico Graham Watson, a implosão do grupo ITS “é o resultado da sua própria filosofia que coloca todos os estrangeiros num molde único e encoraja propósitos xenófobos e racistas que não têm lugar na União Europeia”. E conclui: “a ironia de ter sido um Mussolini a destruir a coerência do grupo de extrema-direita será notada por todos os europeus de Bucareste a Brindisi”.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O programa europeu de Nicolas Sarkozy

(tinha-me esquecido de pôr um titulo neste post. As minhas desculpas)

Vale a pena ler o discurso que Nicolas Sarkozy fez hoje no Parlamento Europeu. Aqui estão expressas algumas das grandes linhas do que vai ser o debate na UE nos próximos meses. Goste-se ou não, como disse o próprio Sarkozy é o regresso da política ao debate europeu. Boa leitura

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Allocution du Président de la République devant le Parlement européen

Strasbourg, le mardi 13 novembre 2007


Monsieur le Président du Parlement européen,
Mesdames et Messieurs les députés,
Monsieur le Président de la Commission,
Mesdames et Messieurs,


Je vous remercie de m’avoir invité à prendre la parole devant vous, dans ce lieu où bat le cœur démocratique de l’Europe.

Je vous remercie de me donner l’occasion de le faire maintenant, au moment où, après avoir semblé vaciller, l’Europe se ressaisit et repart de l’avant.

Je vous remercie de me permettre de renouveler devant vous l’engagement européen de la France et de vous dire que le « non » à la Constitution européenne n’était pas pour le peuple français l’expression d’un refus de l’Europe mais l’expression d’une plus grande exigence à son égard.

Depuis le commencement, la construction européenne est portée par une espérance qu’elle a nourrie et qu’elle a fait grandir. Les peuples attendent maintenant qu’elle soit à la hauteur de cette espérance. C’est une espérance de paix, de fraternité et de progrès. C’est une espérance qui est née des grandes tragédies du XXe siècle, du sang et des larmes versés par des millions d’hommes, de femmes et d’enfants, de leurs souffrances. C’est l’espérance que plus jamais les peuples européens ne se feront la guerre, que plus jamais l’on ne verra sur le sol européen les entreprises de conquêtes, de domination et d’extermination qui ont mené les nations européennes au bord de leur anéantissement matériel et moral.

Si l’idée européenne a pu naître, c’est parce qu’un jour de grands européens se sont tendus la main par-dessus les frontières pour lesquelles tant d’hommes étaient morts et que les peuples qui avaient trop souffert les ont suivis en décidant que l’amitié valait mieux que la haine.

Si la construction européenne est devenue possible, c’est parce que les peuples européens, horrifiés de ce qu’ils avaient fait, ne voulant plus se battre sachant au fond d’eux-mêmes qu’une nouvelle guerre leur serait fatale, choisirent de s’aimer, de se comprendre, de travailler ensemble à se forger une destinée commune.

Il faut prendre la construction européenne pour ce qu’elle est pour les peuples de toute l’Europe : l’expression d’une exigence spirituelle, morale et politique.

La construction européenne, c’est l’expression d’une volonté commune des peuples de l’Europe qui se reconnaissent des valeurs et une civilisation commune et qui veulent les maintenir vivantes. C’est l’expression d’une volonté commune des peuples de l’Europe qui se reconnaissent des intérêts communs et qui veulent les faire prévaloir. C’est l’expression d’une volonté commune des peuples de l’Europe qui ont choisi de faire passer ce qui les rapproche avant ce qui les oppose.

L’Europe, ce ne peut pas être qu’une machine, une machine administrative, une machine juridique, une machine à édicter des normes, des règlements, des directives, une machine à fabriquer des contraintes, des règles, des procédures.

Elle ne peut pas être tenue à l’écart de la vie, à l’écart des sentiments et des passions humaines.

L’Europe n’est une réalité, l’Europe n’a une chance d’exister pleinement que si pour des millions d’hommes et de femmes elle est vivante, si elle parle à leur cœur, si elle est pour eux l’espoir d’une vie, d’un monde meilleur, si elle est un grand idéal, une grande promesse.

L’Europe se fera avec les peuples, elle ne se fera pas sans eux, elle ne se fera pas contre eux.

Quand les peuples disent « non », il ne faut pas se dire que les peuples ont tort, il faut se demander pourquoi les peuples ont dit « non ».

Nous savons tous que le « non » français et le « non » néerlandais à la Constitution européenne exprimaient bien davantage que le refus d’un texte, aussi important fût-il.

Nous savons tous que ce refus n’était que le signe le plus visible d’une profonde crise de défiance envers l’Europe qui depuis longtemps gagnait les âmes et les cœurs des Européens.

Tous ceux qui aiment l’Europe, tous ceux qui la veulent de toutes leurs forces ont bien compris qu’ils devaient prendre au sérieux ce « non » de deux peuples fondateurs, de deux peuples qui ont toujours fait le choix de l’Europe, de deux peuples qui sont parmi ceux qui ont fait le plus d’efforts sur eux-mêmes pour que l’Europe ne soit pas seulement un rêve mais qu’elle devienne une réalité.

Dans ce « non » il y avait une angoisse, il y avait une déception qui étaient partagées par des millions d’hommes et de femmes en Europe qui s’étaient mis à désespérer de l’Europe parce qu’ils avaient le sentiment qu’elle ne les protégeait plus, qu’elle était devenue indifférente aux difficultés de leur vie, qu’elle ne s’adressait plus à eux.

Si tant d’hommes et de femmes qui avaient tant cru en l’Europe s’étaient mis à douter, c’est qu’à leurs yeux, elle avait cessé d’être une promesse pour devenir une menace.

Il leur semblait que l’Europe était devenue une machine.

Ces « non » furent désastreux. Ils ont plongé l’Europe dans la crise la plus grave de son histoire. Mais cette crise qui pouvait défaire l’Europe pouvait aussi lui être salutaire si elle amenait tous ceux qui étaient indéfectiblement attachés à sa cause à réfléchir sur les raisons de cette désaffection et sur les finalités de cette extraordinaire expérience humaine que nul auparavant n’avait tentée.

Depuis la création de la Communauté Européenne du Charbon et de l’Acier, ce qui a été accompli est prodigieux, si l’on veut bien se souvenir de ce qu’était alors l’Europe, son malheur, ses ruines, sa faiblesse économique et politique.

Nous sommes tous ici les représentants de peuples qui se sont haïs, qui ont cherché à se détruire, qui se sont combattus pendant des siècles.

Au commencement, Paul Henri Spaak, ce grand européen, qui fut le premier Président de la première assemblée parlementaire européenne, avait dit : « Sans rien oublier – car ce serait une profanation – nous avons décidé de tenter la grande aventure qui doit, si elle réussit, nous permettre de sauver ce que nous avons en commun de plus cher et de plus beau. ».

Et pendant plus d’un demi-siècle cette grande aventure a continué. Malgré les obstacles qui apparaissaient insurmontables, malgré les difficultés innombrables, pas à pas l’unité de l’Europe s’est forgée.

Les assemblées parlementaires qui se sont succédé y ont joué un rôle décisif. C’est en elles que l’Europe a rencontré la démocratie.

Qu’il me soit permis de rendre hommage à tous ceux qui y ont siégé. Ils ont été les représentants des citoyens de l’Europe, dans toute leur diversité, avec la différence de leurs opinions, de leur sensibilité.

Cette diversité, ces différences nous ne devons pas les redouter, nous devons au contraire les respecter comme notre plus grande richesse et comme le fondement même de la démocratie. La démocratie, c’est le débat. C’est la pluralité des points de vue. C’est le contraire d’un système où tout le monde est obligé de penser la même chose.

Je crois à la démocratie, à l’ouverture d’esprit, au respect des idées de l’autre, à la force de conviction qui sont les valeurs de votre assemblée. Je crois à l’échange. Je crois à la discussion. C’est la raison pour laquelle j’ai toujours préféré la règle de la majorité à celle de l’unanimité.

Car l’unanimité condamne aux marchandages. L’unanimité, c’est le système qui permet à quelques uns d’imposer leur loi à tous les autres. L’unanimité, c’est la certitude qu’on ne décidera jamais rien de grand, d’audacieux, qu’on ne prendra jamais aucun risque.

L’unanimité, c’est l’impuissance. C’est l’impossibilité d’agir. C’est aussi l’impossibilité de revenir sur ce qui a été décidé. C’est l’impossibilité pour une nouvelle majorité de changer ce qu’une autre majorité a fait. C’est pour cela que j’ai soutenu l’extension de la règle de la majorité dans le traité simplifié.

Je crois à la démocratie. Je crois que l’Europe doit être la plus démocratique possible. C’est pourquoi j’ai toujours considéré que l’on ne rendait pas service à la cause de l’Europe en récusant le débat, en taisant les divergences, en étouffant les critiques.

J’ai toujours pensé qu’il fallait à l’Europe plus de débat, plus de démocratie et au fond plus de politique et non pas moins.

Je suis convaincu que c’est parce qu’il n’y avait plus assez de débat, de démocratie et de politique dans l’Europe que tant d’hommes et de femmes s’en sont détachés.

Si l’Europe a pu sortir du blocage où l’avait plongé l’échec du projet de Constitution européenne, c’est bien parce qu’au Sommet de Bruxelles les chefs d’État et de gouvernement conscients de ce qu’ils avaient le sort de l’Europe entre leurs mains ont pris une décision politique. A Bruxelles ce jour là, la volonté politique a balayé tous les obstacles qui paraissaient jusque là insurmontables.

La politique, c’était de prendre acte de l’échec du projet de Constitution.

La politique, c’était de proposer aux Français qui avaient voté « non » de négocier un traité simplifié pour débloquer l’Europe sans passer par le référendum et de faire ratifier ce choix par l’élection présidentielle.

La politique, c’était pour les pays qui avaient déjà ratifié le projet de Constitution d’accepter de rouvrir les négociations sur un autre projet moins ambitieux.

La politique, c’était de vouloir surmonter les divergences de points de vue et d’intérêts pour parvenir à un accord plutôt que de laisser la crise européenne s’aggraver.

Le traité simplifié, c’est une victoire politique de l’Europe sur elle-même. C’est une victoire de la conscience européenne qui s’exprime dans la politique.

Cette victoire était décisive pour sortir du blocage. L’erreur serait de croire qu’elle a tout résolu et que plus aucune question ne se pose. Le traité simplifié résout la crise institutionnelle. Il ne résout pas la crise morale et politique de l’Europe. Il permet à l’Europe de décider et d’agir. Mais il ne dit pas dans quels buts, avec quelles finalités. Il ne dit pas ce que sera l’Europe de demain, comment elle contribuera à améliorer la vie des citoyens. Il ne donne pas de raisons à ceux qui avaient cessé de croire en l’Europe de reprendre confiance en elle.

La question institutionnelle est réglée. Il reste à régler les questions politiques. Il faut les poser sans crainte, en débattre sans tabou.

L’Europe a choisi la démocratie, et dans une démocratie il faut pouvoir débattre de tout : de la politique monétaire, de la politique budgétaire, de la politique commerciale, de la politique industrielle, de la politique fiscale, de toutes les politiques quelles qu’elles soient.

L’Europe a choisi la démocratie, et dans une démocratie nulle indépendance ne peut se confondre avec une irresponsabilité totale. Nul ne peut se prévaloir de l’indépendance de son statut pour se dispenser d’avoir à rendre des comptes, à s’expliquer, à être contrôlé.
Dans une démocratie, la responsabilité politique est un principe essentiel.

Dans la démocratie européenne, il faut pouvoir discuter des finalités et des objectifs de l’Europe. C’est pourquoi j’ai proposé que soit créé un comité des sages pour réfléchir à l’avenir et pour que nous puissions débattre tous ensemble des différents futurs possibles de l’Europe. Pour que nous puissions ensemble dessiner le visage et les contours de l’Europe de demain. Comment sinon demander aux peuples d’Europe d’avoir confiance dans l’avenir de l’Europe ?

Dans la démocratie européenne il faut pouvoir débattre de l’identité européenne et des identités nationales. Il faut pouvoir discuter de la manière dont l’Europe construit son identité et la défend. Il faut pouvoir discuter de la manière dont l’Europe protège les identités nationales qui sont la plus grande richesse de l’Europe.

Nous ne devons pas avoir peur des identités. Chercher à préserver son identité ce n’est pas une maladie. C’est quand les identités se sentent menacées, quand elles se sentent attaquées qu’elles se crispent et qu’elles deviennent dangereuses.

Les peuples européens traversent une crise identitaire très profonde. C’est une crise qui est à la fois dans les nations et dans cette idée de la civilisation que tous les Européens ont en commun et qui fait la véritable unité de l’Europe. C’est une crise qui est liée à la globalisation et à la marchandisation du monde.

Commencer l’Europe par l’économie, par le charbon et par l’acier, par le commerce, ce fut le coup de génie des pères fondateurs. Mais la politique a pris trop de retard sur l’économie, et la culture plus encore.

Dans un monde menacé d’uniformisation, dominé par la technique, où les valeurs marchandes tendent à l’emporter sur toutes les autres, l’Europe ne peut être l’Europe aux yeux de tous les hommes que si elle défend des valeurs spirituelles et des valeurs de civilisation, que si elle rassemble toutes ses forces, toute son énergie pour défendre la diversité culturelle.

L’Europe doit faire en sorte de ne pas être vécue comme une menace contre les identités mais comme une protection, comme un moyen de les faire vivre, comme un multiplicateur de puissance et de rayonnement dans l’ordre de la pensée et de la culture, comme dans l’ordre matériel et dans l’ordre politique.

Dans l’ordre moral aussi. Car les droits de l’homme font partie de l’identité européenne. Partout dans le monde, chaque fois qu’une femme est opprimée, qu’un enfant est martyrisé, qu’un homme est persécuté, qu’un peuple est asservi, l’Europe doit se trouver à ses côtés. Parce que c’est ainsi qu’elle sera fidèle à elle-même.

Dans la démocratie européenne que nous voulons construire, le mot protection ne doit pas être banni. Si nous ne voulons pas qu’un jour les peuples exaspérés d’être victimes de la concurrence déloyale et des dumpings réclament de nouveau le protectionnisme et la fermeture, nous devons être capables de débattre de ce que pourrait être une véritable préférence communautaire. Nous devons être capables de faire autant pour nous protéger que ce que font les autres. Nous devons être capables de nous doter des mêmes moyens d’agir que tous les autres. Si les autres nations ont le droit de se défendre contre les dumpings, pourquoi pas l’Europe ? Si tous les pays ont des politiques de change, pourquoi pas l’Europe ? Si d’autres nations peuvent réserver une part de leurs marchés publics à leurs PME, pourquoi pas l’Europe ? Si d’autres nations mettent en œuvre des politiques industrielles, pourquoi pas l’Europe ?
Si les autres défendent leurs agriculteurs, pourquoi l’Europe ne défendrait-elle pas les siens ?

L’Europe ne veut pas du protectionnisme mais elle doit réclamer la réciprocité.
L’Europe ne veut pas du protectionnisme mais elle a le devoir d’assurer son indépendance énergétique et son indépendance alimentaire.

L’Europe veut être exemplaire dans la lutte contre le réchauffement climatique, mais l’Europe ne peut pas accepter la concurrence déloyale des pays qui n’imposent aucune contrainte écologique à leurs entreprises.

L’Europe est attachée à la concurrence. Mais l’Europe ne peut pas être seule au monde à en faire une religion. C’est pourquoi au sommet de Bruxelles il a été décidé que la concurrence était pour l’Europe un moyen et non une fin en soi.

L’Europe a fait le choix de l’économie de marché et du capitalisme. Mais ce choix n’implique ni celui du laissez-faire absolu, ni l’acceptation des dérives d’un capitalisme financier qui fait la part belle aux spéculateurs et aux rentiers plutôt qu’aux entrepreneurs et aux travailleurs.
Le capitalisme européen a toujours été un capitalisme d’entrepreneurs, un capitalisme de production plutôt qu’un capitalisme de spéculation et de rentes.

L’Europe a un rôle à jouer dans la nécessaire moralisation du capitalisme financier dont les citoyens du monde entier ne supportent plus les excès.
Beaucoup de ceux qui dans le monde ont placé leur espérance dans l’Europe attendent d’elle qu’elle prenne la tête de ce combat.

Sur tous ces sujets nous avons tous des idées et des points de vue différents. Ce n’est pas une raison pour ne pas en parler. Bien au contraire. Nous devons en débattre jusqu’à ce que nous ayons réussi à rapprocher assez nos points de vue pour pouvoir bâtir une politique commune. Car si nous n’acceptons de discuter que des sujets sur lesquels tout le monde est d’accord, alors la crise de l’Europe n’est pas derrière nous mais devant nous.
Tous ces sujets seront au cœur des priorités de la Présidence française.

Il y a bien d’autres sujets dont nous allons devoir débattre.
Il y a bien sûr la refondation de la politique agricole commune après 2013.
Il y a la question de la fiscalité écologique.
Il y a celle des énergies renouvelables et des économies d’énergie.
Il y a celle de la défense, car comment l’Europe pourrait-elle être indépendante, comment pourrait-elle avoir une influence politique dans le monde, comment pourrait-elle être un facteur de paix et d’équilibre si elle n’était pas capable d’assurer elle-même sa défense ?

Que signifie pour chacun d’entre nous notre engagement européen si nous ne sommes pas capables de débattre de la construction d’une défense européenne et de la rénovation de l’alliance atlantique ?
Que signifie notre engagement européen si chacun d’entre nous n’est pas capable de faire un effort pour sa propre défense et pour la défense de tous ?

Depuis le traité de la CECA jusqu’au traité simplifié, les peuples européens ont tissé entre eux une solidarité dont il faut tirer les conséquences sous peine de la voir un jour ou l’autre se déliter.
Cette solidarité, elle se manifeste dans la politique régionale.
Cette solidarité, elle doit s’exprimer dans la défense. Elle doit s’exprimer aussi dans la politique de l’immigration. Dans une Europe où la circulation est libre entre les Etats membres, cette politique ne peut être qu’une politique commune. On ne peut pas appartenir à l’espace Schengen et régulariser ses sans papiers sans demander l’avis des autres.
On ne réconciliera pas les citoyens avec l’Europe si l’Europe, au lieu de contribuer à la maîtrise des flux migratoires, apparaît comme rendant cette maîtrise impossible.

Lorsque j’ai été élu Président de la République je me suis fixé comme priorité de remettre la France au cœur de la construction européenne. J’ai voulu que la France surmonte ses doutes en s’engageant davantage dans l’Europe, mais dans une Europe où la politique reprendrait ses droits, dans une Europe où la France ne réussirait pas toujours à emporter la décision mais où elle pourrait toujours faire valoir son point de vue.

C’est ce que je me suis efforcé de faire. C’est ce que je continuerai à faire.

C’est ce que j’ai fait en renouant le dialogue avec les institutions communautaires et je remercie le Président Barroso de la relation de confiance qu’il a permis d’établir entre la France et la Commission Européenne. La politique de la France c’est de travailler étroitement et en toute confiance avec les institutions européennes.
C’est ce que j’ai fait lorsque je me suis rendu devant les Ministres des Finances de la zone Euro pour expliquer la politique française.
C’est ce que j’ai fait en portant l’idée du traité simplifié.
C’est ce que j’ai fait en me rendant à Berlin dès le jour de mon investiture pour bien montrer l’importance pour l’avenir de l’Europe de l’amitié entre la France et l’Allemagne.
C’est ce que j’ai fait en déployant tous mes efforts pour convaincre l’Angleterre de signer le traité simplifié. Parce que l’Europe a besoin de l’Angleterre.
C’est ce que j’ai fait en m’engageant fortement dans le dialogue avec les pays de l’Est qui avaient parfois le sentiment qu’on ne les écoutait pas assez.
C’est ce que j’ai fait en proposant l’Union de la Méditerranée parce que je suis convaincu qu’en tournant le dos au Sud l’Europe ne tournerait pas le dos à son passé mais à son avenir. Parce que je suis convaincu qu’il faut unir les pays de la Méditerranée entre eux, non seulement parce qu’une part du destin de l’Europe et de la paix du monde se jouent là, mais aussi pour qu’un jour le grand rêve de l’Eurafrique puisse devenir une réalité.
Ce que le processus de Barcelone a engagé, ce que la politique de voisinage a permis, doit être amplifié. Le moment est venu d’aller encore plus loin, de mobiliser encore plus les énergies, d’engager des coopérations encore plus étroites dans cette région du monde à laquelle nous devons tant et dont les drames, les joies et les peines nous concernent si directement.

Mais j’ai entrepris davantage : j’ai voulu que la France puisse de nouveau entraîner la croissance européenne, qu’elle puisse de nouveau contribuer au dynamisme de l’Europe et à sa prospérité. Car lorsque la France va bien, c’est l’Europe tout entière qui en tire profit. Lorsque la France va mieux, l’Europe aussi va mieux.

Nul en Europe n’a intérêt à une France affaiblie, incapable de trouver en elle les ressorts de la croissance. Nul en Europe n’a intérêt à une France en déclin, à une France qui doute d’elle-même, qui a peur de l’avenir.

J’ai engagé une politique de réformes qui n’a pas de précédent depuis 1958. Ces réformes, elles représentent un effort considérable. C’est l’intérêt de l’Europe qu’elles réussissent. Ce n’est pas l’intérêt de l’Europe qu’elles échouent. C’est grâce à ces réformes, si elles réussissent – et elles réussiront – que la France assainira ses finances publiques, qu’elle respectera ses engagements. Ces réformes les Français les ont approuvées. Je leur ai tout dit avant les élections pour pouvoir tout faire après. Ces réformes je les mènerai jusqu’au bout. Rien ne me détournera de mon objectif. C’est le meilleur service que je puisse rendre à l’Europe.


Mesdames et Messieurs les députés,
Dans cette ville de Strasbourg si chère au cœur des Français et désormais indissociablement liée dans l’esprit de tous les Européens à votre Assemblée dans laquelle s’incarne la démocratie européenne,
Au sein de votre Parlement qui sait si bien faire vivre le débat démocratique dans le respect de la diversité des opinions, des convictions et des croyances,
Ici à cette tribune où elle s’exprima tant de fois, j’ai une pensée pour Simone Veil qui fut en 1979 la première présidente de la première assemblée parlementaire européenne élue au suffrage universel direct.

Qu’il me soit permis de lui rendre hommage pour sa contribution à la cause de l’Europe et pour sa contribution à la cause des femmes. Elle s’est battue pour qu’on respecte leurs droits, pour qu’on respecte leur dignité et votre Parlement a toujours été fidèle à cette ligne de conduite.
Nul n’oubliera ce qu’elle a fait.
Nul n’oubliera non plus ces mots forts qu’elle prononça lors de son premier discours de Présidente :
« Quelles que soient nos différences de sensibilité, je pense que nous partageons la même volonté de réaliser une communauté fondée sur un patrimoine commun et un respect partagé des valeurs humaines fondamentales. C’est dans cet esprit que je vous invite à aborder fraternellement les travaux qui nous attendent ».
Ces mots, je les fais miens.

Elle déclara aussi : « Tous les Etats de la communauté sont, aujourd’hui, confrontés à trois défis majeurs, celui de la paix, celui de la liberté, celui du bien-être, et il semble bien que la dimension européenne soit seule en mesure de leur permettre de relever ces défis. »
Ces mots aussi je les fais miens, car ces défis sont encore les nôtres. Ces défis sont ceux que les citoyens attendent que l’Europe relève.
Nous n’avons plus de temps à perdre pour les relever.
Nous n’avons plus de temps à perdre pour faire en sorte que les peuples puissent reprendre confiance dans l’Europe.
Nous en avons déjà trop perdu.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Nacionalistas II

Continuando o post anterior, afinal foi Alessandra Mussolini que decidiu sair do grupo de extrema-direita - Identidade, Tradição, Soberania - do Parlamento Europeu. O que, em princípio, deverá permitir ao ITS continuar a existir... se os cinco membros romenos aceitarem continuar.

A saída de Alessandra Mussolini foi fortemente impulsionada, e trabalhada na sombra, pelo presidente do grupo, o francês Bruno Gollnisch, membro da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen. Isto, esperando conseguir guardar os cinco romenos, essenciais para manter o número mínimo de deputados necessário para garantir a sobrevivência do grupo parlamentar.

Alessandra Mussolini explicou numa carta enviada na segunda-feira ao presidente do PE que decidiu sair por causa "das declarações insultuosas e utilizadas como pretexto por Corneliu Vadim Tudor", o lider dos cinco eurodeputados romenos do ITS e autor do comunicado de imprensa anunciando o abandono do grupo que citei no último post.

"Acusar de xenofobia e de intolerância alguém que, como eu, não fez mais do que denunciar acontecimentos que fazem parte da crónica negra da Itália dos últimos anos (...) significa que se perderam os argumentos".

E a neta de Benito Mussolini continua: "é um grave problema para mim, e não para Tudor, se centenas de romenas vêm prostituir-se nas ruas italianas. É um grave problema para mim, e não para Tudor, se a violência bestial dos bandos de criminosos provenientes da Roménia matou italianos". É por causa do "laxismo de todos os homens políticos romenos que a situação em Itália se tornou insustentável", conclui.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Zangaram-se os nacionalistas

Os cinco eurodeputados do partido da Grande Roménia decidiram retirar-se do grupo parlamentar de extrema-direita do Parlamento Europeu - Identidade-Tradição-Soberania (ITS) -, devido aos insultos contra o seu país feitos pela sua colega italiana de bancada, Alessandra Mussolini (Obrigada Bernardo :-).


Desta forma, o grupo parlamentar de extrema-direita do PE que foi criado em Janeiro com 23 membros, deixa de ter o número mínimo de deputados para poder continuar a existir (20 deputados originários de cinco Estados membros). O que significa que terá de se desfazer, com tudo o que isso implica de perda de benefícios para os seus eleitos de partidos como o Front National francês, o Vlaams Belang belga ou o FPO austríaco.


Eis alguns extractos do comunicado de imprensa emitido esta tarde pelos deputados romenos do grupo ITS (tradução minha):

"A direcção do partido “Grande Roménia” tomou nota, com indignação, das declarações anti-romenas da deputada italiana Alessandra Mussolini. Entre os inúmeros insultos que esta pessoa dirigiu contra o povo romeno, há um publicado num jornal romeno de 2 de Novembro de 2007: ‘os romenos fizeram da infracção um modo de vida. No entanto, não se trata de delitos menores, mas de crimes horríveis, que gelam o sangue nas veias’. (...)

A inconsciência com a qual esta senhora faz generalizações, dando a entender que todos os romenos vivem como infractores e fazem crimes horríveis, lembra-nos o seu avô, o ditador fascista Benito Mussolini e o seu tio, Galeazzo Ciano, que provocaram graves feridas, ainda abertas, na história do nosso povo, das quais a pior foi o Diktat de Viena de 30 de Agosto de 1940.

Sabemos bem que ninguém deve ser admoestado pelo que os seus antepassados fizeram. Mas conhecemos a existência de um velho provérbio romeno que diz: ‘quem nasce de uma gata come ratos’. (...)

Em consequência, a direcção do partido “Grande Roménia” decidiu que a totalidade dos nossos cinco eurodeputados se retiram de imediato, em sinal de protesto, do grupo político Identidade-Tradição-Soberania (...).

Somos patriotas romenos e jamais permitiremos que alguém ofenda o nosso país. Ao mesmo tempo, o partido “Grande Roménia” reafirma a sua qualidade de partido de centro-esquerda e rejeita qualquer tentativa de recrudescência do fascismo na Europa Unida.

Lembramos a esta mulher abusiva que sem o nosso partido, o grupo ITS não poderia ter sido fundado (...). Com a saída dos cinco eurodeputados romenos, que voltam a ser independentes, o grupo Identidade-Tradição-Soberania desaparece.”


Não há, por enquanto, qualquer reacção de Alessandra Mussolini

A viragem dos defensores do não

Vários deputados socialistas franceses defensores do “não” à Constituição Europeia explicaram esta semana no Libération as razões da sua viragem a 180 graus, que se traduz agora no apoio ao Tratado de Lisboa.

É um curioso exercício de contorcionismo político que merece ser assinalado, porque a maioria dos argumentos utilizados já se aplicava à Constituição. Extractos (a tradução é minha).

(...)

“O Tratado de Lisboa deve ser avaliado pelo que é: um texto cujo único objecto é tentar melhorar o funcionamento das instituições da União (1). Desta forma foi suprimida a terceira parte do tratado constitucional que tinha o efeito de “gravar na pedra” o conjunto das políticas europeias mais liberais (2). Além disso, o texto agora proposto já não tem valor de constituição. Não é mais do que um tratado “modificador” clássico que altera os tratados existentes, sem os substituir. Aprová-lo não quer dizer que damos o nosso beneplácito ao conjunto da construção europeia, como implicaria implicitamente a adopção do tratado constitucional.

O tratado de Lisboa permitirá fluidificar o funcionamento da engrenagem da União, gripada por um alargamento a vinte e sete Estados membros tão mal preparado e um tratado de Nice tão mal negociado? É forçoso constatar que mesmo se os bloqueios institucionais não explicam só por si a impotência da União, as inovações do Tratado serão bem vindas: um presidente do conselho europeu eleito por dois anos, um alto representante para os assuntos externos e a política de segurança com poderes reforçados e, no seio do conselho de ministros, um novo mecanismo de votação por maioria qualificada (3). Além disso, devemos regozijar-nos pelo facto de, entre os valores citados em preâmbulo, serem acrescentados os da não-discriminação, da justiça, da solidariedade e da igualdade entre homens e mulheres (4), e que, entre os objectivos da União, seja retirada a concorrência livre e não falseada (5). Finalmente, um protocolo sobre os serviços públicos permite criar uma base jurídica para a adopção de uma directiva-quadro sobre os serviços públicos, recusada até agora pela Comissão (6).

No entanto, o contexto é igualmente determinante. O que motivou, em 2005, a nossa oposição ao tratado constitucional, foi a falta de Europa. O que justificava a nossa estratégia era que podíamos apoiar-nos no não para exigir mais Europa, onde ela é necessária. Em 2005, a esquerda francesa tinha a perspectiva de uma vitória nas eleições presidenciais (7). O que lhe teria permitido conduzir a negociação e assumir depois a presidência francesa da União que tem início em Junho. Já não é assim. O que significa que a estratégia desenvolvida na altura se tornou caduca. Houve efectivamente uma renegociação, como nós diziamos, mas foi Nicolas Sarkozy que a fez e que lhe retirou a força. Hoje é preciso votar sobre o texto, e não sobre aquele que imaginávamos. Se o Tratado de Lisboa não for adoptado, ficaremos com o Tratado de Nice, e por muito tempo” (8).


(...)


(1) Já era o caso da Constituição, sobretudo do ponto de vista da França

(2) Falso: a parte III da Constituição era simplesmente a compilação dos Tratados existentes num só texto para melhorar a coerência e visibilidade das políticas. O facto de não estar no Tratado de Lisboa não significa que desapareceu, ficou foi dispersa nos vários Tratados em vigôr

(3) Já era rigorosamente o caso da Constituição. A única diferença é que no texto anterior o alto representante para a política externa se chamava ministro dos negócios estrangeiros

(4) Já estavam na Constituição

(5) A concorrência livre e não falseada sai efectivamente dos objectivos da União (passaremos a ter uma concorrência falseada???), mas essa característica central do mercado interno é lembrada num protocolo anexo ao Tratado

(6) Há de facto um protocolo nesse sentido, mas saber se altera de facto alguma coisa é outra história

(7) Será que, afinal de contas, o não à constituição não passou de uma estrategiazinha de conquista do poder ?

(8) Já era o caso com a rejeição da Constituição

terça-feira, 30 de outubro de 2007

A Bélgica estragou a festa a José Sócrates

Depois de ter fechado em Lisboa o acordo político sobre o novo Tratado europeu, José Sócrates decidiu que o texto final será assinado a 13 de Dezembro de manhã, no Mosteiro dos Jerónimos.


Logo a seguir, os lideres dos Vinte e Sete e respectivas comitivas, em conjunto com os presidentes da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, terão de saltar para os seus aviões e voar para Bruxelas, de modo a poderem participar na tradicional cimeira de chefes de estado ou de governo de Dezembro, que arranca à tarde.

Durante a última cimeira (18 e 19 de Outubro, em Lisboa), pelo menos a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel (na fotografia com José Sócrates), queixou-se do quebra-cabeças logístico implícito neste vaivém entre as capitais-europeias-Lisboa-Bruxelas. O que levou imediatamente o primeiro ministro português a sugerir que a cimeira se realizasse igualmente em Lisboa, ao contrário do que é a regra. Poupava-se tempo, dinheiro e emissões de CO2, justificou então a presidência portuguesa da UE.

Não são claras as razões que levaram Sócrates a marcar a assinatura para dia 13 - a menos que procurasse por essa via, precisamente, forçar a realização da cimeira em Lisboa. Isso é que era, poder encerrar a "sua" presidência europeia, a última assumida por Portugal, com um grande acontecimento mediático!

Mas não é que o seu homólogo belga lhe estragou os planos ? Pois: Guy Verhofstadt invocou o acordo firmado pelos lideres europeus em Nice, em 2000, que impôs a realização em Bruxelas de todas as cimeiras regulares da UE a partir de 2002 (e já não no país detentor da presidência europeia). Acordos são acordos e são para ser cumpridos, defenderam os belgas. E Verhofstadt disse à Agência Reuters: "A próxima cimeira terá sem qualquer dúvida de se realizar em Bruxelas". Ou seja, como de costume, no edifício Justus Lipsius (na fotografia).(A última cimeira de Outubro teve um estatuto "informal" o que permitiu a sua realização em Lisboa).

As coisas talvez fossem mais simples se o Tratado fosse assinado noutra altura. Ou melhor, do ponto de vista da racionalidade, no próprio dia 13 mas em Bruxelas, logo antes do início da cimeira de lideres. Isso, só por si, não lhe retiraria o nome de Lisboa que Sócrates tanto parece querer garantir: os Tratados tanto podem ter o nome do local onde são acordados, como o do local onde são assinados, tudo depende da decisão dos governos dos Vinte e Sete.

Mas não: o primeiro ministro está mesmo decidido a garantir que todos os eventos ligados ao Tratado decorrem em Lisboa. Essa será a melhor garantia de que a sua cara aparecerá no centro de todas as fotografias oficiais do dito, enquanto anfitrião da cerimónia solene. Talvez isso permita que o seu nome fique de alguma forma ligado à história da UE. Mesmo que para isso tenha de pôr de lado o seu discurso oficial sobre o combate às alterações climáticas...

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Interesses nacionais

É um fenómeno curioso, esta coisa dos interesses nacionais. Cada país tem os seus, e muitas vezes define-se por eles.


Os ingleses são os campeões dos ditos. Na última cimeira europeia, em Lisboa, os jornalistas britânicos divertiram-se a contar as vezes que o seu primeiro ministro, Gordon Brown, utilizaria a expressão “interesses nacionais”. Em duas conferências de imprensa, foram mais de 30 vezes, para assegurar que estavam bem salvaguardados no novo Tratado europeu. A boa notícia é que no meio do pensamento único da imprensa tablóide, sempre há algumas vozes discordantes – entre jornalistas, deputados ou diplomatas – e a contra-corrente do eurocepticismo ambiente.



Não foi nada disso que aconteceu com a Itália no seu combate por mais um ou dois eurodeputados. Nesse caso, a totalidade dos eleitos no PE, da esquerda à extrema-direita, e da imprensa – pelo menos aquela que tem correspondentes em Bruxelas colocou-se atrás do governo de Romano Prodi. Todos, sem excepção, gritaram indignados contra a afronta feita, imagine-se!, a um país fundador da UE. Todos, igualmente, bateram-se com igual vigor pelos interesses nacionais.


E, no entanto, Prodi tinha participado na decisão unânime dos lideres da UE quando, em Junho passado, pediram ao PE para lhes propôr uma repartição dos seus futuros 750 membros (contra 785 hoje) entre os Vinte e Sete, com base no princípio da proporcionalidade degressiva. Nessa altura, nada a dizer.

Quando o PE apareceu com uma proposta que, por via das diferenças de população, dava à Itália menos um deputado que ao Reino Unido, e menos dois que à França, caiu o Carmo e a Trindade. Ou, se quiserem, o Coliseu e a Torre de Pisa.

A vaga de indignação nacional não foi provocada pelo facto de a Itália ter perdido deputados – de facto, não perdeu relativamente aos 72 que já estavam previstos no Tratado de Nice. O problema estava no facto de ter menos deputados do que os dois países com que gosta de se comparar.

Só nessa altura – ou seja, uma semana antes da cimeira de Lisboa – é que os italianos se lembraram de invocar a questão da cidadania. O cálculo da repartição dos eurodeputados, afirmavam, devia ser feito com base nos cidadãos e não na população residente. No plano dos princípios, até podem ter razão, porque o Tratado afirma que o PE representa os cidadãos europeus. Mas a verdade é que os italianos só se lembraram quando perceberam que o critério da população os prejudicava relativamente à França e Reino Unido.


O problema está em que não existe na UE nem um conceito uniforme de cidadania – cada país define quem, no seu território, pode ou não votar para o PE – nem, sobretudo, estatísticas fiáveis na matéria. Todas as decisões são, e sempre foram, baseadas na população – desde os cálculos dos eurodeputados ou dos votos ponderados no conselho de ministros europeu, até à repartição dos fundos estruturais.

Não havendo estatísticas fiáveis, os italianos defendiam que a questão deveria ser deixada para decidir mais tarde, alegando que o novo sistema de votações por dupla maioria de votos no conselho de ministros da UE também só entrará em vigôr a partir de 2014. Também aqui poderiam ter um argumento a seu favor, mas nenhum dos outros países pareceu disposto a fazer-lhes o favor.

No fim da cimeira de Lisboa, Prodi voltou para casa com mais um eleito. E o PE ficou com “750 deputados mais o presidente”. Não foi um combate glorioso, mas a honra dos italianos ficou salva.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Cimeira de Lisboa

Cá chegámos ao momento que é suposto encerrar dez anos de discussões institucionais na UE. Ninguém tem grandes dúvidas de que a cimeira de Lisboa que começa ao fim da tarde vai desembocar num acordo sobre o novo Tratado - a questão é saber quando. Porque ainda há dois grandes e difíceis temas em aberto, levantadaos pela Itália (a repartição dos deputados europeus) e Polónia (o famoso compromisso de Ioanina). Mas Sócrates já anunciou hoje que o texto será aprovado nas próximas horas, e que se chamará Tratado de Lisboa. Grande novidade, que este blog já tinha anunciado em Junho ;-)

Vale a pena lembrar os últimos dez anos de discussões institucionais para se perceber o contexto. Por isso, não resisto a pôr aqui o texto que escrevi no Público de hoje sobre o que esteve em causa desde 1997 (desculpem a repetição...)
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De Amesterdão a Lisboa, passando por Nice, a difícil procura do equilíbrio entre o peso relativo dos Estados

De Amesterdão a Lisboa: as raízes do novo Tratado da União Europeia (UE) foram lançadas há dez anos, em Amesterdão, no quadro de uma tentativa falhada dos líderes dos então 15 Estados-membros de reformar em profundidade as instituições comunitárias.

Em 1997, os grandes países procuravam reforçar o seu peso relativo no conselho de ministros europeu (o principal órgão de decisão, embora cada vez mais em conjunto com o Parlamento Europeu), de modo a compensar a erosão de que se sentiam vítimas em resultado dos alargamentos sucessivos da UE.
Para isso, defendiam, era necessário encontrar um novo equilíbrio entre os princípios da igualdade entre os Estados e da representação democrática.

Na fundação da UE, a questão tinha sido resolvida com a invenção de um sistema de votos ponderados atribuídos a cada país consoante a sua dimensão. Um sistema cuja principal característica era garantir a sobrerepresentação dos mais pequenos.
A perspectiva do grande alargamento da UE ao Leste pôs a nu os limites deste mecanismo: na Europa a seis, os grandes países (França, Alemanha e Itália) eram metade dos Estados-membros; com 27, os seis grandes (estes três mais o Reino Unido, Espanha e Polónia), que reúnem 70 por cento da população da UE, passariam a ser pouco mais de um quinto do total dos Estados.

Ao mesmo tempo, a população representada numa decisão por maioria qualificada no conselho de ministros passou de 68 por cento em 1957, para 58 por cento em 1995. Sem uma reforma, voltaria a descer para 50 por cento na UE a 27.

Ao pôr em questão a legitimidade democrática das decisões europeias, esta situação ressuscitou o velho debate sobre a forma de conciliar a igualdade entre os Estados e a representação democrática. Que provocou, inevitavelmente, um confronto entre os grandes e os pequenos países. Confronto que ficou largamente por resolver na cimeira de Junho de 1997, em Amesterdão, que acordou o Tratado do mesmo nome.

A reivindicação dos grandes países de obter um reforço dos seus votos ponderados no conselho de ministros saiu reforçada com a decisão então tomada de reduzir a Comissão Europeia a um nacional por Estado-membro (acabando com o segundo comissário a que os grandes países tinham direito). Mas, perante o impasse, de Amesterdão saiu igualmente uma declaração exigindo a resolução do problema logo que possível e em todo o caso antes de qualquer novo alargamento.

Foi o que os Quinze tentaram fazer na cimeira de Nice ao fim de cinco dias de acesas discussões e um braço-de-ferro entre grandes e pequenos países, de um lado, e entre Paris e Berlim, do outro: a recusa francesa de reconhecer o novo peso da Alemanha reunificada nas decisões e a sua exigência de manter a paridade histórica dos votos entre os dois países, resultaram num sistema de reforço dos votos ponderados dos grandes países particularmente complicado e de difícil aplicação. Com a agravante que tornaria o processo de decisão ainda mais difícil do que antes. Ainda a tinta do novo Tratado de Nice não estava seca e já todos os participantes consideravam o acordo largamente insatisfatório.

Desta cimeira saiu assim nova declaração pedindo "um debate mais amplo e mais profundo sobre o futuro da UE". Debate que a presidência belga da UE tratou de acelerar fazendo aprovar, um ano depois, a chamada "declaração de Laeken" que lançou as questões a resolver num novo tratado: uma União mais democrática, transparente e eficaz, a aproximação dos cidadãos, o aumento da legitimidade democrática e da transparência das instituições e decisões e a simplificação dos tratados. Esta declaração interrogava-se sobre a oportunidade de este processo "conduzir, a prazo, à adopção de um texto constitucional".

Este trabalho foi encomendado a uma convenção reunindo representantes dos governos, parlamentos nacionais, Parlamento Europeu e Comissão Europeia que, sob a presidência de Valéry Giscard d"Estaing, produziu uma proposta de Constituição em Junho de 2003.
Este texto constituiu a base dos trabalhos da conferência intergovernamental (CIG), o método obrigatório de revisão dos tratados, que assumiu o essencial das suas propostas produzindo uma Constituição consolidada em Junho de 2004. Isto, não sem antes ter passado por uma tentativa falhada de acordo, em Dezembro de 2003, devido à oposição da Espanha e Polónia ao novo método de decisão que substitui os votos ponderados por uma nova "dupla maioria" de Estados e população e lhes retirava o peso desproporcionado que tinham obtido em Nice. O problema resolveu-se com a subida dos dois limiares para o cálculo da dupla maioria: 55 por cento dos Estados (contra 50 por cento inicialmente) representando 65 por cento da população (em vez de 60 por cento).

Os referendos francês e holandês de Maio e Junho de 2005 inviabilizaram a aplicação da Constituição, que, como qualquer tratado, precisa da ratificação de todos os Estados. Sem Constituição, o sistema de votações de Nice (em vigor desde 2004) permaneceria a regra, uma situação recusada por quase todos os países.
O impasse aberto em 2005 foi ultrapassado dois anos depois quando o novo Presidente francês, Nicolas Sarkozy, decidiu impulsionar a recuperação, num novo tratado, do essencial da Constituição, embora sem a estrutura, a linguagem e os símbolos, mas mantendo a totalidade da arquitectura institucional.

É este tratado que vai ser hoje submetido à aprovação dos Vinte e Sete.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Tratado incompreensível?

Diz “o raio” num dos seus comentários ao meu post anterior que o novo Tratado é incompreensível e que parece sê-lo "de propósito". É verdade, é muito difícil perceber este Tratado, sobretudo quando não se tem à frente dos olhos todos os Tratados anteriores que o novo texto vai modificar. E mesmo tendo os outros Tratados, não é tarefa fácil perceber o que é que está em causa.

O que “o raio” se esqueceu foi que o Tratado é o que é porque o povo soberano assim o decidiu.

Os eleitores franceses e holandeses, que foram chamados a referendar a Constituição em 2005, tinham um texto que consolidava, codificava e clarificava todos os Tratados anteriores. Tinha defeitos ? Claro que sim, mas tinha também uma série de aspectos positivos. E tinha, ainda, o mérito de poder ser lida de fio a pavio e minimamente compreendida.

Mas o povo soberano votou, e rejeitou a Constituição. Hoje há estudos mais do que suficientes que mostram que o voto negativo dos dois países não foi contra a Constituição, mas contra a conjuntura do momento. Os holandeses, contra a imigração, o alargamento da UE ao Leste, e, em grande parte, porque o seu governo tinha passado os anos anteriores a queixar-se de que o país paga demais para alimentar o orçamento comunitário. Questão que não tinha nada a ver com a Constituição. Mas, como costuma dizer Durão Barroso, é difícil os governos dizerem mal da União Europeia todos os dias da semana e depois pedirem ao domingo para os seus cidadãos votarem a favor da Europa.

Em França, a coisa foi mais complicada. O voto negativo traduziu a revolta da opinião pública contra o governo, o presidente, o alargamento da UE ao Leste, a globalização e a alegada “deriva liberal” da Europa. Foi, igualmente, uma espécie de vingança do dia negro de 21 de Abril de 2002, quando a esquerda foi cilindrada com a passagem de Le Pen à segunda volta das eleições presidenciais e não teve alternativa senão votar em Chirac para lhe barrar o caminho.


A única parte da Constituição que, segundo os analistas, os franceses rejeitaram foi a chamada Parte III – por traduzir a tal "deriva liberal" da Europa. Só que esta era
precisamente a única parte que não podia ser rejeitada porque não era mais do que o conteúdo codificado e clarificado dos Tratados em vigor, de modo a tornar o conjunto compreensível.

Os franceses votaram contra, ainda, porque os opositores garantiram que a morte da Constituição permitiria construir uma Europa alternativa, social, com salários e impostos nivelados entre todos os países e possivelmente com “concorrência falseada” (o que mais emocionou os franceses parece ter sido a promoção da “concorrência livre e não falseada” que é afirmada nos princípios da UE). E outras inépcias do género. Mas foi o que se viu.


Dois anos depois, os franceses elegeram para presidente da república, Nicolas Sarkozy, liberal de convicção, que anunciou alto e bom som durante a campanha eleitoral a sua intenção de propôr aos parceiros um "Tratado simplificado” para substituir a Constituição nos moldes do texto que vai ser aprovado na próxima semana na cimeira de Lisboa. Deixou igualmente bem claro na campanha que não submeteria a ratificação desse novo Tratado a referendo, mas ao parlamento. A sua adversária, a socialista Segolène Royal, prometia por seu lado um Tratado social e um referendo. Sarkozy foi eleito com 53 por cento dos votos.... Votação que lhe conferiu a legitimidade necessária para impulsionar o seu Tratado simplificado.

O resultado é um texto que retoma todos os arranjos institucionais e as maiorias qualificadas que tinham entrado na Constituição, mas que abandona o estilo e os símbolos “constitucionais”, a par da Carta dos Direitos Fundamentais (que salta para uma declaração anexa, embora com valor juridicamente vinculativo).

Ainda haverá alguém que defenda que a Europa e os seus cidadãos ficaram a ganhar?

domingo, 7 de outubro de 2007

Eis o novo Tratado

O novo Tratado está pronto para aprovação pelos chefes de Estado ou de governo da UE na cimeira de 18 e 19 de Outubro, em Lisboa. São quatro documentos: Preâmbulo, texto do Tratado, Protocolos e Declarações anexas.

Oficialmente, só estão duas questões em aberto para resolver em Lisboa, ambas levantadas pela Polónia: o aumento do número dos advogados-gerais do Tribunal de Justiça da UE de oito para dez de modo a que a Polónia possa ter direito a um permanente, e a inscrição no texto do Tratado do chamado "compromisso de Ioanina". Este é o mecanismo que permite a um grupo de Estados com um número de votos próximo de uma "minoria de bloqueio" (de uma maioria qualificada no conselho de ministros da UE), pedir a suspensão e o adiamento da deliberação em causa para permitir a continuação das negociações.

Se, no primeiro caso, não é impossível que a reivindicação polaca encontre uma resposta positiva, no segundo a coisa é mais complicada: a maioria dos países não quer ir além da inscrição do compromisso de Ioanina numa declaração anexa ao Tratado (como é actualmente o caso), o que lhe confere o estatuto de compromisso político. Em contrapartida, a sua inclusão no texto do Tratado garante-lhe a força do direito primário europeu. O problema é que Jaroslaw Kacyznski, o primeiro ministro polaco, vai a votos dois dias depois da cimeira de Lisboa...

Um terceiro problema tem ainda boas probabilidades de se impôr na discussão dos lideres: a composição do Parlamento Europeu (PE). Uma proposta de repartição dos 750 eurodeputados entre os Vinte e Sete vai ser aprovada esta semana pelo PE. Os governos da Polónia, Itália e Irlanda estão no entanto longe de satisfeitos com a sua sorte e parecem dispostos a levantar a questão na cimeira. Voltarei brevemente a esta questão.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Birmânia

Desculpem, mas não consigo deixar de falar da Birmânia, um país que me ficou no coração desde que lá fui, em Agosto de 1988.

Na altura era um país ainda largamente desconhecido, que começava muito lentamente a abrir-se ao exterior. Abertura imposta pela necessidade de dólares num país que esteve durante várias décadas isolado do resto do Mundo (excepção feita da China) em nome do designado “burmese way for socialism”, um regime proto-maoista que brutalizou e empobreceu a população.

Aceites com muita relutância, os turistas só podiam obter vistos rigorosamente limitados a sete dias. Também só podiam circular em certas zonas, deslocar-se nos meios de transporte públicos e dormir e comer nos estabelecimentos do estado. Todos os transportes, hotéis e restaurantes utilizados tinham de ser registados, com carimbo oficial, num formulário entregue à chegada ao aeroporto de Rangoon para ser devolvido à saída. Todos os câmbios de dinheiro também, a começar pelos 100 dólares que eram obrigatoriamente trocados à entrada à taxa oficial de 1 dólar para 1 kyat (leia-se tchat). No mercado negro, a relação era de 1 dólar para 32 kyats.

Rangum, em 1988, era uma cidade sem trânsito, sem poluição atmosférica, sem lojas – tudo se vendia nas ruas em banquinhas improvisadas – sem néons publicitários da Coca-Cola nem American Express. A cidada estava praticamente como os ingleses a tinham deixado quarenta anos anos, ou seja, quase em ruínas. Dizem-me que desde então mudou radicalmente e que tem hotéis de luxo, néons e monumentos restaurados com o apoio do American Express. A população continua no entanto a sobreviver no limiar da pobreza.

Durante sete dias, percorremos (quatro turistas) o país na caixa coberta por um toldo de um “pick-up” (mais ou menos como o da fotografia) conduzido por dois birmaneses, que encaravam alegremente tamanho desafio às regras oficiais. As viagens eram feitas à noite para aproveitar os (poucos) dias. Circulámos em inúmeras zonas proibidas sem nunca cruzar outros turistas. Visitámos monumentos de cortar a respiração, como o templo dos dez mil budas ou o templo dos budas gigantes. Dormimos, comemos e conversámos com e como os birmaneses, um dos povos mais extraordinariamente acolhedores, calorosos e sorridentes que alguma vez cruzei, apesar da dureza das suas condições de vida.

Fomos defrontados com inúmeras barragens de polícia e mesmo do exército: de todas as vezes, a conversa, para nós incompreensível, dos nossos acompanhantes birmaneses – e imagino, alguns kyats – poupavam uma revista ao carro e a descoberta dos "clandestinos". Estranhamente, estes encontros passavam-se sem stress nem pânico como se a própria polícia fosse indiferente a tudo.

Ao longo da viagem, os formulários oficiais, que, além dos 100 dólares trocados à entrada, continuavam imaculados sem nenhum hotel nem restaurante inscrito, foram sendo objecto de um tratamento de choque. Por “acidente”, cairam regularmente em poças de lama, foram espezinhados, manchados de tinta e até chegaram a passar por baixo das rodas do “pick up”. À saída, de novo no aeroporto de Rangum, os quatro formulários tinham-se transformado em bocados de papel disformes, rasgados, esburacados, borrados e ilegíveis. Curiosamente, ninguém estranhou nem perguntou porquê. Acho mesmo que o polícia que me revistou nem sequer olhou para ele.

É certo que, nesse dia, a polícia e o exército estavam mais preocupados em despachar todos os turistas para fora do país do que em verificar o cumprimento das regras. É que, por coincidência, a nossa saída da Birmânia ocorreu a 8 de Agosto. O dia em que começou a repressão brutal dos protestos nas ruas e que provocou, nos dias seguintes, a morte de mais de 3 mil pessoas.

Por todo o país, os estudantes, que tinham iniciado os protestos algumas semanas antes, e os monges que os apoiavam, tinham deixado bem claro que o dia 8/8/88, altamente simbólico, seria decisivo no movimento de contestação. Também sabiam que era o dia mais perigoso de todo o movimento com todos os riscos de reacção do exército, até então relativamente calmo.

Sensíveis às apirações de mudança e à coragem dos manifestantes, muitos deles pouco mais do que adolescentes, desfilámos com eles nas barbas de soldados de arma apontada. Participámos nas vigílias no local altamente simbólico do budismo, o pagode Schwedagon, inteiramente rodeados de carros blindados repletos de soldados armados. A mensagem que recebíamos era sempre a mesma: é preciso contar “lá fora” o que se passa na Birmânia.

Só depois de aterrar em Bangkok, no dia 8 à noite, é que ficámos a saber que a polícia e o exército tinham carregado nessa mesma tarde sobre os manifestantes em Rangum matando mais de 100 pessoas. Nos dias que se seguiram, o número de vítimas ultrapassou os 3 mil.


Desde então, a brutalidade do regime manteve-se inalterada, perante a relativa indiferença do resto do Mundo. Desta vez, a visibilidade da repressão não permite ignorar o que se passa. Não sei qual é a solução para evitar um novo banho de sangue, mas provavelmente a China, o único país que mantém um simulacro de relações com a junta birmanesa, será igualmente o único com algum meio de pressão sobre o regime. É hora de o Mundo começar a fazer pressão sobre a China.