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Finalmente David Cameron, primeiro ministro britânico, expôs a sua visão
sobre a participação no Reino Unido (RU) na União Europeia (UE).
Em resumo, disse que quer que o seu país fique na UE. Garantiu, até, que se
baterá de "alma e coração" por este desfecho no referendo que vai
convocar sobre a Europa entre 2015 e 2017. Ah, sim, pois, mas isso só se puder
definir um novo estatuto para o país na UE no quadro de uma renegociação com os
parceiros que incluirá uma devolução de competências do nível europeu para o
nível nacional.
Isso já sabíamos, porque Cameron se tem fartado de o repetir. O que não
sabíamos, e continuamos a não saber, é quais são as competências que ele quer
recuperar. Nem sabemos, porque ele não o disse, o que fará se os parceiros lhe
derem uma nega. Tira o RU da UE?
Conhecemos, porque Cameron se tem fartado de o exprimir, o seu antagonismo
relativamente às normas europeias absolutamente básicas de protecção social,
que se resumem praticamente a uma directiva (lei) que limita o tempo de
trabalho a 48 horas semanais - e face à qual o Reino Unido já tem uma
salvaguarda que lhe permite chegar às 60 horas... Estamos a voar alto, sem dúvida.
Ou seja, o discurso de Cameron, dirigido sobretudo para os conservadores eurocépticos, não esclareceu rigorosamente nada do que os outros países esperavam.
Ou seja, o discurso de Cameron, dirigido sobretudo para os conservadores eurocépticos, não esclareceu rigorosamente nada do que os outros países esperavam.
Nem resolveu, acima de tudo, o equívoco histórico que representou a
adesão do RU há 40 anos por razões puramente económicas.
Nunca ninguém explicou aos ingleses que a integração europeia é essencialmente
um projecto político de "união cada vez mais estreita" entre os povos
da Europa, que como Cameron muito bem lembrou, está inscrita no preâmbulo do
Tratado.
O RU entrou para poder beneficiar das vantagens de um mercado interno
actualmente com 500 milhões de cidadãos, para o qual pode vender, enquanto
grande nação comercial que é, o que quiser sem pagar um cêntimo de direitos
aduaneiros.
Apesar do referendo de 1975 que confirmou a integração do país realizada 2
anos antes, o equívoco nunca foi desfeito.
Muito naturalmente, os ingleses sentem-se enganados desde 1973. Tanto mais
que os responsáveis políticos, apoiados por uma certa imprensa eurocéptica e muito pouco
séria, tem-se encarregado, ao longo dos últimos 40 anos, de perpetuar o
equívoco, apresentando sistematicamente a UE como uma
construção horrorosa, centralizadora, anti-democrática, que quer roubar poderes ao parlamento de
Westminster e que custa os olhos da cara aos ingleses.
Pois bem, chegou a hora de Cameron tirar as consequências do equívoco
criado há 40 anos e cujo preço os outros países não pararam desde então de
pagar.
Basta lembrar que desde a crise financeira de 2008, Londres tem bloqueado
todas e cada uma das inúmeras tentativas de estabelecer um mínimo de regras
para a banca, obrigando sistematicamente os outros 26 a baixar as expectativas.
Enganam-se os que pensam que os trabalhistas fariam diferente: o tipo de
desregulamentação que permitiu o desenvolvimento de um capitalismo financeiro
selvagem na UE foi imposto pelo RU, nomeadamente sob a liderança do –
socialista? – Tony Blair.
A pior coisa que os restantes países da UE poderão fazer é cair na
chantagem de Cameron e aceitar um estatuto especial para o RU que lhe permitirá
ter apenas a parte boa da integração sem ter de suportar os aspectos de que não
gosta e que resultam, muitas vezes, da
necessidade de acomodar as diferentes sensibilidades de 27 países membros.
Está na hora, sobretudo, de os outros países pararem com a conversa
politicamente correcta de que o Reino Unido é indispensável à UE. Não é. Se só quer o mercado interno, pode sair da UE mantendo
sem tirar nem pôr o acesso ao mercado interno, como fazem a Suíça e a Noruega
através dos acordos especiais que têm com os 27. Claro que Cameron não quer
nada disso, porque sabe que perde a capacidade de influenciar as decisões.
Sintomaticamente, aliás, Cameron avisou os britânicos que, nesse cenário, o país perde
sobretudo o seu "direito de veto" das decisões europeias. O que
poderemos esperar de um país que diz que quer permanecer na UE para melhor
poder vetar as suas decisões?
O Reino Unido também não precisa de estar na UE para dar consistência à
política externa e de segurança comum (PESC), como é frequentemente considerado
na galáxia opinativa. As operações europeias neste capítulo são todas
voluntárias, ou seja, só participa nelas quem quer, membro ou não membro da UE. O que significa que, mesmo fora da UE, os ingleses podem participar nas operações de paz que entenderem.
Aliás, no caso do RU, pelo menos, estar dentro da UE não oferece garantia
nenhuma neste capítulo. Muito pelo contrário: o Reino Unido era membro da
UE quando provocou uma das maiores clivagens internas de sempre ao associar-se unilateralmente à América de George W. Bush para invadir o Iraque em 2003. Sem
consultas de espécie nenhuma aos parceiros europeus, a quem devia, pelo menos,
um mínimo de lealdade.
O grande erro de Cameron é acreditar que os outros países lhe vão implorar
para ficar na UE e que, para isso, estão dispostos a ceder à chantagem dando-lhe o estatuto
especial que pretende. Não estão. A palavra de ordem nos últimos meses em
Bruxelas e em várias outras capitais é límpida: querem ir embora? Let them go!