quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Gordon Brown, europeísta? Really?
É o mais recente fenómeno de moda: Gordon Brown, primeiro ministro britânico, passou em escassos dias de vilão eurocéptico a herói europeu.
Esta mudança de estatuto deve-se ao seu plano de estabilização do sistema financeiro que permitirá ao governo de Sua Majestade injectar até 500 mil milhões de libras no sector, entre garantias dos empréstimos e reforço da liquidez dos bancos. O resto da Europa seguiu-lhe os passos, dispondo-se a mobilizar um montante astronómico de quase 2.000 mil milhões de euros. Logo seguido dos Estados Unidos.
Por todo o lado choveram elogios: Gordon, o eurocéptico, concebeu o plano que uniu a Europa e salvou o Mundo. Admitamos que assim foi. Mas não há que perder de vista que Brown não inventou nada: o seu plano era precisamente o que muitos dos grandes especialistas mundiais sempre defenderam, incluindo muitos dos críticos do plano Paulson I por privilegiar a aquisição de activos tóxicos dos bancos, ligados aos empréstimos subprime e títulos decorrentes, em vez de procurar garantir, precisamente, as operações dos bancos.
Além da bondade intrínseca do plano, será que os europeus tinham alternativa? Quando o país com o maior e mais poderoso sector financeiro da Europa desencadeia uma operação desta envergadura, poderão os outros cruzar os braços, ou fazer diferente, sem correrem o risco de assistir a uma fuga em massa dos seus capitais para as ilhas britânicas?
Recorde-se, por outro lado, que o primeiro país a aplicar o “plano Brown”, pelo menos na parte das garantias dos empréstimos dos bancos, foi a Irlanda, duas semanas antes, e para grande irritação de Brown, que não se cansou de denunciar e criticar a “concorrência desleal” de Dublin e o novo poder de atracção dos bancos irlandeses sobre os capitais britânicos. Até acabar por fazer o mesmo.
Além da chuva de elogios aos ingleses, muitos comentadores saudaram por outro lado o novo “europeísmo” de Brown, por ter, alegadamente, traçado uma nova missão para a UE: a concepção e defesa da refundação do sistema financeiro internacional, no quadro de um novo Bretton Woods.
Os mais entusiastas consideraram mesmo que este processo, e a crise financeira em geral, poderá fornecer a grande oportunidade de reconversão europeísta do Reino Unido e mesmo, quem sabe, da sua adesão ao euro. Permitam-me que duvide. Dificilmente o homem que impediu durante a primeira metade do mandato de Tony Blair qualquer tentativa de aproximação britânica ao euro terá agora mudado de posição.
Pelo contrário: segundo afirma o meu amigo Peter Ludlow, um dos melhores analistas da realidade europeia, Brown não quer de modo algum conferir à UE um papel de relevo neste processo. O seu modelo baseia-se, pelo contrário, no reforço do G8 no plano internacional – e obviamente dos seus quatro membros europeus: França, Alemanha, Reino Unido e Itália – de modo a manter, e se possível reforçar, a sua proeminência entre os Vinte e Sete.
Para perceber que assim é, basta ver as reacções dos ingleses de cada vez que alguém ousa defender que deveria ser a UE, e não os países a título individual, a falar em nome da Europa nas organizações internacionais, do G8 ao FMI. Ou olhar para a longa intervenção que Brown fez na última cimeira de lideres da UE (15 e 16 de Outubro) sobre a reforma do sistema financeiro internacional, em que a UE não é nem uma vez mencionada.
Infelizmente para os outros países, esta perspectiva tem boas possibilidades de encontrar um eco em França. Não imediatamente, porque o seu presidente Nicolas Sarkozy, está profundamente empenhado no reforço do papel da presidência francesa da UE. Mas quando terminar a missão, no fim de Dezembro, será que Sarkozy se resignará a voltar a ser um entre Vinte e Sete e a ver a UE conduzida pela República Checa? É duvidoso.
Fazer com que os grandes países se mantenham no jogo europeu e não tentem cavalgar sozinhos, tem boas probabilidades de ser o grande desafio que a UE vai ter de enfrentar e resolver nos próximos tempos.
PS: depois de escrever este 'post' vi no 'Le Monde' que Sarkozy pondera a possibilidade de prolongar a sua presidência da UE assumindo a liderança, ao nível de chefes de Estado e de Governo, do Eurogrupo, o fórum informal de coordenação das políticas económicas da zona euro. Actualmente, esta instância só se reúne (uma vez por mês) ao nível dos ministros das finanças. Sarkozy descobriu "estupefacto" que, desde o lançamento do euro, em 1999, o Eurogrupo só se reuniu uma única vez ao nível de chefes de Estado ou de Governo, a 12 de Outubro passado para aprovar o plano de salvamento do sector financeiro. Convicto de que a pilotagem política que quer conferir a esta instância está muito acima do nível dos ministros das finanças, Sarkozy quer institucionalizar as reuniões ao nível dos lideres. E, possivelmente, assumir a liderança desta formação durante pelo menos um ano. Sobretudo porque a UE será presidida em 2009 por dois países exteriores à zona euro, a República Checa e a Suécia...
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Gordon Brown,
Instituições europeias
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Esqueçam o plano Paulson europeu
Não é a criação ou não de um fundo europeu para salvar os bancos em risco de falência que impede a Europa de ter uma resposta comum para a actual crise.
A oportunidade e necessidade de criação do dito fundo divide os analistas, mas mesmo os responsáveis europeus mais “comunitários” reconhecem que é praticamente impossível fazê-lo.
Primeiro, porque a UE não tem um orçamento federal de onde retirar o fundo. Segundo, porque mesmo que seguisse a proposta holandesa de o alimentar com 3 por cento do PIB de cada país, dificilmente os Vinte e Sete conseguiriam pôr-se de acordo sobre quais seriam os bancos “sistémicos”que dele poderiam beneficiar.
O maior banco da Letónia, país da UE exterior à eurolândia é sistémico? Todos os bancos alemães, ou ingleses, são sistémicos? Ou, por exemplo, será que os problemas do banco X ou Y são de solvabilidade – resultante de uma eventual má gestão – ou de liquidez? Aliás, na ausência de um regulador comum europeu, que confiança poderão ter os Estados na regulação que foi feita ao longo dos anos pelo país vizinho?
Aliás, não precisamos de ir mais longe: mesmo em Portugal, o ministro das finanças disse que a questão da relevância sistémica dos bancos nacionais será avaliada caso a caso, em função da situação. Um erro, do meu ponto de vista: todos os bancos deveriam ser considerados sistémicos, senão, onde está a confiança?
Mas basta projectarmos o discurso de Teixeira dos Santos para o contexto europeu: de cada vez que um banco estivesse em risco de falência, ainda a discussão estaria no adro ao nível dos Vinte e Sete e já o dito banco estaria de rastos. Imaginem o descalabro...
Por isso, quanto mais os europeus falarem de fundo ou não fundo, pior é a imagem que dão para o exterior, precisamente o contrário do discurso de serenidade e confiança que afirmam querer assumir.
Dito isto, mesmo sem fundo, nada impede os europeus de terem uma resposta comum para a crise. Bastaria, por exemplo, que todos assumissem o mesmo discurso sem ambiguidades, em torno de dois eixos centrais: todos os depósitos estão garantidos e todos os bancos solventes com problemas de liquidez serão salvos. Se necessário, com a ajuda dos outros países da UE.
Sem estas garantias, como é que podem esperar injectar confiança no sistema financeiro?
Mesmo se o salvamento dos bancos será sempre uma responsabilidade nacional, a preservação da totalidade do sistema financeiro é do interesse de todos. Os europeus não se cansam de criticar o facto de o governo americano ter deixado cair o Lehman Brothers, que provocou um efeito dominó de profunda desconfiança na totalidade do sistema. Se acontecer o mesmo na Europa, o efeito de dominó será inevitável.
Dizem os especialistas que quanto mais tarde os europeus derem garantias firmes nestes dois sentidos, mais elevado será o preço que terão de pagar se, de facto, um banco importante vier a falir. Temo que tenham razão.
A oportunidade e necessidade de criação do dito fundo divide os analistas, mas mesmo os responsáveis europeus mais “comunitários” reconhecem que é praticamente impossível fazê-lo.
Primeiro, porque a UE não tem um orçamento federal de onde retirar o fundo. Segundo, porque mesmo que seguisse a proposta holandesa de o alimentar com 3 por cento do PIB de cada país, dificilmente os Vinte e Sete conseguiriam pôr-se de acordo sobre quais seriam os bancos “sistémicos”que dele poderiam beneficiar.
O maior banco da Letónia, país da UE exterior à eurolândia é sistémico? Todos os bancos alemães, ou ingleses, são sistémicos? Ou, por exemplo, será que os problemas do banco X ou Y são de solvabilidade – resultante de uma eventual má gestão – ou de liquidez? Aliás, na ausência de um regulador comum europeu, que confiança poderão ter os Estados na regulação que foi feita ao longo dos anos pelo país vizinho?
Aliás, não precisamos de ir mais longe: mesmo em Portugal, o ministro das finanças disse que a questão da relevância sistémica dos bancos nacionais será avaliada caso a caso, em função da situação. Um erro, do meu ponto de vista: todos os bancos deveriam ser considerados sistémicos, senão, onde está a confiança?
Mas basta projectarmos o discurso de Teixeira dos Santos para o contexto europeu: de cada vez que um banco estivesse em risco de falência, ainda a discussão estaria no adro ao nível dos Vinte e Sete e já o dito banco estaria de rastos. Imaginem o descalabro...
Por isso, quanto mais os europeus falarem de fundo ou não fundo, pior é a imagem que dão para o exterior, precisamente o contrário do discurso de serenidade e confiança que afirmam querer assumir.
Dito isto, mesmo sem fundo, nada impede os europeus de terem uma resposta comum para a crise. Bastaria, por exemplo, que todos assumissem o mesmo discurso sem ambiguidades, em torno de dois eixos centrais: todos os depósitos estão garantidos e todos os bancos solventes com problemas de liquidez serão salvos. Se necessário, com a ajuda dos outros países da UE.
Sem estas garantias, como é que podem esperar injectar confiança no sistema financeiro?
Mesmo se o salvamento dos bancos será sempre uma responsabilidade nacional, a preservação da totalidade do sistema financeiro é do interesse de todos. Os europeus não se cansam de criticar o facto de o governo americano ter deixado cair o Lehman Brothers, que provocou um efeito dominó de profunda desconfiança na totalidade do sistema. Se acontecer o mesmo na Europa, o efeito de dominó será inevitável.
Dizem os especialistas que quanto mais tarde os europeus derem garantias firmes nestes dois sentidos, mais elevado será o preço que terão de pagar se, de facto, um banco importante vier a falir. Temo que tenham razão.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Desunião Europeia
É um daqueles paradoxos difíceis de perceber: a França, presidente em exercício da UE, é o país que mais apelos tem feito à unidade dos Vinte e Sete na reacção à crise financeira. Mas é, igualmente, o país que decidiu convocar uma minicimeira limitada aos quatro maiores Estados da UE (França, Alemanha, Reino Unido e Itália).
O pretexto é que estes são os quatro países europeus do G8, e precisam, assim, de concertar posições para as próximas reuniões desta instância. Certo. Mas bem antes de qualquer cimeira do G8, haverá uma cimeira dos Vinte e Sete, a 15 e 16 de Outubro. O que transforma a minicimeira de amanhã, em Paris, na preparação a quatro da discussão dos Vinte e Sete. Porquê só quatro?
Como que a dar uma “caução europeia” à coisa, Paris convocou também os presidentes do Eurogrupo dos ministros das finanças dos países da moeda única, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, ou seja, Jean-Claude Juncker, Jean-Claude Trichet e Durão Barroso, respectivamente.
Mas, depois de ter convocado uma cimeira de urgência dos Vinte e Sete para a tomada de uma posição comum sobre a Geórgia (no dia 1 de Setembro), porque é que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, não fez o mesmo sobre a crise financeira?
Tal como citei no Público de hoje, a iniciativa sarkozyana incomoda os países excluídos, que encaram invariavelmente os encontros em pequeno comité como o “directório" dos grandes em acção. Oficialmente, só a Espanha protestou, embora suavemente, apontando para a contradição francesa dos apelos à unidade europeia misturados com encontros limitados aos grandes.
Os outros, provavelmente para não deitar mais achas para a fogueira da volatilidade dos mercados, ficaram calados. Mas não deixaram de criticar, em privado, a exclusão de 23 países, a par do facto de a minicimeira ter sido anunciada no site da presidência francesa da UE – que deveria, em teoria, ser consagrado às actividades a Vinte e Sete - e acima de tudo, o facto de a cimeira se centrar num problema que interessa e afecta todos os países, sejam eles membros do G8 ou não.
Hans-Gert Poettering, presidente do Parlamento Europeu, tentou sossegar as críticas, frisando que a minicimeira não pode tomar decisões, mas apenas fazer propostas. Os quatro países “não poderão decidir pelo conjunto da UE”, as decisões terão de ser tomadas pelos “Vinte e Sete” e pelas “instituições comunitárias”.
Mas, como referiu um diplomata que citei igualmente hoje, “se uma reunião com o peso dos quatro grandes da UE e dos presidentes de três importantes instituições comunitárias tiver resultados, os outros países terão grandes dificuldades em ter uma opinião diferente”.
Parece-me óbvio.
O pretexto é que estes são os quatro países europeus do G8, e precisam, assim, de concertar posições para as próximas reuniões desta instância. Certo. Mas bem antes de qualquer cimeira do G8, haverá uma cimeira dos Vinte e Sete, a 15 e 16 de Outubro. O que transforma a minicimeira de amanhã, em Paris, na preparação a quatro da discussão dos Vinte e Sete. Porquê só quatro?
Como que a dar uma “caução europeia” à coisa, Paris convocou também os presidentes do Eurogrupo dos ministros das finanças dos países da moeda única, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, ou seja, Jean-Claude Juncker, Jean-Claude Trichet e Durão Barroso, respectivamente.
Mas, depois de ter convocado uma cimeira de urgência dos Vinte e Sete para a tomada de uma posição comum sobre a Geórgia (no dia 1 de Setembro), porque é que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, não fez o mesmo sobre a crise financeira?
Tal como citei no Público de hoje, a iniciativa sarkozyana incomoda os países excluídos, que encaram invariavelmente os encontros em pequeno comité como o “directório" dos grandes em acção. Oficialmente, só a Espanha protestou, embora suavemente, apontando para a contradição francesa dos apelos à unidade europeia misturados com encontros limitados aos grandes.
Os outros, provavelmente para não deitar mais achas para a fogueira da volatilidade dos mercados, ficaram calados. Mas não deixaram de criticar, em privado, a exclusão de 23 países, a par do facto de a minicimeira ter sido anunciada no site da presidência francesa da UE – que deveria, em teoria, ser consagrado às actividades a Vinte e Sete - e acima de tudo, o facto de a cimeira se centrar num problema que interessa e afecta todos os países, sejam eles membros do G8 ou não.
Hans-Gert Poettering, presidente do Parlamento Europeu, tentou sossegar as críticas, frisando que a minicimeira não pode tomar decisões, mas apenas fazer propostas. Os quatro países “não poderão decidir pelo conjunto da UE”, as decisões terão de ser tomadas pelos “Vinte e Sete” e pelas “instituições comunitárias”.
Mas, como referiu um diplomata que citei igualmente hoje, “se uma reunião com o peso dos quatro grandes da UE e dos presidentes de três importantes instituições comunitárias tiver resultados, os outros países terão grandes dificuldades em ter uma opinião diferente”.
Parece-me óbvio.
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