quinta-feira, 26 de julho de 2007

De terrorista a parceiro de grande “humanidade”

Há muita coisa que ainda está por explicar no caso das enfermeiras e do médico búlgaros.

Parece óbvio que o essencial, nesta história, foi a libertação, terça-feira, dos seis acusados de um crime que não cometeram, vítimas de uma incrível maquinação de um país que começou por usá-los como cobertura para a falta de higiene dos seus hospitais – responsável pela contaminação trágica de 438 crianças – mas que acabou por os transformar na moeda de troca para garantir a metamorfose do coronel Kadhafi de ditador e terrorista em lider frequentável. Que, ainda por cima, é elogiado pelo seu “gesto de humanidade”, como referiu o comunicado emitido nesse mesmo dia pela Comissão Europeia, em nome do seu presidente, Durão Barroso, e, curiosamente, de Nicolas Sarkozy, presidente francês.

Não parece haver grandes dúvidas de que foi sobretudo a reabilitação da Líbia e a sua aproximação à Europa, mais do que os 461 milhões de dólares pagos às famílias das crianças infectadas – cuja origem ainda está por exclarecer – que esteve em negociação pelo menos estes últimos três anos. Em 2004, o então presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, garantia que o caso das enfermeiras e do médico palestiniano (entretanto naturalizado búlgaro) estava praticamente resolvido, pendente apenas de alguns detalhes. Só que, com a adesão iminente da Bulgária à União Europeia (na altura em fase final de negociação), os líbios perceberam certamente o partido em termos diplomáticos que poderiam tirar dos seis reféns.

O resultado da negociação, expresso num memorando assinado entre europeus e libios na madrugada de terça-feira, fala por si: isolada ainda há pouco por causa do seu apoio ao terrorismo, a Líbia vai passar a ter acesso ao mercado comunitário para as suas exportações, sobretudo de produtos agrícolas e da pesca; os seus estudantes vão beneficiar de bolsas de estudo das universidades europeias; a UE financiará os programas de restauro do património arqueológico líbio; o reforço dos controles das fronteiras terrestes e marítimas contra a imigração clandestina contará com a ajuda técnica e financeira da UE; e os cidadãos líbios poderão dispôr de vistos “Schengen” de entrada no espaço de livre circulação de cidadãos europeu. Tudo isto no quadro de um novo acordo euro-líbio que vai ser negociado a toda a velocidade.

Nada mau como compensação para a libertação de seis inocentes. Sobretudo se se acrescentar os acordos assinados logo no dia a seguir pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, que voou a grande velocidade para Tripoli. E que cobrem a cooperação militar e industrial, investigação científica, educação, economia, comércio, cultura e migrações. E last but not least, “cooperação em matéria de nuclear civil”, o que inclui nada menos que o fornecimento de um reactor nuclear para tornar potável a água do mar, e que será fornecido pela empresa francesa Areva. As organizações ecologistas não tardaram a protestar contra o que consideram um acordo irresponsável devido aos riscos que comporta de proliferação nuclear.

Karel de Gucht, o ministro belga dos negócios estrangeiros, foi um dos poucos a protestar até agora contra esta abertura dos braços a Tripoli. “Não podemos agora recompensar a Líbia pela libertação de pessoas que foram presas em condições horriveis durante oito anos. A normalização deverá ser um longo processo, ao longo do qual a Líbia tem primeiro de preencher uma série de critérios nomeadamente em matéria de direitos humanos”, disse ao jornal belga De Staandard.

Passados dois dias desde o desenlace do caso, há uma série de questões que continuam sem resposta: que papel teve exactamente Sarkozy na libertação das enfermeiras e do médico, além de ter enviado um avião oficial para os transportar para Sófia? É certo que o novo presidente assumiu este caso como uma prioridade logo no dia da sua eleição, a 6 de Maio. Mas, em Bruxelas, há muito quem se queixe de que o que Sarkozy conseguiu foi sobretudo um aproveitamento político e mediático de uma negociação que foi conduzida com uma paciência infinita pela Comissão Europeia, e sobretudo com um grande empenhamento pessoal da comissária responsável pelas relações externas, Benita Ferrero-Waldner. Fortemente apoiada, é certo, pelo Reino Unido e Alemanha, durante as respectivas presidências europeias no segundo semestre de 2005 e no primeiro semestre de 2007.

E a mulher do presidente, Cecilia Sarkozy, que apareceu publicamente ligada a este caso há apenas duas semanas ? O que fez em Tripoli nos dois dias das negociações finais ao lado de Benita Ferrero-Waldner? Mera figuração ultra mediatizada – na Bulgária é comparada a Jackie Kennedy – ou algo mais ? Sarkozy diz que a sua mulher teve um papel “notável”, que o Eliseu classifica como “humanitário”.

E o que fez o Emir do Qatar, cuja “mediação” foi considerada essencial por Sarkozy e Barroso e agradecida por Kadhafi, mas cuja intervenção continua rodeada de mistério?

Finalmente, quem financiou ou vai financiar os 461 milhões de dólares do fundo económico e social líbio que pagou um milhão de dólares por cada criança infectada?
O mesmo memorando euro-líbio refere apenas que a Comissão Europeia “se compromete a que o Fundo internacional de Benghazi pague ao Fundo de desenvolvimento económico e social” os 598 milhões de dinares líbios (461 milhões de dólares) previstos no acordo de financiamento de 15 de Julho passado. Este foi o acordo que permitiu a comutação, logo no dia seguinte, das penas de morte dos seis acusados em prisão perpétua, abrindo a porta à sua extradição para a Bulgária (onde beneficiaram de imediato de um indulto presidencial).

Como é que Bruxelas vai respeitar este compromisso? Benita Ferrero-Waldner disse apenas que vai lançar um apelo junto de organizações governamentais ou não, europeias e não só, para obter “contribuições voluntárias” destinadas a alimentar este fundo. Mas, o que é que acontece se não conseguir reunir a soma prevista? Ou será que alguém já pagou mas ainda não se sabe?

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Projecto de Tratado

A Constituição Europeia era complicada e ilegível? Experimentem então ler o projecto de Tratado que é suposto substituí-la e que foi hoje apresentado pela presidência portuguesa da UE aos seus pares. São três documentos: 145 páginas de Tratado, mais 69 páginas de Protocolos (com valor jurídico equivalente) e outras 63 páginas de Declarações políticas. Para já, apenas em francês, a língua em que os Tratados são tradicionalmente negociados. O resultado final, depois das negociações entre os governos que arrancam amanhã, não será muito diferente. Boa leitura !

terça-feira, 17 de julho de 2007

O futuro Tratado segundo VGE

Deixemos falar o criador: 95 por cento da substância da Constituição Europeia foi retomada no mandato aprovado em Junho pelos lideres da UE para as negociações que vão dar forma jurídica ao novo Tratado, chame-se ele simplificado, reformador ou de Lisboa.

Esta é a leitura de Valéry Giscard d’Estaing (VGE), o presidente da Convenção que redigiu o projecto de Constituição Europeia, e que participou hoje num debate da comissão dos assuntos constitucionais do Parlamento Europeu.

O problema, considerou, é que mesmo com a substância preservada, o novo texto será incompreensível para os cidadãos: «O que era difícil de compreender, ter-se-à tornado impossível de compreender»; «a esperança de uma simplificação não será concretizada"; «a Europa clara foi recusada».

Perante uma sala a rebentar pelas costuras, VGE considerou que «infelizmente, a inspiração europeia deste mandato está em retrocesso» face ao projecto original. «O texto vai ao ridículo de indicar que os Tratados não terão qualquer artigo mencionando os símbolos da UE, como a bandeira, o hino ou a devisa. Adeus à bandeira azul com as suas estrelas, adeus malogrado Beethoven!»

O fim dos símbolos, a par da retirada do corpo do novo Tratado da Carta dos Direitos Fundamentais por exigência do Reino Unido, torna o resultado, «no plano humano, bastante chocante: não se reconhecem os direitos dos cidadãos, nem se lhes dá os símbolos». Ao invés, «reforça-se a Europa difícil e complicada».

VGE interrogou-se com humor sobre «que bandeira vai ser hasteada na sede da missão da UE na Macedónia: uma cópia do Tratado simplificado?»

A sala da reunião esvaziou para menos de metade dos participantes quando VGE deu lugar ao orador seguinte: Luis Amado, ministro dos negócios estrangeiros, para a apresentação do programa da presidência portuguesa da UE

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Isto agora é que é a sério !

Ainda agora começou, e a presidência portuguesa da UE já começou a subir à cabeça do governo.

Pedro Silva Pereira, ministro da presidência, foi um dos muitos membros do governo de José Sócrates que se deslocou ao Parlamento Europeu para apresentar o programa português. Entre as duas comissões parlamentares em que participou, confessou aos jornalistas: “há aqui uma certa sensação de que se percebe que chegou uma presidência com uma orientação política, com prioridades claras e isso tem sido muito bem recebido aqui nos corredores de Bruxelas.”

Será que o ministro pensa que as anteriores presidências foram a brincar ?

Folclore

Doze ministros e praticamente outros tantos secretários de estado instalam-se hoje e amanhã em Bruxelas para apresentar às diferentes comissões do Parlamento Europeu (PE) os programas sectoriais da presidência portuguesa da UE. Não se trata de nada de
extraordinariamente importante ou sequer interessante, mas do cumprimento de um ritual muito caro ao PE, sempre em busca de um papel mais próximo do de um parlamento normal.

A acreditar no programa organizado pelo PE, o folclore é indirectamente proporcional às competências comunitárias e ao trabalho da presidência. Por exemplo, a comissão parlamentar da educação e cultura, áreas onde a UE tem uma capacidade de acção particularmente reduzida, recebe hoje nada menos do que cinco ministros e um secretário de Estado: Isabel Pires de Lima (cultura), Augusto Santos Silva (assuntos parlamentares), Maria de Lurdes Rodrigues (educação) mais um secretário de Estado, Mariano Gago (ciencia, tecnologia e ensino superior) e Pedro Silva Pereira (presidência).

Dois destes ministros terão de se desdobrar em mais de uma comissão parlamentar: Silva Pereira comparece igualmente na comissão dos direitos da mulher, enquanto que Mariano Gago é esperado na comissão da industria, investigação e energia.

Finalmente, Correia de Campos (saúde) vai à comissão do ambiente e saúde pública e Manuel Pinho (economia) acompanhado de dois secretários de estado, discursará na comissão do mercado interno e protecção dos consumidores.

Com sorte, por hoje é tudo, porque amanhã a dança continua: Jaime Silva (agricultura) com dois secretários de Estado, desdobra-se entre a comissão da agricultura e a das pescas; Nunes Correia (ambiente) com outros dois secretários de Estado discursará nas comissões do ambiente e do desenvolvimento regional; Luis Amado (Negócios estrangeiros) será recebido nas comissões dos assuntos constitucionais e dos negócios estrangeiros, em companhia de Manuel Lobo Antunes, secretário de Estado dos assuntos europeus, que irá ainda à comissão do comércio internacional. João Cravinho, secretário de Estado da cooperação, estará na comissão do desenvolvimento.
Finalmente, Alberto Costa (Justiça) e Rui Pereira (administração interna) discursarão na comissão das liberdades públicas.

Inaugurado na quarta-feira passada por José Sócrates, o desfile dos ministros do PE arrancou logo a seguir com os discursos de Teixeira dos Santos (Finanças) e Mário Lino (Obras Públicas) nas respectivas comissões parlamentares.

Logo que concluido o ritual do início da presidência, terça-feira à tarde, o PE entra de férias

sexta-feira, 6 de julho de 2007

EU Tube II

Uf! Estou mais descansada. Já tinha começado a achar que talvez estivesse a viver noutro planeta. E a questionar-me se não teria de rever a minha maneira de fazer jornalismo. E, sobretudo, se não teria de tentar convencer a Comissão Europeia a funcionar de uma forma mais sexy, por exemplo apresentando os seus comissários e porta-vozes nas conferências de imprensa e outras realizações assim um pouco mais despiditos.

Mas afinal constatei com alívio que não sou um bicho raro ao considerar ridículo o facto de a Comissão ter tido de recorrer ao video clip “Let’s come together” (notem que não me pronunciei sobre a substância do mesmo) para se fazer ver e ouvir. Talvez mais do que ridículo, o qualificativo adequado, seja, do meu ponto de vista, absurdo.

Mas gostei do debate/polémica que esta questão provocou. Quem me dera conseguir suscitar tantas emoções como as que aqui li quando voltar aos temas mais terra a terra – porque descanse, caro Bernardo, não vou deixar de cuidar do que faz mover a Europa. Correndo o risco de provocar uma debandada geral, claro.

Para encerrar este debate – por agora – só mais umas achegas. Quando leio que o video clip é um sucesso porque pôs toda a gente a falar da Europa, não tenho a certeza de que isso seja necessariamente positivo. Depende do ponto de vista, claro. Mas isso faz-me lembrar um personagem de outros tempos, o deputado do PSD Mendes Bota – lembram-se ? – que quando o jornal Independente troçava da sua pretensa veia poética, dizia: “quero cá saber que digam mal, o importante é que falem de mim”.

Também gostava de lembrar que a Comissão Europeia não tem qualquer mérito na criatividade, inventividade, ou qualidade gráfica do clip que aqui foi amplamente subinhada. Estes são atributos que pertencem unicamente aos realizadores dos filmes utilizados. Os técnicos da Comissão limitaram-se a seleccionar e a dar uma sequência às imagens. Mas também com uma oferta desta qualidade, mal estariam se o resultado não fosse aproveitável. A Comissão garante aliás que a realização deste clip custou exactamente 350 euros.

Agora aguardo com a maior expectativa para ver como é que a Comissão vai sobreviver ao seu próprio sucesso e continuar a interessar os europeus pelo que faz, e, sobretudo, conseguir que toda a gente continue a falar dela...

terça-feira, 3 de julho de 2007

EU Tube

Pelas reacções ao meu último post, percebi que há aqui um mal-entendido que quero desfazer rapidamente: o que eu disse a propósito do clip “Let’s come together” não tem nada, mas absolutamente nada, de puritano.

O meu comentário sobre a Comissão cair no ridículo tem unicamente a ver com o facto de ter sido quem foi a produzi-lo.

É que é preciso não esquecermos que esta é uma das instituições mais herméticas que existe, e que produz todos os dias, ou quase, propostas, comunicações, livros verdes e brancos e mais relatórios regularmente incompreensíveis. Se não fossem os jornalistas e a paciência com que procuram no quotidiano simplificar os detalhes das propostas para as tornar compreensíveis, e traduzir o “europês” para qualquer coisa de inteligível, a Comissão teria grandes probabilidades de estar a falar sozinha.

Foi o contraste entre esta realidade quotidiana e o tom do clip, que motivou o meu comentário. E que me faz desmanchar a rir sempre que o vejo.

Não duvido, claro, que para popularizar a imagem da Comissão, este clip seja um susexo!... Mas será que é assim que a Comissão pensa conseguir aproximar a Europa dos cidadãos?

Que bicho mordeu a Comissão Europeia ?



A ânsia de publicitar os benefícios da Europa levou a Comissão Europeia a cair no ridículo. Bruxelas decidiu na semana passada entrar no YouTube com uma via própria - EU Tube - para tornar o seu material audiovisual acessível ao grande público.

Esta iniciativa, explicou na altura Margot Wallstrom, comissária europeia responsável pela comunicação, "reflecte o compromisso da Comissão de explicar melhor as suas políticas e acções em questões que interessam aos cidadãos em toda a UE - como as alterações climáticas, a energia ou a imigração".

Até aqui, nada a dizer. Mas imaginem que tipo de video clip foi escolhido para publicitar os filmes que receberam subvenções do programa comunitário Media ?

"Podemos estar orgulhosos de um cinema europeu forte, com emoções fortes, uma especificidade do cinema europeu que não se encontra noutras regiões do Mundo", explicou a Comissão.