quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Quase pior a emenda que o soneto

Gordon Brown, primeiro ministro britânico, mudou de táctica: deixou de insistir na candidatura de Tony Blair para presidir ao Conselho Europeu, e impôs aos socialistas europeus o nome de Catherine Ashton para Alto Representante para a Política Externa da UE.

Ashton é comissária europeia desde 8 de Outubro de 2008 (em substituição de Peter Mandelson) e tem ZERO experiência de assuntos externos. Era suposto o Alto Representante ser uma figura de grande experiência e estatura para representar a UE no Mundo (é o seu papel, mais do que o do presidente do Conselho Europeu).

Se os lideres dos Vinte e Sete a aceitarem, estamos servidos ...

Contos de fadas...

É curioso como ainda há quem acredite em contos de fadas. Ou, mais concretamente, que a criação de um presidente permanente do Conselho Europeu teve o objectivo de dar coerência à acção da UE e reforçar o seu peso e voz no Mundo. Uma espécie de "George Washington europeu".

Para que se saiba, a ideia partiu do Reino Unido - mais exactamente de Tony Blair, na altura primeiro ministro (será que em 2002 já estava a pensar que poderia ser o escolhido?). A convicção britânica foi de imediato assumida por Giscard d'Estaing que presidia na altura à Convenção encarregue de redigir o primeiro projecto de Constituição Europeia. E que concebeu o posto à sua medida, convicto como estava de que poderia ser o escolhido se a Constituição tivesse entrado em vigor, como era previsto, no início de 2006.

Os proponentes tinham em comum a mesma determinação de evitar que a UE fosse presidida por micro Estados - Malta, Chipre, os Bálticos ... - por via do sistema das presidências semestrais rotativas entre todos os países. O argumento de ambos assentava na necessidade de assegurar a continuidade do trabalho do Conselho Europeu, reforçar a sua eficácia e dar alguma coerência à representação externa da UE.

Os ingleses tinham uma motivação adicional bem mais problemática: desequilibrar, por via do presidente permanente do Conselho Europeu, a arquitectura institucional da UE de maneira a reforçar o peso do Conselho de Ministros e fragilizar a Comissão Europeia.

escrevi neste blog, e volto a repetir o que um dia Jack Straw, ex-MNE de Blair, disse em Bruxelas, à minha frente, a propósito deste cargo: "O Reino Unido foi sempre um grande defensor do presidente do Conselho Europeu para proteger os Estados membros contra o poder da Comissão Europeia".

Aliás, se os franceses e os britânicos tivessem um mínimo de seriedade sobre os argumentos da continuidade, eficácia e coerência, teriam dado ao presidente da Comissão Europeia - actualmente Durão Barroso - a responsabilidade de presidir ao Conselho Europeu. De facto,

- ninguém conhece como ele as propostas legislativas em discussão (é a sua instituição que as propõe)

- ninguém tem um conhecimento tão aprofundado como ele das diferentes sensibilidades em jogo (porque a sua instituição acompanha a par e passo as negociações entre os Vinte e Sete e propõe os compromissos)


- ninguém representa a UE no exterior tão bem como ele: Durão Barroso talvez não faça "parar o trânsito" em Washington ou Pequim, como dizem os defensores de Tony Blair, mas é conhecido, ouvido e respeitado em todo o Mundo

Há quem alegue que esta solução seria impossível porque o presidente da Comissão não pode fazer as propostas legislativas e simultaneamente presidir ao orgão que as aprova.

Será? Mas não é isso mesmo que fará o Alto Representante para a Política Externa ? E se o vice-presidente da Comissão Europeia o pode fazer, porque não o Presidente da mesma Comissão?





quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Candidato para todo o serviço

Toomas Hendrik Ilves, presidente da Estónia, é o candidato declarado mais recente a um dos novos postos do Tratado de Lisboa, segundo anunciou hoje o primeiro ministro, Andrus Ansip.

Novidade absoluta: Ilves, social-democrata de 55 anos, é candidato aos dois postos: Presidente do Conselho Europeu e Alto Representante para a Política Externa da UE. O que é o mesmo que dizer que qualquer coisa serve.

Como é que o PE quer ser levado a sério?

O PE voltou a marcar um grande momento do debate europeu. Ontem, quarta-feira, era dia de mini-sessão parlamentar em Bruxelas. Entre os pontos em agenda, estava um debate sobre os resutados da última reunião do Conselho Europeu (29 e 30 de Outubro) e sobre a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Com a participação de Fredrik Reinfeldt, primeiro ministro da Suécia - e presidente em exercício da UE - e de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia.

Em plena especulação sobre o preenchimento dos dois cargos do Tratado de Lisboa - presidente e Alto Representante -, e em pleno desacordo entre os lideres da UE sobre os candidatos possíveis, esperava-se que o PE pudesse contribuir alguma coisa para o debate.

Com excepção de Guy Verhofstadt, lider dos liberais, que avançou com uma definição detalhada do que, do seu ponto de vista, deverá ser o perfil do futuro presidente do Conselho Europeu - em resumo, "alguém que acredite no método comunitário" por oposição ao método intergovernamental - não saiu nenhuma ideia digna desse nome durante um debate que se limitou a uma longa sucessão de lugares-comuns.

E, como de costume, o hemiciclo esteve quase todo o tempo às moscas.

Mesmo que continuem a não saber o que andam a fazer no PE, os deputados deveriam, no mínimo, ter o decoro de marcar um mínimo de presença nos seus lugares quando obrigam um primeiro ministro a deslocar-se às suas instalações para lhes falar. Mas não. E depois querem que o PE seja levado a sério...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Decisão sobre cargos do Tratado de Lisboa a 19 de Novembro

Vamos torcer: a decisão sobre os cargos previstos no Tratado de Lisboa foi hoje marcada pela presidência sueca da UE para 19 de Novembro, no quadro de uma cimeira especial de lideres da UE. Em nove dias, tudo pode acontecer...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Tony Blair será a pior escolha possível para a Europa

Vale a pena incluir aqui mais alguns argumentos contra a escolha de Tony Blair para presidente do Conselho Europeu. Este texto foi publicado no Público de 29 de Outubro. Nunca é demais relembrar...

Não admira, no meio do cinzentismo que caracteriza a maior parte dos dirigentes europeus, que Tony Blair possa entusiasmar. A sua energia, estatura internacional e capacidade de inflamar as assembleias mais hostis são qualidades óbvias.

Mas não é por isso que Blair deve ser escolhido para presidente do Conselho Europeu. Fazê-lo, é o mesmo que confiar a organização do Natal aos perus: a sua primeira reacção seria adaptar a festa ao seu interesse pessoal.

E o interesse de Blair será, inevitavelmente, acentuar o carácter intergovernamental da Europa e impulsionar a agenda dos grandes e mais poderosos. Correndo o risco de pôr em causa a legitimidade do projecto europeu, que só é viável se todos, incluindo os mais pequenos, se sentirem representados. Diz Quentin Peel, especialista das questões europeias do insuspeito Financial Times: Blair “é um verdadeiro intergovernamentalista, não é um europeu convicto”.

Ainda está fresca na memória europeia a forma como Blair conduziu, em 2005, as negociações sobre o quadro orçamental da UE até 2013, em que utilizou a sua presidência semestral rotativa da UE para impor uma redução das ajudas europeias aos países de Leste, os mais pobres, de modo a poder manter um indefensável mecanismo de retribuição orçamental a favor do seu país.

Não parece provável que o ex-primeiro ministro britânico se molde ao posto tal como foi concebido – o de facilitador e impulsionador de consensos entre os Estados membros de modo a reforçar a eficácia dos trabalhos do Conselho Europeu. A sua concepção do cargo, a mesma dos que o apoiam, é tornar-se na “cara e voz” da UE junto dos seus cidadãos e perante o resto do Mundo, reforçando o seu peso político face aos Estados Unidos ou à China.

Mas se a Europa tem dificuldade em se afirmar no Mundo não é por causa de nenhum problema de representação, mas simplesmente devido à dificuldade dos seus Estados membros se entenderem e assumirem uma linha comum. O que é inevitável no actual estádio da integração europeia e à luz das suas diferentes culturas e situações económicas e sociais.

A existência de um presidente do Conselho não vai alterar rigorosamente nada. A menos que Blair se ponha a defender Mundo fora não as posições da Europa, mas a sua ideia do que deverão ser as posições da Europa.

Aliás, pensar que o presidente do Conselho Europeu, qualquer que ele seja, será “o” representante da Europa no Mundo, é um mito: nenhum dos grandes países da UE está disposto a abdicar do seu assento nas grandes instâncias internacionais – do Conselho de Segurança da ONU ao G8 ou ao G20 – em nome de uma representação única europeia.

Mais: o Tratado de Lisboa, que criou o cargo de presidente do Conselho, não retirou as competências de política externa ao presidente da Comissão Europeia – que tem, aliás, representado na perfeição a UE no Mundo – nem ao ministro europeu dos negócios estrangeiros. O que significa que o novo presidente será mais uma cara a juntar-se a muitas outras que falarão em nome da UE.

Também é irónico pensar que os cidadãos se poderão identificar com um presidente Blair: a mobilização de milhões de europeus contra a guerra do Iraque constituiu um dos raros momentos em que existiu um esboço de “opinião pública europeia”. Aquela de cuja ausência os responsáveis políticos se queixam regularmente em época de eleições europeias. Se escolherem Blair, co-autor da guerra, não será de admirar.

Brown prepara-se para estragar tudo

Ao bloquear a eventualidade de David Miliband, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, vir a ser o próximo Alto Representante para a Política Externa da União Europeia (UE), Gordon Brown, primeiro ministro britânico, está em risco de provocar a implosão da candidatura do seu homólogo belga, Herman Van Rompuy, à presidência do Conselho Europeu.

Não há dia que passe sem que Brown ou os seus próximos não defendam - sozinhos - o nome de Tony Blair para presidente do Conselho Europeu. De cada vez que é confrontado com a questão, Brown afasta de forma seca e quase desagradável o cenário Miliband. E insiste que "o único candidato do Reino Unido" ao que quer que seja é Tony Blair. Ponto final.

Será uma posição para consumo interno? Ou uma forma de ganhar capital de queixa para uma compensação qualquer? Ou, finalmente, uma manobra táctica para bloquear Van Rompuy?

Seja qual for a razão, é esta terceira hipótese que está efectivamente em risco de se materalizar.

Para a generalidade dos outros países, a combinação Van Rompuy / David Miliband constitui a melhor equipa possível para garantir um arranque harmonioso do Tratado de Lisboa. O duo tem a vantagem de permitir o equilíbrio político e geográfico pretendido pelos Vinte e Sete para os cargos de tipo da UE: um presidente do Conselho conservador de um pequeno país e um Alto Representante socialista de um grande país, que se juntariam a um presidente da Comissão Europeia de um pequeno país do Sul - Durão Barroso - e a um presidente do Parlamento Europeu do mais populoso dos países de Leste.

O receio de vários países, confiou um diplomata europeu, é que a insistência de Brown anule efectivamente a equação Van Rompuy, obrigando os lideres a procurar uma solução alternativa. O que seria uma pena, porque Van Rompuy, com o seu estilo de "sábio" (no sentido de "sage" europeu) tem o perfil certo para presidir ao Conselho Europeu - digam o que disserem os fãs incondicionais de Blair.

O que é certo, reconheceu outro diplomata europeu, é que quanto mais tempo passar até à decisão dos lideres, maiores serão os obstáculos no caminho de Van Rompuy. (A presidência sueca da UE prepara-se para anunciar amanhã quando é que pretende realizar a cimeira especial necessárias para a escolha dos nomes).

O risco é que Brown esteja a sofrer da doença do mimetismo que ataca regularmente os responsáveis europeus: os seus dois antecessores, John Major em 1994 e Tony Blair em 2004, bloquearam dois candidatos belgas à presidência da Comissão Europeia (Jean-Luc Dehaene e Guy Verhofstadt, respectivamente). Em ambos os casos porque os dois eram considerados excessivamente federalistas em Londres, e tinham o apoio de Paris e Berlim.

Pode muito bem acontecer que Gordon Brown - que sabe que só por
milagre ganhará as próximas eleições legislativas no Reino Unido, em Março de 2010) não queira aparecer perante o eleitorado como o "mole" que quebrou a tradição dos vetos britânicos aos candidatos belgas ...

sábado, 7 de novembro de 2009

PM checo recusa convite para ser comissário europeu

Deve ser inédito, ou pelo menos será muito raro: Jan Fischer, primeiro ministro de transição da República Checa, recusou a oferta que lhe foi feita pelos principais partidos políticos nacionais para integrar a nova equipa da Comissão Europeia que entrará em funções no início de 2010.

Fischer (à direita na fotografia) que não pertence a qualquer partido político e desenvolveu praticamente toda a sua carreira profissional no instituto nacional de estatística, chefia desde Março uma equipa de tecnocratas nomeada depois da queda do governo do conservador Mirek Topolanek.

Fischer, que ganhou uma reputação de seriedade entre os seus pares europeus pela forma como assumiu os comandos da presidência checa da UE (durante o primeiro semestre deste ano), explicou que não queria abandonar a missão que então assumiu de gerir o país até às eleições legislativas de Março de 2010. "Não posso abandonar esta responsabilidade de um dia para o outro", justificou.

A ironia da história é que as eleições chegaram a estar programadas para Outubro passado, o que teria permitido a Fischer integrar a equipa de Durão Barroso, que será formada até ao fim deste mês. O Tribunal Constitucional checo invalidou no entanto o calendário, impondo a nova data de Março de 2010.

Ainda há gente com um grande sentido das responsabilidades ...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Durão Barroso dixit

A ratificação do Tratado de Lisboa pela República Checa "é uma grande notícia para todos aqueles que lutaram por este novo Tratado que vai dar à União Europeia os instrumentos para ser mais democrática e mais eficiente, mais forte no Mundo. Para nós portugueses também tem significado porque fica o Tratado fundamental da União Europeia associado ao nome da belíssima cidade que é a capital do nosso país. Estou muito feliz com a notícia e julgo que devemos comemorá-la". (Durão Barroso).

José Sócrates deve estar de acordo.

Mais vacas magras

As previsões económicas da Comissão Europeia relativas a Portugal falam por si:

Um crescimento negativo do PIB de 2,9 por cento este ano, uma estagnação de 0,3 por cento no próximo e, se tudo correr bem, um crescimento de 1 por cento em 2011.

Um défice orçamental astronómico de 8 por cento do PIB este ano e no próximo (contra 2,7 por cento em 2008), e de 8,7 por cento em 2011.

Uma dívida pública de 77,4 por cento este ano, 84,6 por cento no próximo e 91,1 por cento em 2011. Ou seja, é o efeito "bola de neve" em pleno.

Para acabar, o desemprego continuará a subir para 9 por cento este ano e no próximo, antes de conseguir uma ligeirissima melhoria para 8,9 por cento em 2011.

Quantos anos mais teremos de vacas magras?

Tratado de Lisboa pronto para entrar em vigor

O Tribunal Constitucional da República Checa deu hoje de manhã, bem cedo, luz verde à ratificação do Tratado de Lisboa, ao decretar a sua compatibilidade com a Constituição nacional.

Ao princípio da tarde, o presidente da República, Vaclav Klaus, assinou a lei de ratificação, concluindo o processo no país. O que significa que os últimos obstáculos à entrada em vigor do Tratado foram eliminados de uma assentada.

Se os lideres da UE quiserem, o Tratado pode entrar em vigor já a 1 de Dezembro. Ou, se preferirem, a 1 de Janeiro de 2010

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Sai Blair, entra Herman Van Rompuy?

Quem diria? O primeiro ministro belga Herman Van Rompuy emergiu como o favorito na cimeira de lideres da UE da semana passada para ser o primeiro presidente do Conselho Europeu.

Estou a imaginar os fãs de Tony Blair perguntar com desdém: Herman Van quem?

Para quem não sabe, Van Rompuy, figura relativamente discreta, é um negociador ímpar, com uma grande capacidade de escuta e um campeão do compromisso. E também tem, já agora, um grande bom senso, uma educação irrepreensível e um enorme sentido de humor. Que mais seria preciso para presidir ao Conselho Europeu?

São estas qualidades, aliás, que lhe permitem gerir num clima relativamente pacificado um país tão complicado como a Bélgica, com as suas guerras intermináveis entre francófonos e flamengos. O seu antecessor, Yves Leterme, precisou de oito meses para formar um governo depois das eleições de Junho de 2007 e governou durante nove meses um país em crise permanente. Van Rompuy sucedeu-lhe em Dezembro de 2008, precisou de dois dias para formar governo e, mal ou bem, o país lá vai funcionando (mais bem que mal...)

Como o Público já tinha referido na edição de Sábado, Van Rompuy surgiu durante a cimeira como o candidato alternativo a Jean-Claude Juncker e Jan-Peter Balkenende, primeiros ministros do Luxemburgo e Holanda. Os dois eram dados como favoritos no início da cimeira, mas foram sendo afastados por vários problemas.

Juncker (foto à esquerda), irritou vários países, a começar pela França e Alemanha, com a sua defesa do segredo bancário luxemburguês e o seu bloqueio de um acordo de troca de informações com o Liechtenstein.

Balkenende (foto à direita) não fez muito para ganhar o referendo de Junho de 2005 à Constituição Europeia, e tem bloqueado, para grande irritação dos outros países, a concretização de um acordo de associação com a Sérvia.


O problema de Van Rompuy, de 62 anos – que já não queria ser primeiro ministro – é que os belgas não o querem deixar sair do governo, porque sabem que, sem ele, correm o risco de voltar ao ambiente de guerrilha permanente ...