Vieira da Silva, ministro do trabalho, deve ter engolido alguns sapos vivos na quarta-feira (5 de Dezembro). Enquanto presidente em exercício do conselho de ministros da UE dos assuntos sociais, tinha nesse dia ao alcance da mão um acordo sobre duas propostas legislativas particularmente difíceis e cujas negociações se arrastaram durante mais de três anos.
A primeira, visa reforçar a protecção dos trabalhadores temporários, garantindo-lhes os mesmos direitos e condições de trabalho que os outros ao fim de um período entre uma e seis semanas (o Reino Unido, principal opositor, queria um ano).
A segunda pretende actualizar as regras actualmente em vigor sobre o tempo de trabalho nomeadamente ao garantir um melhor enquadramento das derrogações ao limite de 48 horas de trabalho semanal que podem ser negociadas individualmente com os trabalhadores (que o Reino Unido quer manter o mais largas possível).
Depois de mais de três anos de negociações que colocaram frente a frente dois campos ideológicos, os “amigos do social” – liderados pela França, Espanha, Itália – e os defensores da flexibilidade máxima do mercado de trabalho – o Reino Unido e vários dos novos Estados membros do Leste - as propostas estavam finalmente maduras para aprovação.
Para isso contribuiu o verdadeiro coelho que a presidência portuguesa da UE tirou do chapéu ao decidir juntar os dois textos num único pacote a ser aprovado em conjunto. Esta abordagem permitiu desbloquear as negociações, incitando cada campo a fazer cedências num texto para obter o outro, o que por sua vez acabou com os vetos cruzados responsáveis pelos bloqueios do passado.
Vieira da Silva chegou assim a Bruxelas com uma possibilidade bem real de conseguir um acordo, que constituiria um sucesso muito considerável para a presidência. Bastava-lhe, para isso, colocar os dois textos à votação dos seus pares: quanto muito teria um voto negativo do Reino Unido, feroz opositor a quaisquer avanços em matéria social ao nível europeu, e da Alemanha, que explicou a sua posição como a retribuição de um velho apoio britânico num outro caso, o que não seria suficiente para bloquear a maioria qualificada. Bastava pois ao ministro cumprir as regras e passar ao voto (Na fotografia Vieira da Silva com o representante permanente adjunto de Portugal junto da UE, Pedro Nuno Bártolo, no início da reunião).
Mas o ministro chegou igualmente com instruções claras para, precisamente, evitar a votação. Por trás desta reviravolta esteve Gordon Brown, que nos dias que precederam a reunião multiplicou os contactos com várias capitais, a começar por Lisboa, para explicar que um eventual isolamento britânico na quarta-feira colocaria seriamente em risco a ratificação do Tratado de Lisboa. O que eu não sabia, mas aprendi pelo Financial Times, foi que a pressão de Brown foi ao ponto de pôr em dúvida a sua presença em Lisboa na próxima quinta-feira para a assinatura do novo Tratado europeu. (Brown na fotografia com José Sócrates na cimeira de Lisboa - Outubro de 2007).
Na reunião de quarta-feira, Vieira da Silva passou seguramente um mau bocado. Vários dos seus homólogos pediram a passagem ao voto, argumentando que um adiamento não só não resolveria coisa nenhuma, como agravaria a situação de infracção ao direito comunitário em que se encontram todos os países da UE excepto a Itália e o Luxemburgo a propósito da contabilização do tempo de banco inactivo nos hospitais, um lacuna que a proposta sobre o tempo de trabalho visa resolver.
Vieira da Silva preferiu no entanto adiar a questão para as duas presidências que se seguem em 2008, a eslovena e a francesa.
Como que por milagre, o Financial Times revelou pouco depois da capitulação da presidência que Brown tinha afinal conseguido encontrar um “buraco” na agenda para ir a Lisboa assinar o Tratado.
Ironicamente, a pressão britânica não resulta de uma daquelas situações frequentes em que um governo pede o adiamento de uma decisão para não ser posto em dificuldade num dado momento, embora com a garantia de que poderá associar-se uma vez resolvido o problema com que se debate. Ou seja, o sacrifício de Vieira da Silva não resolve nada, porque Londres continuará sempre a bloquear a proposta sobre o trabalho temporário, como o seu secretário de estado das empresas, John Hutton, fez questão de sublinhar.
Sem se deixar impressionar pela gesticulação de Brown, Vladimir Spidla, comissário europeu responsável pelos assuntos sociais (na fotografia ao lado de Vieira da Silva na conferência de imprensa final), considerou o adiamento da decisão "extremanente decepcionante".
É caso para perguntar para que serve aumentar as matérias que podem ser decididas por maioria qualificada na UE, quando a regra é ignorada em reacção a meia dúzia de telefonemas? De Londres, claro, porque se fosse de Vilnius, ou de Dublin, a história seria outra...
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
Símbolos regressam ao Tratado de Lisboa... para dezasseis países
Surpresa: o novo Tratado europeu - hoje posto em linha na versão definitiva que vai ser assinada em Lisboa no dia 13 - tem algumas novidades inesperadas face ao acordo saído da cimeira de Lisboa de Outubro passado que o definiu ao mais pequeno pormenor.
Uma nova declaração política (número 52) atesta solenemente a recusa de dezasseis países em se conformarem com o desaparecimento dos símbolos europeus no processo de transformação da Constituição Europeia no Tratado de Lisboa. A declaração é meramente política, e só tem valor para os países que a subscreveram, mas não deixa de ser simbólica.
Oito países "antigos" da UE - Portugal, Espanha, Bélgica, Alemanha, Itália, Grécia, Austria e Luxemburgo - e oito "novos" - Hungria, Eslovénia, Eslováquia, Lituânia, Malta, Chipre, Roménia e Bulgária - decidiram assim declarar unilateralmente que no seu caso, a situação não mudou.
Eis o texto da nova Declaração:
"52. Declaração do Reino da Bélgica, da República da Bulgária, da República Federal da Alemanha, da República Helénica, do Reino de Espanha, da República Italiana, da República de Chipre, da República da Lituânia, do Grão-Ducado do Luxemburgo, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Áustria, da Repúlica Portuguesa, da Roménia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca relativa aos símbolos da União Europeia
A Bélgica, a Bulgária, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a Itália, Chipre, a Lituânia, o Luxemburgo, a Hungria, Malta, a Áustria, Portugal, a Roménia, a Eslovénia e a Eslováquia declaram que a bandeira constituída por um círculo de doze estrelas douradas sobre fundo azul, o hino extraído do "Hino à Alegria" da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, o lema "Unida na diversidade", o euro enquanto moeda da União Europeia e o Dia da Europa em 9 de Maio continuarão a ser, para eles, os símbolos do vínculo comum dos cidadãos à União Europeia e dos laços que os ligam a esta".
Uma nova declaração política (número 52) atesta solenemente a recusa de dezasseis países em se conformarem com o desaparecimento dos símbolos europeus no processo de transformação da Constituição Europeia no Tratado de Lisboa. A declaração é meramente política, e só tem valor para os países que a subscreveram, mas não deixa de ser simbólica.
Oito países "antigos" da UE - Portugal, Espanha, Bélgica, Alemanha, Itália, Grécia, Austria e Luxemburgo - e oito "novos" - Hungria, Eslovénia, Eslováquia, Lituânia, Malta, Chipre, Roménia e Bulgária - decidiram assim declarar unilateralmente que no seu caso, a situação não mudou.
Eis o texto da nova Declaração:
"52. Declaração do Reino da Bélgica, da República da Bulgária, da República Federal da Alemanha, da República Helénica, do Reino de Espanha, da República Italiana, da República de Chipre, da República da Lituânia, do Grão-Ducado do Luxemburgo, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Áustria, da Repúlica Portuguesa, da Roménia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca relativa aos símbolos da União Europeia
A Bélgica, a Bulgária, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a Itália, Chipre, a Lituânia, o Luxemburgo, a Hungria, Malta, a Áustria, Portugal, a Roménia, a Eslovénia e a Eslováquia declaram que a bandeira constituída por um círculo de doze estrelas douradas sobre fundo azul, o hino extraído do "Hino à Alegria" da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, o lema "Unida na diversidade", o euro enquanto moeda da União Europeia e o Dia da Europa em 9 de Maio continuarão a ser, para eles, os símbolos do vínculo comum dos cidadãos à União Europeia e dos laços que os ligam a esta".
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Galileo II: o pontapé de Mário Lino nas regras
Apesar do sucesso que foi a decisão de 29 de Novembro sobre o plano industrial do Galileo (ver post anterior), Mário Lino, ministro das obras públicas e transportes que presidiu à reunião, perdeu a cabeça já noite dentro e decidiu isolar a Espanha, ignorando alegremente as regras de decisão comunitárias e correndo o risco de provocar um belo quebra-cabeças político-institucional.
A Espanha foi o país que maiores dificuldades levantou ao longo de todo o dia a uma decisão - unânime - dos Vinte e Sete sobre a partilha do mercado do Galileo: o negociador espanhol - Madrid decidiu fazer-se representar não por um ministro ou um secretário de Estado, como é a regra, mas pelo secretário-geral do ministério dos transportes, Fernando Palao - exigia obter um centro de controle terrestre do sinal dos satélites em pé de igualdade com os que estão previstos instalar na Alemanha e Itália.
O projecto previa no entanto para a Espanha apenas um centro de protecção civil (Safety of Life), considerado de importância menor. Várias sessões de negociações entre a presidência portuguesa, a Comissão Europeia e a delegação espanhola ao longo de todo o dia para permitir ao centro espanhol evoluir gradualmente para funções de controle terrestre em 2013 - mediante certas condições, incluindo o seu financiamento pelo governo de Madrid - revelaram-se no entanto infrutíferas. Até que já tarde na noite, Mário Lino parece ter perdido de vez a paciência: numa manobra inesperada, mandou as regras comunitárias às urtigas anunciando que a decisão sobre o Galileo estava tomada por maioria qualificada. Ou seja, com o apoio de vinte e seis países e o voto contra da Espanha.
O anúncio provocou uma reacção curiosa dos participantes: por um lado, os ministros dos países mais interessados no projecto, reagiram com aplausos. Só que ao mesmo tempo os seus embaixadores tiveram uma reacção de pânico, contestando que a decisão pudesse ser tomada por maioria qualificada. A Espanha, considerando-se violentada pela presidência portuguesa e não poupando críticas a Mário Lino, anunciou desde logo que impugnaria a decisão.
De facto, a regra para a aprovação de “conclusões do Conselho”, como era o que estava em causa, é a unanimidade. Este é um acto que sai das regras normais dos Tratados, o que obriga ao assentimento de todos os Estados membros. Mas a presidência apoiou-se no facto de o acto legislativo subsequente – que garantirá a transposição do acordo político de 29 de Novembro para o direito comunitário - apenas necessitar da maioria qualificada, para impôr a mesma regra de decisão para as conclusões políticas que o precedem. Os serviços jurídicos do Conselho de ministros da UE validaram esta interpretação, mas o seu parecer é largamente controverso.
Vários países, que pretendem preservar a unanimidade neste tipo de decisões de modo a contornar pontualmente a maioria qualificada – e, sobretudo, contrariar a Comissão Europeia em matérias cuja regra de decisão é a maioria qualificada, como é o caso da política comercial, por exemplo – reagiram vivamente contra o que consideraram um precedente muito perigoso. O ministro francês dos transportes, Dominique Bussereau - que se congratulou com o acordo sobre o Galileo, mas os respectivos diplomatas foram os primeiros a contestar a legalidade da decisão - reconheceu que o precedente iria “abrir um belo debate jurídico-político”.
A presidência acabou por se livrar de apuros pelo facto de, no dia seguinte, a Espanha se ter associado à decisão dos seus vinte e seis parceiros, mediante uma “clarificação” do texto. O que permitiu anular a decisão por maioria qualificada e substitui-la por outra igual decidida por unanimidade.
O ataque de mau humor de Mário Lino acabou assim por não ter consequências. Melhor: ao forçar o isolamento da Espanha, o ministro poderá muito bem ter provocado um sobressalto dos seus responsáveis e o seu regresso às negociações, conseguindo um belo sucesso para a presidência.
A Espanha foi o país que maiores dificuldades levantou ao longo de todo o dia a uma decisão - unânime - dos Vinte e Sete sobre a partilha do mercado do Galileo: o negociador espanhol - Madrid decidiu fazer-se representar não por um ministro ou um secretário de Estado, como é a regra, mas pelo secretário-geral do ministério dos transportes, Fernando Palao - exigia obter um centro de controle terrestre do sinal dos satélites em pé de igualdade com os que estão previstos instalar na Alemanha e Itália.
O projecto previa no entanto para a Espanha apenas um centro de protecção civil (Safety of Life), considerado de importância menor. Várias sessões de negociações entre a presidência portuguesa, a Comissão Europeia e a delegação espanhola ao longo de todo o dia para permitir ao centro espanhol evoluir gradualmente para funções de controle terrestre em 2013 - mediante certas condições, incluindo o seu financiamento pelo governo de Madrid - revelaram-se no entanto infrutíferas. Até que já tarde na noite, Mário Lino parece ter perdido de vez a paciência: numa manobra inesperada, mandou as regras comunitárias às urtigas anunciando que a decisão sobre o Galileo estava tomada por maioria qualificada. Ou seja, com o apoio de vinte e seis países e o voto contra da Espanha.
O anúncio provocou uma reacção curiosa dos participantes: por um lado, os ministros dos países mais interessados no projecto, reagiram com aplausos. Só que ao mesmo tempo os seus embaixadores tiveram uma reacção de pânico, contestando que a decisão pudesse ser tomada por maioria qualificada. A Espanha, considerando-se violentada pela presidência portuguesa e não poupando críticas a Mário Lino, anunciou desde logo que impugnaria a decisão.
De facto, a regra para a aprovação de “conclusões do Conselho”, como era o que estava em causa, é a unanimidade. Este é um acto que sai das regras normais dos Tratados, o que obriga ao assentimento de todos os Estados membros. Mas a presidência apoiou-se no facto de o acto legislativo subsequente – que garantirá a transposição do acordo político de 29 de Novembro para o direito comunitário - apenas necessitar da maioria qualificada, para impôr a mesma regra de decisão para as conclusões políticas que o precedem. Os serviços jurídicos do Conselho de ministros da UE validaram esta interpretação, mas o seu parecer é largamente controverso.
Vários países, que pretendem preservar a unanimidade neste tipo de decisões de modo a contornar pontualmente a maioria qualificada – e, sobretudo, contrariar a Comissão Europeia em matérias cuja regra de decisão é a maioria qualificada, como é o caso da política comercial, por exemplo – reagiram vivamente contra o que consideraram um precedente muito perigoso. O ministro francês dos transportes, Dominique Bussereau - que se congratulou com o acordo sobre o Galileo, mas os respectivos diplomatas foram os primeiros a contestar a legalidade da decisão - reconheceu que o precedente iria “abrir um belo debate jurídico-político”.
A presidência acabou por se livrar de apuros pelo facto de, no dia seguinte, a Espanha se ter associado à decisão dos seus vinte e seis parceiros, mediante uma “clarificação” do texto. O que permitiu anular a decisão por maioria qualificada e substitui-la por outra igual decidida por unanimidade.
O ataque de mau humor de Mário Lino acabou assim por não ter consequências. Melhor: ao forçar o isolamento da Espanha, o ministro poderá muito bem ter provocado um sobressalto dos seus responsáveis e o seu regresso às negociações, conseguindo um belo sucesso para a presidência.
Galileo I: o acordo
A luz verde dos países europeus ao sistema de radio-navegação por satélite Galileo - concorrente do GPS americano - constitui um sucesso incontestável da presidência portuguesa da UE. Primeiro, a presidência conseguiu um acordo no dia 23 de Novembro sobre o encaixe de 2.400 milhões de euros suplementares no orçamento comunitário (em complemento dos 1.000 já previstos) para permitir o seu lançamento, depois do fracasso de uma tentativa de financiamento privado; depois, arrancou nos dias 29 e 30 um acordo sobre a partilha do mercado do projecto, que permitiu contentar todos os países com aspirações no domínio aeroespacial.
Sem estas decisões, o Galileo estava em risco de ser definitivamente enterrado, o que deveria ser confirmado na cimeira de lideres de 14 de Dezembro. Isto porque depois dos atrasos acumulados ao longo de cinco anos, o projecto deixaria de fazer sentido quando os americanos prevêem tornar operacional em 2011-2012 a terceira geração do GPS, com um grau de precisão de posicionamento equivalente à do Galileo, ou seja, menos de um metro – contra 10 a 20 metros do GPS actual.
O Galileo está assim em vias de permitir à Europa dar um novo salto tecnológico, criar dezenas de milhar de empregos, e garantir a sua independência estratégica numa altura em que a Russia, China e India estão igualmente a investir em força neste sector.
Não foi fácil lá chegar. Desde que a ideia foi lançada em 1999, o projecto começou por ser bloqueado pelos países mais “atlantistas”, liderados pelo Reino Unido e Holanda, que, incitados pelos Estados Unidos, arrastaram durante vários anos os pés relativamente ao lançamento de um concorrente directo do GPS. Depois, este e outros países recusaram desenvolver o projecto com fundos públicos, exigindo o recurso ao sector privado. Dois consórcios de empresas concorrentes que se apresentaram a concurso foram obrigados a juntar-se num só (EADS, Thales, Alcatel (França), Finmeccanica (Itália), Aena, Hispasat (Espanha), Inmarsat (Reino Unido) e TeleOp (Alemanha) de maneira a evitar rivalidades nacionais e garantir que todos teriam a sua fatia do bolo. O consórcio acabou no entanto por recusar assumir os riscos financeiros do projecto, exigindo uma garantia pública.
Uma vez abandonada a opção do financiamento privado em Maio passado, as discussões centraram-se desde então em saber como encaixar no orçamento comunitário um montante adicional e inesperado de 2.400 milhões de euros. Apesar de a totalidade deste montante poder sair da agricultura – em resultado de despesas orçamentadas mas não utilizadas devido à alta dos preços dos cereais – ou seja, sem implicar nem mais um euro de contribuições nacionais para Bruxelas, o acordo demorou a fazer o seu caminho. Por um lado, porque os países mais restritivos no plano orçamental (Reino Unido, Alemanha, Holanda, Suécia) consideravam esta transferência de verbas um precedente perigoso, e preferiam que as “sobras” fossem devolvidas às capitais.
O grande problema foi no entanto colocado pela Alemanha, que preferia um financiamento directo pelos países interessados, que dividiriam assim os benefícios industriais e comerciais do Galileo entre as suas empresas. Berlim temia que num ambiente de livre concorrência, a sua industria aeroespacial, que começa praticamente a dar os primeiro passos, fosse preterida em favor das empresas francesas, muitíssimo mais competitivas, que poderiam assim arrebanhar o essencial dos mercados. Os alemães votaram aliás sozinhos contra a solução orçamental.
Menos de uma semana depois, no conselho de ministros dos transportes da UE, o acordo final foi selado, desta vez com o apoio da Alemanha, graças a uma partilha minuciosa do mercado. Ou seja, para garantir trabalho para todas as empresas do sector, grandes ou pequenas, o projecto foi dividido em seis segmentos: satélites, lançadores, software, antenas em terra, centros de controle e gestão do conjunto. A regra adoptada é que nenhuma empresa poderá liderar mais de dois destes segmentos, e será obrigada a sub-contratar no exterior pelo menos 40 por cento do contrato (embora não às suas filiais). As empresas “chefe de grupo” poderão no entanto participar nos 40 por cento de trabalho sub-contratado nos outros segmentos.
Mesmo que os especialistas neguem – como negam –, esta é uma aplicação um pouco peculiar das regras comunitárias da concorrência. É certo que a legislação europeia prevê excepções às regras e a possibilidade de ajustes directos na atribuição de mercados públicos, mas nunca como agora um mercado foi tão detalhadamente partilhado. Os especialistas garantem que não é possível saber de antemão quem é que conseguirá apanhar qual mercado, mas também reconhecem, por exemplo, que só a EADS Astrium (França, Alemanha, Reino Unido) estará em condições de fabricar os satélites; que a Arianespace (França), cujo operador industrial é igualmente a EADS, deverá ficar com os “lançadores”; que o controle em terra deverá ser desenvolvido pela Thales Alenia Space (França, Itália); que a Thales deverá ficar igualmente com o controle do sinal; ou que a TAS (Itália) poderá arrebanhar o software.
Há quem pense que esta decisão constitui "um sinal do que aí vem: uma tendência para a reequilibragem do projecto europeu a favor dos grandes países".
Mas vamos ser optimistas: o Galileo é um grande projecto europeu que, espero não me enganar, beneficiará toda a Europa. Cá estaremos para o avaliar.
PS: Tenho de me penitenciar por ter deixado este blog um pouco desactivado, mas confesso que a cobertura europeia a "full-time" - ou melhor, "triple-time" - não deixa grande espaço para o Eurotalk, com grande pena minha. Espero, ao menos, que tenham seguido a actualidade europeia através do Publico e prometo voltar com maior regularidade
Sem estas decisões, o Galileo estava em risco de ser definitivamente enterrado, o que deveria ser confirmado na cimeira de lideres de 14 de Dezembro. Isto porque depois dos atrasos acumulados ao longo de cinco anos, o projecto deixaria de fazer sentido quando os americanos prevêem tornar operacional em 2011-2012 a terceira geração do GPS, com um grau de precisão de posicionamento equivalente à do Galileo, ou seja, menos de um metro – contra 10 a 20 metros do GPS actual.
O Galileo está assim em vias de permitir à Europa dar um novo salto tecnológico, criar dezenas de milhar de empregos, e garantir a sua independência estratégica numa altura em que a Russia, China e India estão igualmente a investir em força neste sector.
Não foi fácil lá chegar. Desde que a ideia foi lançada em 1999, o projecto começou por ser bloqueado pelos países mais “atlantistas”, liderados pelo Reino Unido e Holanda, que, incitados pelos Estados Unidos, arrastaram durante vários anos os pés relativamente ao lançamento de um concorrente directo do GPS. Depois, este e outros países recusaram desenvolver o projecto com fundos públicos, exigindo o recurso ao sector privado. Dois consórcios de empresas concorrentes que se apresentaram a concurso foram obrigados a juntar-se num só (EADS, Thales, Alcatel (França), Finmeccanica (Itália), Aena, Hispasat (Espanha), Inmarsat (Reino Unido) e TeleOp (Alemanha) de maneira a evitar rivalidades nacionais e garantir que todos teriam a sua fatia do bolo. O consórcio acabou no entanto por recusar assumir os riscos financeiros do projecto, exigindo uma garantia pública.
Uma vez abandonada a opção do financiamento privado em Maio passado, as discussões centraram-se desde então em saber como encaixar no orçamento comunitário um montante adicional e inesperado de 2.400 milhões de euros. Apesar de a totalidade deste montante poder sair da agricultura – em resultado de despesas orçamentadas mas não utilizadas devido à alta dos preços dos cereais – ou seja, sem implicar nem mais um euro de contribuições nacionais para Bruxelas, o acordo demorou a fazer o seu caminho. Por um lado, porque os países mais restritivos no plano orçamental (Reino Unido, Alemanha, Holanda, Suécia) consideravam esta transferência de verbas um precedente perigoso, e preferiam que as “sobras” fossem devolvidas às capitais.
O grande problema foi no entanto colocado pela Alemanha, que preferia um financiamento directo pelos países interessados, que dividiriam assim os benefícios industriais e comerciais do Galileo entre as suas empresas. Berlim temia que num ambiente de livre concorrência, a sua industria aeroespacial, que começa praticamente a dar os primeiro passos, fosse preterida em favor das empresas francesas, muitíssimo mais competitivas, que poderiam assim arrebanhar o essencial dos mercados. Os alemães votaram aliás sozinhos contra a solução orçamental.
Menos de uma semana depois, no conselho de ministros dos transportes da UE, o acordo final foi selado, desta vez com o apoio da Alemanha, graças a uma partilha minuciosa do mercado. Ou seja, para garantir trabalho para todas as empresas do sector, grandes ou pequenas, o projecto foi dividido em seis segmentos: satélites, lançadores, software, antenas em terra, centros de controle e gestão do conjunto. A regra adoptada é que nenhuma empresa poderá liderar mais de dois destes segmentos, e será obrigada a sub-contratar no exterior pelo menos 40 por cento do contrato (embora não às suas filiais). As empresas “chefe de grupo” poderão no entanto participar nos 40 por cento de trabalho sub-contratado nos outros segmentos.
Mesmo que os especialistas neguem – como negam –, esta é uma aplicação um pouco peculiar das regras comunitárias da concorrência. É certo que a legislação europeia prevê excepções às regras e a possibilidade de ajustes directos na atribuição de mercados públicos, mas nunca como agora um mercado foi tão detalhadamente partilhado. Os especialistas garantem que não é possível saber de antemão quem é que conseguirá apanhar qual mercado, mas também reconhecem, por exemplo, que só a EADS Astrium (França, Alemanha, Reino Unido) estará em condições de fabricar os satélites; que a Arianespace (França), cujo operador industrial é igualmente a EADS, deverá ficar com os “lançadores”; que o controle em terra deverá ser desenvolvido pela Thales Alenia Space (França, Itália); que a Thales deverá ficar igualmente com o controle do sinal; ou que a TAS (Itália) poderá arrebanhar o software.
Há quem pense que esta decisão constitui "um sinal do que aí vem: uma tendência para a reequilibragem do projecto europeu a favor dos grandes países".
Mas vamos ser optimistas: o Galileo é um grande projecto europeu que, espero não me enganar, beneficiará toda a Europa. Cá estaremos para o avaliar.
PS: Tenho de me penitenciar por ter deixado este blog um pouco desactivado, mas confesso que a cobertura europeia a "full-time" - ou melhor, "triple-time" - não deixa grande espaço para o Eurotalk, com grande pena minha. Espero, ao menos, que tenham seguido a actualidade europeia através do Publico e prometo voltar com maior regularidade
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