
A primeira, visa reforçar a protecção dos trabalhadores temporários, garantindo-lhes os mesmos direitos e condições de trabalho que os outros ao fim de um período entre uma e seis semanas (o Reino Unido, principal opositor, queria um ano).
A segunda pretende actualizar as regras actualmente em vigor sobre o tempo de trabalho nomeadamente ao garantir um melhor enquadramento das derrogações ao limite de 48 horas de trabalho semanal que podem ser negociadas individualmente com os trabalhadores (que o Reino Unido quer manter o mais largas possível).
Depois de mais de três anos de negociações que colocaram frente a frente dois campos ideológicos, os “amigos do social” – liderados pela França, Espanha, Itália – e os defensores da flexibilidade máxima do mercado de trabalho – o Reino Unido e vários dos novos Estados membros do Leste - as propostas estavam finalmente maduras para aprovação.
Para isso contribuiu o verdadeiro coelho que a presidência portuguesa da UE tirou do chapéu ao decidir juntar os dois textos num único pacote a ser aprovado em conjunto. Esta abordagem permitiu desbloquear as negociações, incitando cada campo a fazer cedências num texto para obter o outro, o que por sua vez acabou com os vetos cruzados responsáveis pelos bloqueios do passado.
Vieira da Silva chegou assim a Bruxelas com uma possibilidade bem real de conseguir um acordo, que constituiria um sucesso muito considerável para a presidência. Bastava-lhe, para isso, colocar os dois textos à votação dos seus pares: quanto muito teria um voto negativo do Reino Unido, feroz opositor a quaisquer avanços em matéria social ao nível europeu, e da Alemanha, que explicou a sua posição como a retribuição de um velho apoio britânico num outro caso, o que não seria suficiente para bloquear a maioria qualificada. Bastava pois ao ministro cumprir as regras e passar ao voto (Na fotografia Vieira da Silva com o representante permanente adjunto de Portugal junto da UE, Pedro Nuno Bártolo, no início da reunião).

Mas o ministro chegou igualmente com instruções claras para, precisamente, evitar a votação. Por trás desta reviravolta esteve Gordon Brown, que nos dias que precederam a reunião multiplicou os contactos com várias capitais, a começar por Lisboa, para explicar que um eventual isolamento britânico na quarta-feira colocaria seriamente em risco a ratificação do Tratado de Lisboa. O que eu não sabia, mas aprendi pelo Financial Times, foi que a pressão de Brown foi ao ponto de pôr em dúvida a sua presença em Lisboa na próxima quinta-feira para a assinatura do novo Tratado europeu. (Brown na fotografia com José Sócrates na cimeira de Lisboa - Outubro de 2007).

Na reunião de quarta-feira, Vieira da Silva passou seguramente um mau bocado. Vários dos seus homólogos pediram a passagem ao voto, argumentando que um adiamento não só não resolveria coisa nenhuma, como agravaria a situação de infracção ao direito comunitário em que se encontram todos os países da UE excepto a Itália e o Luxemburgo a propósito da contabilização do tempo de banco inactivo nos hospitais, um lacuna que a proposta sobre o tempo de trabalho visa resolver.
Vieira da Silva preferiu no entanto adiar a questão para as duas presidências que se seguem em 2008, a eslovena e a francesa.
Como que por milagre, o Financial Times revelou pouco depois da capitulação da presidência que Brown tinha afinal conseguido encontrar um “buraco” na agenda para ir a Lisboa assinar o Tratado.
Ironicamente, a pressão britânica não resulta de uma daquelas situações frequentes em que um governo pede o adiamento de uma decisão para não ser posto em dificuldade num dado momento, embora com a garantia de que poderá associar-se uma vez resolvido o problema com que se debate. Ou seja, o sacrifício de Vieira da Silva não resolve nada, porque Londres continuará sempre a bloquear a proposta sobre o trabalho temporário, como o seu secretário de estado das empresas, John Hutton, fez questão de sublinhar.
Sem se deixar impressionar pela gesticulação de Brown, Vladimir Spidla, comissário europeu responsável pelos assuntos sociais (na fotografia ao lado de Vieira da Silva na conferência de imprensa final), considerou o adiamento da decisão "extremanente decepcionante".É caso para perguntar para que serve aumentar as matérias que podem ser decididas por maioria qualificada na UE, quando a regra é ignorada em reacção a meia dúzia de telefonemas? De Londres, claro, porque se fosse de Vilnius, ou de Dublin, a história seria outra...






