sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Birmânia

Desculpem, mas não consigo deixar de falar da Birmânia, um país que me ficou no coração desde que lá fui, em Agosto de 1988.

Na altura era um país ainda largamente desconhecido, que começava muito lentamente a abrir-se ao exterior. Abertura imposta pela necessidade de dólares num país que esteve durante várias décadas isolado do resto do Mundo (excepção feita da China) em nome do designado “burmese way for socialism”, um regime proto-maoista que brutalizou e empobreceu a população.

Aceites com muita relutância, os turistas só podiam obter vistos rigorosamente limitados a sete dias. Também só podiam circular em certas zonas, deslocar-se nos meios de transporte públicos e dormir e comer nos estabelecimentos do estado. Todos os transportes, hotéis e restaurantes utilizados tinham de ser registados, com carimbo oficial, num formulário entregue à chegada ao aeroporto de Rangoon para ser devolvido à saída. Todos os câmbios de dinheiro também, a começar pelos 100 dólares que eram obrigatoriamente trocados à entrada à taxa oficial de 1 dólar para 1 kyat (leia-se tchat). No mercado negro, a relação era de 1 dólar para 32 kyats.

Rangum, em 1988, era uma cidade sem trânsito, sem poluição atmosférica, sem lojas – tudo se vendia nas ruas em banquinhas improvisadas – sem néons publicitários da Coca-Cola nem American Express. A cidada estava praticamente como os ingleses a tinham deixado quarenta anos anos, ou seja, quase em ruínas. Dizem-me que desde então mudou radicalmente e que tem hotéis de luxo, néons e monumentos restaurados com o apoio do American Express. A população continua no entanto a sobreviver no limiar da pobreza.

Durante sete dias, percorremos (quatro turistas) o país na caixa coberta por um toldo de um “pick-up” (mais ou menos como o da fotografia) conduzido por dois birmaneses, que encaravam alegremente tamanho desafio às regras oficiais. As viagens eram feitas à noite para aproveitar os (poucos) dias. Circulámos em inúmeras zonas proibidas sem nunca cruzar outros turistas. Visitámos monumentos de cortar a respiração, como o templo dos dez mil budas ou o templo dos budas gigantes. Dormimos, comemos e conversámos com e como os birmaneses, um dos povos mais extraordinariamente acolhedores, calorosos e sorridentes que alguma vez cruzei, apesar da dureza das suas condições de vida.

Fomos defrontados com inúmeras barragens de polícia e mesmo do exército: de todas as vezes, a conversa, para nós incompreensível, dos nossos acompanhantes birmaneses – e imagino, alguns kyats – poupavam uma revista ao carro e a descoberta dos "clandestinos". Estranhamente, estes encontros passavam-se sem stress nem pânico como se a própria polícia fosse indiferente a tudo.

Ao longo da viagem, os formulários oficiais, que, além dos 100 dólares trocados à entrada, continuavam imaculados sem nenhum hotel nem restaurante inscrito, foram sendo objecto de um tratamento de choque. Por “acidente”, cairam regularmente em poças de lama, foram espezinhados, manchados de tinta e até chegaram a passar por baixo das rodas do “pick up”. À saída, de novo no aeroporto de Rangum, os quatro formulários tinham-se transformado em bocados de papel disformes, rasgados, esburacados, borrados e ilegíveis. Curiosamente, ninguém estranhou nem perguntou porquê. Acho mesmo que o polícia que me revistou nem sequer olhou para ele.

É certo que, nesse dia, a polícia e o exército estavam mais preocupados em despachar todos os turistas para fora do país do que em verificar o cumprimento das regras. É que, por coincidência, a nossa saída da Birmânia ocorreu a 8 de Agosto. O dia em que começou a repressão brutal dos protestos nas ruas e que provocou, nos dias seguintes, a morte de mais de 3 mil pessoas.

Por todo o país, os estudantes, que tinham iniciado os protestos algumas semanas antes, e os monges que os apoiavam, tinham deixado bem claro que o dia 8/8/88, altamente simbólico, seria decisivo no movimento de contestação. Também sabiam que era o dia mais perigoso de todo o movimento com todos os riscos de reacção do exército, até então relativamente calmo.

Sensíveis às apirações de mudança e à coragem dos manifestantes, muitos deles pouco mais do que adolescentes, desfilámos com eles nas barbas de soldados de arma apontada. Participámos nas vigílias no local altamente simbólico do budismo, o pagode Schwedagon, inteiramente rodeados de carros blindados repletos de soldados armados. A mensagem que recebíamos era sempre a mesma: é preciso contar “lá fora” o que se passa na Birmânia.

Só depois de aterrar em Bangkok, no dia 8 à noite, é que ficámos a saber que a polícia e o exército tinham carregado nessa mesma tarde sobre os manifestantes em Rangum matando mais de 100 pessoas. Nos dias que se seguiram, o número de vítimas ultrapassou os 3 mil.


Desde então, a brutalidade do regime manteve-se inalterada, perante a relativa indiferença do resto do Mundo. Desta vez, a visibilidade da repressão não permite ignorar o que se passa. Não sei qual é a solução para evitar um novo banho de sangue, mas provavelmente a China, o único país que mantém um simulacro de relações com a junta birmanesa, será igualmente o único com algum meio de pressão sobre o regime. É hora de o Mundo começar a fazer pressão sobre a China.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A propósito do que Portugal paga para a UE

Todos os que protestaram contra a injustiça de Portugal pagar mais do que os outros países da UE para o orçamento europeu - entre eles alguns comentadores deste blog, que não têm a obrigação de saber, mais o eurodeputado socialista Paulo Casaca, que tem a obrigação de saber - podem ficar descansados: Portugal não é, de facto, o maior contribuinte para Bruxelas.

Segundo dados publicados hoje pela Comissão Europeia, em 2006 a contribuição portuguesa para Bruxelas representou 0,85 por cento do nível de riqueza do país (Rendimento Nacional Bruto – RNB). Este valor está entre o mínimo de 0,75 e o máximo de 0,90 por cento do RNB registados nos outros países. (O Reino Unido tem uma situação absolutamente excepcional porque, graças ao seu "cheque", só paga o equivalente a 0,51 por cento do seu RNB).

Esta é mais uma prova de que o facto de a contribuição portuguesa de 2005 - 0,98 por cento do RNB - ter sido a mais elevada de toda a UE (quando comparada com o nível de riqueza), foi uma situação absolutamente pontual e extraordinária.

Em 2005, a contribuição portuguesa foi objecto de algumas correcções em resultado da revalorização do PIB operada em 2002 e 2003. Como a parte mais importante das contribuições nacionais é calculada com base no nível de riqueza dos Estados membros, uma revalorização do PIB implica um aumento correspondente do montante que o país em causa paga para Bruxelas. E como os acertos relativos aos dois anos foram concentrados em 2005, o resultado foi um aumento importante da contribuição desse ano.

No ano seguinte, voltou tudo à normalidade: a contribuição portuguesa regressou aos níveis médios dos Vinte e Sete. O que não quer dizer que o seu valor final não possa vir a ser corrigido nos próximos anos, em alta ou em baixa, em função de eventuais novos dados sobre a economia portuguesa. É que as contribuições nacionais são regularmente corrigidas para ter em conta um sem número de factores, das receitas do IVA ao valor do PIB.

Podemos dormir descansados: afinal não há injustiça.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Como os pequenos países se deixaram enganar

Era óbvio, mas sempre é melhor ouvi-lo directamente da fonte: a figura do presidente do Conselho Europeu (as cimeiras de lideres da UE), uma das grandes inovações da malograda Constituição Europeia (que transitará para o novo Tratado) não resultou de nenhuma tentativa de dar maior coerência à União Europeia.

Disse Jack Straw, um dos ministros mais importantes dos governos de Tony Blair e Gordon Brown, durante uma conferência de imprensa, esta semana, em Bruxelas: “o Reino Unido foi sempre um grande defensor do presidente do Conselho Europeu para proteger os Estados membros contra o poder da Comissão Europeia”.



Foi a primeira vez que ouvi uma confissão deste tipo de um responsável de um dos grandes países da UE. Porque foram eles – excepção feita da Alemanha, que hesitou até ao fim – que impuseram o presidente do Conselho Europeu. Primeiro, durante a Convenção que redigiu o projecto de Constituição; depois nas negociações formais entre os governos para a adopção do texto final.

O argumento era que o actual sistema das presidências semestrais rotativas entre todos os Estados não garante a coerência e a eficácia necessárias aos trabalhos da UE, pelo que deveria ser substituido por um presidente permanente, eleito pelos chefes de estado ou de governo por mandatos de dois anos e meio.

Pura mentira: este argumento leva a crer que cada país que assume a presidência semestral põe na gaveta o trabalho em curso para definir o seu próprio programa. Nada disso: o trabalho de uma presidência é largamente definido pela agenda europeia. Por exemplo, Portugal bem gostaria de não ter de encontrar um acordo entre os Vinte e Sete sobre o financiamento do Galileo (o sistema europeu de radionavegação por satélite), mas não pode: uma decisão terá de ser obrigatoriamente tomada a 1 de Outubro. Ou de poder evitar mediar as negociações para a independência do Kosovo. Mas também não pode.

Quanto muito, cada país pode colocar a ênfase numa ou noutra questão a que é mais sensível, como África para Portugal, ou a Russia para a Finlândia. Mas isso, longe de ser um problema, é uma grande vantagem para a UE e um sinal da sua diversidade.

Nas negociações para a Constituição, os pequenos países tentaram resistir ao presidente do conselho europeu. Mas, como bons políticos que são, mais interessados em vitórias de curto prazo no que numa boa causa, a maior parte dos seus responsáveis preferiu travar uma outra guerra: a da Comissão Europeia com um comissário por cada Estado membro.

Os grandes países começaram por fingir que resistiam para poderem, no fim da negociação, oferecer aos pequenos uma “vitória” capaz de ser vendida como tal às respectivas opiniões públicas. O que estes fizeram diligentemente. É preciso notar, no entanto, que a fórmula de um comissário por Estado membro, só vai vigorar até 2014. A partir daí, a Comissão passará a ter um formato reduzido (menos comissários que o número de países) embora o novo Tratado deva garantir, tal como a Constituição, o acesso à instituição com base numa rotação igualitária entre todos os Estados

Desta forma ficou consagrada no texto da Constituição uma séria entorse ao princípio da igualdade entre os Estados membros – o mesmo que o primeiro ministro da altura, Durão Barroso, se esforçou por ver inscrito nas suas disposições.

A única pessoa que denunciou alto e bom som o que estava escondido por trás do presidente do Conselho Europeu foi Ernâni Lopes, o representante pessoal de Barroso na Convenção Europeia.

De tal forma se opôs que passou a ser chamado pelos ingleses como “Mr. Never Ever”, algo traduzível por “nunca, jamais, em tempo algum”.
Para o ex-ministro das finanças, o presidente do Conselho Europeu, e o fim das presidências rotativas, representava o princípio do fim do carácter colegial da integração europeia, com todos os riscos inerentes que, do seu ponto de vista, se anunciam terríveis.

Moral da história: de que servirá aos pequenos países terem um membro na Comissão Europeia se o presidente do Conselho Europeu lá estará para lhe cortar as pernas, como muito bem disse Jack Straw?

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Os países menos desenvolvidos que se cuidem




Talvez os países relativamente mais pobres da União Europeia (UE) devam começar a preocupar-se um pouco com o futuro da política de coesão, aquela que está vocacionada para os ajudar a recuperar o seu atraso de desenvolvimento.

Antes de mais, porque no momento em que a Comissão Europeia lançou uma vasta consulta pública sobre a reforma do orçamento comunitário, não se ouve falar praticamente de coesão. Enquanto que a comissária da agricultura, Mariann Fischer-Boel, fervilha de ideias sobre a evolução desejável da Política Agrícola Comum (PAC), não é claro o que pensa a sua homóloga da coesão, Danuta Huebner, sobre o futuro dos fundos estruturais.

Mas o mais preocupante para os países menos desenvolvidos, é a equipa da comissária polaca. Depois da demissão de metade dos seus colaboradores mais próximos durante o verão – aparentemente em revolta contra o seu estilo - Danuta Huebner escolheu para novo chefe de gabinete um diplomata luxemburguês de nome Mark Lemaitre. E quem é este homem? Nada menos que o inventor da fórmula mágica que permitiu subtrair mais de 40 mil milhões de euros de fundos estruturais aos novos Estados membros do Leste nas negociações de 2005 para a definição do novo quadro orçamental plurianial da UE entre 2007 e 2013 (as chamadas “perspectivas financeiras” em europês).

Foi este artifício que permitiu realizar o essencial das economias exigidas pelos países mais ricos para poderem aceitar, finalmente, o acordo orçamental. A fórmula mágica de Lemaitre condicionava o montante indicativo a atribuir aos novos Estados membros ao PIB de cada um, de modo a determinar a respectiva “capacidade de absorção” dos fundos estruturais. O que significava que quanto mais pobre fosse um país, menos fundos receberia.

Que o Luxemburgo, na altura na presidência rotativa da UE, tivesse avançado com esta fórmula pouco elegante para os países mais pobres, estava na lógica dos mais ricos, dos quais alguns fizeram uma negociação vergonhosamente mesquinha.

Agora, que a comissária polaca escolha para chefe do seu gabinete o homem que penalizou os novos Estados membros – a começar pelo seu próprio país – é um mistério.

Para os países menos desenvolvidos, a escolha é muito mau sinal, porque esta é a equipa que vai conceber a política de coesão do futuro. O processo de reforma do orçamento não começou da melhor maneira.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Pensará Durão Barroso num segundo mandato em Bruxelas???




Durão Barroso introduziu uma ligeira inflexão no discurso sobre a possibilidade de prolongar a sua estadia em Bruxelas com um novo mandato como presidente da Comissão Europeia.

Ao longo do tempo, quando interrogado sobre a questão, o ex-primeiro ministro português respondia invariavelmente que não pensava no assunto, insistia em que ainda tem muito para fazer até ao fim do actual mandato (em Novembro de 2009) e garantia que nunca na vida fez planos a longo prazo.

Hoje, perante uma questão de um jornalista, durante uma conferência de imprensa, sobre o seu interesse em ficar em Bruxelas até 2014, Barroso só respondeu que não era o momento para falar do assunto. Não disse, no entanto, que não pensava nisso.

“A propósito do meu interesse por um segundo mandato, não me posso pronunciar nesta fase. Creio que é uma questão que não se coloca neste momento”, afirmou.

Antes de se pronunciar, Barroso quererá certamente concluir o gigantesco processo que hoje lançou para reformar em profundidade o orçamento comunitário. Se fôr tão ambicioso como afirma que pretende ser, este exercício mudará por completo as actuais políticas comunitárias, e, por essa via, a própria UE.

Este trabalho poderá muito bem vir a ser o legado do primeiro mandato de Durão Barroso em Bruxelas. Se lhe correr bem, a sua concretização poderá transformar-se no programa de trabalho do segundo.

A grande questão que se coloca agora é saber que grau de ambição o presidente da Comissão colocará neste exercício: quererá ele torná-lo num projecto visionário e gerador de consensos entre os Estados membros para o aprofundamento da integração europeia? Ou contentar-se-à com um mínimo denominador comum em torno de pequenas reformas que não causem grandes problemas aos governos nacionais para assegurar a sua recondução por mais cinco anos?

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Agora é a pena de morte...

Está visto: a Polónia parece mesmo apostada em estragar os planos da presidência portuguesa da UE: além das dificuldades que tem levantado ao Tratado europeu, agora decidiu bloquear a instituição de um dia europeu contra a pena de morte, a 10 de Outubro.

A ideia não é portuguesa, é do Conselho de Europa, mas Portugal aplaude e empenhou-se a fundo no processo, aproveitando para se orgulhar de ter sido o primeiro país europeu a acabar com a pena de morte.

Os polacos argumentam que não é preciso criar um dia contra qualquer coisa que já não existe em nenhum país da UE. Os outros países respondem que a questão não é essa e que o dia europeu pretende ser mais uma forma de reforçar a posição e os apelos da UE à abolição da pena capital a nível mundial.

Nada feito: os polacos estão inamovíveis, e não é sequer claro se poderão ou não suavizar a posição depois das eleições legislativas, dentro de algumas semanas. É que para Varsóvia, em vez da pena de morte, o que se deveria criar seria um dia a favor da defesa da vida em geral. O que equivaleria a condenar o aborto (legalizado em todos os países da UE com excepção da Polónia, Irlanda e Malta) e a eutanásia ...

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A visão europeia de Cavaco Silva

O momento forte da visita de dois dias que Cavaco Silva fez esta semana às instituições europeias foi um discurso durante a sessão plenária do Parlamento Europeu. Estes momentos solenes são geralmente aproveitados pelos convidados, europeus ou não, para afirmar a sua visão da Europa ou do Mundo, livres dos constrangimentos do curto prazo ou da negociação em curso. Ao longo dos anos foram ouvidos em Estrasburgo inúmeros discursos daqueles que fazem história porque rasgam horizontes, traçam caminhos, ou lançam desafios. Em suma, que separam as águas entre os homens de Estado com H grande e os outros.

Depois de ouvir o discurso do Presidente, bom, só posso concluir que não fará história: a sua visão da Europa reduz-se praticamente às aspirações, problemas e pequenas vitórias de Portugal.

Cavaco começou por defender de forma enfática a “solidariedade” europeia, a denominação politicamente correcta dos fundos estruturais de apoio às regiões mais desfavorecidas da UE, de que Portugal é um grande beneficiário. Depois insistiu na necessidade de combater a pobreza e exclusão social – áreas em que Portugal mantém, ano após ano, os piores indicadores de toda a UE - para concluir o que estamos todos fartos de saber: as velhas políticas redistributivas nacionais estão esgotadas. Curiosamente, não avançou qualquer nova pista para a resolução do problema.

De passagem, o Presidente não se esqueceu de referir a importância da Agenda de Lisboa para o reforço da competitividade da economia europeia; a Comissão Europeia de Durão Barroso; o imperativo de realização em Dezembro, em Lisboa, de uma cimeira euro-africana; e, last but not least, a necessidade de concluir o novo Tratado europeu na cimeira dos Vinte e Sete de 18 e 19 de Outubro, igualmente em Lisboa.

Será que é assim que se traduz a “especificidade portuguesa” na Europa de que os nossos lideres tanto se orgulham?

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Lá se vai o Tratado de Lisboa ...

Está visto que a Polónia está mesmo decidida a estragar a festa à presidência portuguesa da UE... Desta vez são as eleições legislativas antecipadas que estão em vias de impedir a conclusão de um acordo entre os Vinte e Sete países da UE sobre o novo Tratado europeu (reformador, de Lisboa, ou lá o que vier a chamar-se) durante a cimeira de Lisboa de 18 e 19 de Outubro.

Depois de ter dito cobras e lagartos contra o Tratado em Junho, quando os Vinte e Sete negociaram o respectivo mandato de negociação, como é que o primeiro ministro, Jaroslaw Kaczynski, poderá agora aceitar o seu conteúdo em plena campanha eleitoral?

O problema é que na melhor das hipóteses, as eleições decorrerão a 21 de Outubro; na pior, em Novembro (deveremos ficar a saber ao certo na sexta-feira).

Em Junho, a retórica de Kaczynski contra o Tratado – e concretamente contra o novo cálculo da maioria qualificada para as decisões do conselho de ministros da UE – resultou em grande parte das ameaças de abandono do governo por parte dos seus parceiros de coligação fortemente eurocépticos, a Liga das Famílias polacas e o partido Auto-Defesa.

A crise acabou por estalar em Agosto, e os três partidos estão agora em concorrência aberta para conquistar o eleitorado mais conservador e anti-europeu.

Alguém acredita que Jaroslaw poderá aceitar o Tratado nestas condições ?

Pelo menos Luis Amado, ministro dos negócios estrangeiros, parece não acreditar: “admito que a situação política interna [da Polónia] possa colocar alguns problemas, designadamente no calendário”, disse hoje em Estrasburgo.

Face à conhecida prudência extrema deste ministro, a afirmação é quase uma constatação de fracasso.

Já Cavaco Silva, igualmente em Estrasburgo, mostrou-se decididamente optimista: em sua opinião, o facto de a Polónia ter aceite em Junho, como os outros vinte e seis países, um mandato de negociação que previa um calendário de conclusão do processo na cimeira de Lisboa, significa que este terá de ser cumprido. “Os calendários europeus não podem ficar sujeitos aos actos eleitorais”, defendeu, convicto. Puro “wishfull thinking”...

Resta, claro, a cimeira de Dezembro, em Bruxelas, para a conclusão do Tratado, altura em que a crise polaca deverá estar resolvida. Só que se assim fôr, a presidência portuguesa da UE ficará praticamente reduzida às negociações institucionais, para grande frustração do governo. E o texto terá boas possibilidades de ficar conhecido como Tratado de Bruxelas e não de Lisboa, como a presidência gostaria

A menos que José Sócrates decida convocar nova cimeira extraordinária, de novo em Lisboa, logo a seguir à resolução da crise polaca para garantir o nome ...