Eu – e suponho que não sou a única – gostaria de saber como é que o secretário-geral do PS pensa que um país falido como Portugal iria encontrar forma de financiar as condições que o seu partido pôs à sua entrada num "compromisso de salvação nacional"...
sexta-feira, 19 de julho de 2013
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Durão Barroso: um homem só no topo da Europa
Não há memória de tamanha barragem de críticas contra um presidente da
Comissão Europeia como a que tem sido desencadeada nas últimas semanas contra o
actual titular do cargo, José Manuel Durão Barroso.
Os ataques têm sido particularmente virulentos a partir da França e
Alemanha, os dois colossos determinantes de todos os sucessos e fracassos da
União Europeia (UE) e sem os quais nada é possível.
Em Berlim, a impaciência contra Bruxelas é notória, sobretudo pelo que é
visto como uma total incapacidade da Comissão para conceber e propor soluções
para a crise económica e desemprego cada vez mais graves nos países
periféricos.
Em Paris, a artilharia contra Barroso foi particularmente pesada nos
últimos dias, com Arnaud Montebourg, ministro da recuperação industrial, a
acusá-lo de ser o "combustível" da extrema-direita, e Nicole Bricq,
ministra do comércio, a considerar que o presidente da Comissão "não fez
nada este mandato".
Enquanto o Governo alemão tem procurado, a pedido expresso de Barroso, acalmar
o jogo com moles desmentidos públicos do que é dito em privado por vários altos
responsáveis, François Hollande, presidente francês não levantou um dedo para
calar os seus ministros. Pelo contrário: o Governo apoia, "a
substância" dos comentários de Montebourg, sublinhou esta semana a
porta-voz do Governo, Najat Vallaud-Belkacem.
A fúria francesa foi despoletada pelo termo "reaccionário" usado
por Barroso para qualificar a exigência nacional
de proteger a "excepção cultural" europeia do acordo de comércio
livre com os Estados Unidos, para permitir a Paris continuar a subsidiar a produção
musical e cinematográfica gaulesa.
Em Berlim, mesmo se o estado de espírito contra Barroso é menos bélico, a
irritação não é menor. Subitamente, os alemães aperceberam-se de que estão a
ser acusados de todos os males que afectam os Estados do sul, e trataram de se
distanciar do tipo de austeridade que está a ser imposta aos países sob
programa de ajuda externa, como Portugal e Grécia.
Para os alemães, esta austeridade é uma responsabilidade da troika de credores europeus e do FMI encarregue
de negociar e vigiar a execução dos programas de ajustamento económico e
financeiro que constituem a contrapartida da ajuda.
Estas receitas, acusam altos responsáveis alemães, baseadas sobretudo em aumentos
de impostos para baixar os défices orçamentais em vez de reformas estruturais
para modernizar as economias, são totalmente erradas e contraproducentes.
Dentro da troika, Berlim visa
muito particularmente a Comissão Europeia que é, de facto, a sua instituição
líder e, em todo o caso, aquela que deveria ter uma leitura mais política dos
processos de ajustamento dos países ajudados.
O presidente da Comissão procura defender-se lembrando que são os Estados
que tomam as decisões europeias, incluindo sobre os programas de ajuda. Formalmente
é verdade, mas, na prática, nenhum ministro das finanças leu alguma vez as
centenas de páginas dos relatórios fornecidos todos os trimestres pela troika sobre a execução de cada um dos programas
de ajuda: basta-lhes ler as conclusões dos mesmos para saberem se os países estão
ou não no bom caminho e poderem libertar a parcela seguinte dos empréstimos (desloqueados
ao ritmo das necessidades nacionais de financiamento).
O que é inédito na actual vaga de críticas ao presidente da Comissão é a violência,
a simultaneidade franco-alemã mas, sobretudo, o facto de não se ter ouvido uma
voz que seja em toda a Europa para o defender.
Parte da explicação desta irritação está no código genético da instituição:
por definição, a Comissão Europeia e o seu presidente raramente são populares
nos Estados membros. Esta animosidade tem a ver com o facto de esta instituição
ter sido concebida na fundação da UE para sobrepôr um interesse europeu
supostamente superior e de longo prazo aos interesses imediatos e
eleitoralistas dos Estados, sempre na perspectiva da construção de uma União
"cada vez mais estreita" entre os povos da Europa.
Por via desta missão particular a Comissão é a única instituição
comunitária com o poder de apresentar propostas legislativas viradas,
precisamente, para o bem comum europeu.
Cabe-lhe, igualmente, impor o cumprimento das decisões tomadas sobre as
suas propostas pelo conselho de ministros dos 27 Estados, cada vez mais em
"co-decisão" com o Parlamento Europeu.
Com a crise do euro e o reforço feito à pressa de alguma coordenação das
políticas económicas para evitar um endividamento excessivo dos Estados, os Governos
aceitaram transferir mais algumas competências para Bruxelas. Só que, quando a
Comissão as exerce, vários, a começar pelos franceses, revoltam-se.
Bruxelas tem outro sério problema, que é a falta de legitimidade política:
os membros da Comissão são nomeados pelos Governos (um por cada Estado) sendo o
presidente vagamente confirmado por um voto no Parlamento Europeu.
Barroso tem um problema adicional próprio resultante de ter sido uma "criação"
do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, com o apoio do italiano Silvio
Berlusconi e do espanhol José Maria Aznar – a coligação "pró-invasão
americana do Iraque" de 2003 – para travar a ascenção do candidato
franco-alemão – o então primeiro ministro belga Guy Verhofstadt –
"federalista" europeu convicto e parte do grupo dos opositores à
guerra.
Para Blair, Barroso era o candidato ideal para fazer a "ponte"
entre os dois grupos de países, por ter integrado parcialmente a coligação
pró-guerra com a cimeira dos Açores, embora sem ter enviado tropas para o
Iraque.
A versão oficial de que Barroso foi um "coelho" tirado do chapéu
à última hora para desbloquear o impasse gerado pelo veto britânico a Verhofstadt
é um mito há muito desmontado: a sua candidatura foi meticulosamente preparada pela
"coligação pró-guerra" durante vários meses e com a sua participação
directa.
Apesar de profundamente contrariados, o então presidente francês, Jacques
Chirac e o chanceler alemão Gerard Schröder, não ousaram agravar a crise europeia
do momento com um veto à nomeação do português.
O problema é que, nove anos depois, e apesar das mudanças políticas em
Paris e Berlim, Barroso nunca conseguiu cair nas boas graças dos seus líderes.
A sua confirmação para um segundo mandato em 2009 resultou unicamente da
falta de alternativas capazes de satisfazer 27 países mas, igualmente, da
vontade de franceses e alemães de manterem em Bruxelas um presidente fraco para
poderem gerir a Europa como muito bem entendessem. O que jamais se coibiram de
fazer.
No início do segundo mandato, em 2010, Barroso foi confrontado com o problema
adicional da nomeação de um novo presidente do Conselho Europeu – as cimeiras
de Chefes de Estado ou de Governo da UE –, cargo criado no Tratado de Lisboa,
para, precisamente, fragilizar o presidente da Comissão. De chefe incontestado
da "Europa", Barroso passou a ter de partilhar os holofotes com um
concorrente directo, o ex-primeiro ministro belga, Herman Van Rompuy, cujo
gabinete está instalado a 50 metros do seu, separado apenas por uma rua.
Barroso nunca se conformou com uma concorrência que, de facto, diminuiu o
seu estatuto junto dos líderes da UE, onde é Van Rompuy que impera.
Em Berlim, sobretudo, o presidente da Comissão é acusado de passar o
essencial do seu tempo em lutas de poder com o belga, em vez de se ocupar a
repor a economia europeia nos carris.
Curiosamente, Barroso teve a possibilidade no fim do seu primeiro mandato,
em 2009, de atravessar a rua para se tornar no primeiro presidente do Conselho
Europeu, quando os Governos da UE estavam à procura de um nome.
Os seus próximos aconselharam-no a fazê-lo, por conhecerem a sua aversão à
tecnicidade extrema dos temas que a Comissão tem de enfrentar todos os dias, à
gestão dos mais de 30 mil eurocratas e à arbitragem permanente das
sensibilidades dos Estados.
Do que Barroso gosta mesmo, afirmam os seus próximos, é das actividades de
representação externa da UE: é nas grandes cimeiras internacionais, com Barack
Obama ou Vladimir Putin, que ele "está no seu elemento", refere uma
fonte europeia.
Porque é que Barroso não mudou de cargo? Segundo um responsável europeu que
acompanhou todo o processo, porque quis, acima de tudo, seguir as pisadas de
Jacques Delores, o seu mítico antecessor com quem, paradoxalmente, odeia ser
comparado. Tendo Delors sido o único presidente da Comissão a exercer dois
mandatos (e meio), Barroso quis ficar na história pelas mesmas razões.
O problema é que, na comparação inevitável com Delors, Barroso perde em
toda a linha.
Tal como o actual presidente, Delors também foi uma segunda escolha dos
Estados e, quando foi nomeado, não beneficiava de uma estima particular em
Paris e Berlim. O ex-ministro francês das finanças conseguiu no entanto
conquistar rapidamente a confiança do então presidente francês François
Mitterrand, e do chanceler alemão, Helmut Kohl, não pelos seus olhos, mas pela
sua visão da Europa, pelas suas ideias sobre o que fazer e como – do mercado
interno à moeda única – e pela sua extraordinária capacidade de compreensão e
de resolução das dificuldades dos Estados.
A grande força de Delors assentava, igualmente, no facto de conhecer a
fundo todas as áreas de intervenção da Comissão e de se ter apoiado na grande qualidade
dos funcionários da instituição, incentivando em permanência o debate e a criatividade
internas e procurando regularmente nos serviços os eurocratas mais capazes de
executar as suas ideias, sem se ofuscar com as hierarquias.
A "Comissão Barroso" é precisamente o oposto, assentando numa gestão
presidencialista e totalmente hierarquizada, em que o debate real e sobretudo
contraditório é quase inexistente e a iniciativa fortemente desencorajada. Com
a agravante de que, 9 anos depois da chegada de Barroso a Bruxelas, ninguém é
capaz de lhe identificar uma visão clara para a Europa.
O rótulo de "camaleão" que lhe foi colado à pele no Parlamento
Europeu logo nos primeiros meses, em 2004, devido à sua extraordinária capacidade
de mudar de posição e de discurso em função do interlocutor, mantém-se actual
em 2013.
Delors deveu igualmente grande parte do seu sucesso à verdadeira equipa de
choque de colaboradores de 5 estrelas de que se rodeou. Ao invés, a equipa de
Barroso – salvaguardando algumas excepções – é motivo de consternação
e até galhofa em Bruxelas, Paris e Berlim.
Por causa da sua aversão aos detalhes técnicos, o actual presidente é
acusado em Lisboa, Atenas e Dublin de evitar interferir nos programas de ajuda,
deixando os técnicos da Comissão membros das troikas em roda livre e sem o enquadramento político que seria
necessário para evitar as receitas que estão a asfixiar algumas destas
economias. A mesma crítica é ouvida em Berlim.
Como não dispõe de uma "opinião pública" própria a que se possa
dirigir, Barroso dificilmente se pode defender dos ataques. Para isso precisa
de passar pela intermediação do corpo de jornalistas – o maior do Mundo –
acreditado em Bruxelas. Mas Barroso, que vive mal com a crítica, tem uma má
relação com parte da imprensa, o que reforça o seu isolamento.
O resultado é que em grande parte devido à sua fragilidade, o presidente da
Comissão tornou-se no bode expiatório perfeito para todas as dificuldades e
frustrações dos Estados.
O pior é que neste processo de atribuição de culpas, por muito violento que
seja, a procissão ainda vai no adro: na contagem decrescente para as eleições
europeias de Maio de 2014, Barroso vai ser sempre, e cada vez mais, a vítima
ideal para todos os extremistas, populistas e eurocépticos que, ninguém duvida,
vão saber explorar o descontentamento popular que alastra por toda a Europa ao
sabor da crise económica e do desemprego.
A um ano de terminar o mandato, do alto da sua torre de vidro em forma de
estrela, Durão Barroso é, e será, cada vez mais um homem só.
(Artigo publicado no Público de 30/6/2013)
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