O balanço da presidência europeia de Nicolas Sarkozy é um verdadeiro dilema.
Dificilmente se pode ficar indiferente perante um presidente que sabe o que quer e enfrenta os problemas de frente, arregaça as mangas quando é preciso, sacode regras e hábitos absurdos, e não hesita em colocar os recalcitrantes perante as suas responsabilidades - "Ai esta posição não é negociável? Então prepara-te para ir lá fora assumir a responsabilidade pelo fracasso" das negociações sobre o clima, contou o próprio Sarkozy que disse a um dos seus pares (provavelmente o primeiro ministro húngaro) durante a cimeira europeia da semana passada.
Para os jornalistas, é particularmente estimulante lidar com um responsável político com ideias claras que vai directo ao que interessa, e não esconde a sua incompetência ou falta de coragem política com conversas redondas a propósito de "processos", "dinâmicas", "consultas", "concertações" ou "reflexões", como costumam fazer muitos políticos que conhecemos bem demais
Os europeístas terão alguma dificuldade em não tirar o chapéu a uma presidência que, durante seis meses, fez a UE existir e sair-se menos mal de alguns dos problemas mais graves de sempre, e que, em tempo normal e com outro país ao leme, provavelmente se teria dividido em vinte e sete posições contraditórias.
O problema, o grande problema, é a visão da Europa de Nicolas Sarkozy. Mais a energia que já gastou enquanto presidente da UE - com algum sucesso, infelizmente - e vai continuar a gastar enquanto presidente francês, para lhe dar corpo.
A Europa de Sarkozy é a Europa dos Estados, onde, por definição, os grandes são preponderantes e os pequenos vão a reboque. O presidente francês nem sequer se preocupa em esconder que é essa mesmo a sua concepção, quando afirma, como fez esta semana no Parlamento Europeu, que "os grandes países da Europa não têm mais direitos que os pequenos, mas têm mais responsabilidades". Nomeadamente na tomada de iniciativas...
Os seis meses de presidência francesa deixaram claro que está em curso uma dura batalha pelo controle político da Europa e da construção europeia, que não vai ficar por aqui.
É bom que os pequenos países, e Portugal, cujos interesses estão bem mais savaguardados com a Europa comunitária - que, por definição, está virada para o interesse comum - comecem a tratar de si.
No caso português, pressupõe que os nossos políticos comecem a reflectir rapidamente sobre que tipo de Europa querem para Portugal, e sejam capazes de definir estratégias viradas para a defesa dos seus interesses estratégicos.
Pressupõe, depois, que procurem olhar um pouco mais longe do que os inevitáveis fundos estruturais, abram horizontes e deixem de se orientar unicamente pelos oráculos europeus do costume.
Pressupõe, ainda, que tratem de apresentar candidatos como deve ser às eleições para o Parlamento Europeu: gente capaz de perceber onde estão os interesses de Portugal e da UE, e de se bater com pés e cabeça por eles. E não os habituais amigos dos lideres partidários, os membros dos aparelhos ou os políticos incómodos ou em fim de carreira, que não têm nem ideia do que andam cá a fazer...
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Durão Barroso, estrela cadente?
É um mistério que por enquanto ainda não tem resposta: ao contrário do que estava previsto, a cimeira do PPE de ontem, quinta-feira, não confirmou Durão Barroso enquanto seu candidato para um segundo mandato de presidente da Comissão Europeia.
A questão não foi sequer abordada, quando os lideres do PPE tinham determinado na anterior reunião de Outubro que a decisão seria formalizada no seu encontro de Dezembro.
Ninguém conseguiu explicar realmente a razão deste silêncio, à parte uma desculpa esfarrapada sobre o facto de a reunião ter começado tarde e acabado cedo, para os primeiros ministros do PPE poderem ir para a cimeira de lideres da UE que começava logo a seguir. Ou que os partidos socialistas e liberais teriam pedido ao PPE para não partidarizarem excessivamente a candidatura de Barroso, que acabará por ser, provavelmente, apoiada por todos.
A única coisa que é certa é que Angela Merkel, chanceler alemã, não estava com a melhor das disposições para debater o tema. Pela simples razão que está muito, mas mesmo muito zanagada com o presidente da Comissão. E o seu estado de espírito não é de agora.
Berlim acusa Barroso de ter passado os últimos seis meses ostensivamente ao serviço de Nicolas Sarkozy, presidente francês, e actualmente da UE. A proximidade entre os dois homens não seria problemática para Berlim se Sarkozy não estivesse a travar uma verdadeira batalha pelo controle político da UE. Cada vez mais ao lado do primeiro ministro britânico, Gordon Brown, e cada vez mais contra a chanceler.
A gota de água no mau humor de Merkel foi o facto de Barroso ter participado no "Global European Summit" organizado por Gordon Brown, na segunda-feira 8 de Dezembro, em Londres. A presença dos convidados de honra, Barroso e Sarkozy, tornou gritante a ausência de Merkel, que pura e simplesmente não foi convidada.
A humilhação de Merkel foi tanto maior quanto a sua ausência foi publicamente lamentada pelo vice-chanceler e ministro dos negócios estrangeiros, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, que será o seu rival nas eleições legislativas de Setembro.
Enquanto se lembrar do vexame, dificilmente a chanceler terá grande vontade de voltar ao tema da recondução de Barroso. E ninguém tem dúvidas: se Merkel não quiser conferir-lhe um novo mandato, Barroso não terá o lugar...
A questão não foi sequer abordada, quando os lideres do PPE tinham determinado na anterior reunião de Outubro que a decisão seria formalizada no seu encontro de Dezembro.
Ninguém conseguiu explicar realmente a razão deste silêncio, à parte uma desculpa esfarrapada sobre o facto de a reunião ter começado tarde e acabado cedo, para os primeiros ministros do PPE poderem ir para a cimeira de lideres da UE que começava logo a seguir. Ou que os partidos socialistas e liberais teriam pedido ao PPE para não partidarizarem excessivamente a candidatura de Barroso, que acabará por ser, provavelmente, apoiada por todos.
A única coisa que é certa é que Angela Merkel, chanceler alemã, não estava com a melhor das disposições para debater o tema. Pela simples razão que está muito, mas mesmo muito zanagada com o presidente da Comissão. E o seu estado de espírito não é de agora.
Berlim acusa Barroso de ter passado os últimos seis meses ostensivamente ao serviço de Nicolas Sarkozy, presidente francês, e actualmente da UE. A proximidade entre os dois homens não seria problemática para Berlim se Sarkozy não estivesse a travar uma verdadeira batalha pelo controle político da UE. Cada vez mais ao lado do primeiro ministro britânico, Gordon Brown, e cada vez mais contra a chanceler.
A gota de água no mau humor de Merkel foi o facto de Barroso ter participado no "Global European Summit" organizado por Gordon Brown, na segunda-feira 8 de Dezembro, em Londres. A presença dos convidados de honra, Barroso e Sarkozy, tornou gritante a ausência de Merkel, que pura e simplesmente não foi convidada.
A humilhação de Merkel foi tanto maior quanto a sua ausência foi publicamente lamentada pelo vice-chanceler e ministro dos negócios estrangeiros, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, que será o seu rival nas eleições legislativas de Setembro.
Enquanto se lembrar do vexame, dificilmente a chanceler terá grande vontade de voltar ao tema da recondução de Barroso. E ninguém tem dúvidas: se Merkel não quiser conferir-lhe um novo mandato, Barroso não terá o lugar...
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Plano Barroso contra a recessão já só conta com 195 mil milhões
Estava na cara: os "suspeitos do costume" - Alemanha, Holanda e Suécia - apoiados desta vez pela Polónia, vetaram a possibilidade de utilização de 5 mil milhões de euros previstos no orçamento da Política Agrícola Comum (PAC), mas não utilizados, noutro tipo de investimentos no quadro de um plano de estímulo à economia, como infraestruturas energéticas ou internet de banda larga.
A recusa não é nova. Há anos que estes países se opõem terminantemente à transferência de dinheiro entre as diferentes rubricas do orçamento comunitário de modo a permitir uma utilização racional de eventuais "sobras". Nada disso: dinheiro não gasto é para ser devolvido às capitais. Apesar de se tratar de uma velha posição de princípio, é surpreendente que estes países se mantenham tão irredutíveis no actual contexto de crise económica.
É duvidoso que a cimeira de lideres da próxima semana (que terá de validar o plano), reponha o que os ministros das finanças retiraram.
O que significa, como referiu o ministro polaco das finanças, Jan Rostowski, que o plano Barroso "previa 200 mil milhões de euros, agora só conta com 195 mil milhões".
A recusa não é nova. Há anos que estes países se opõem terminantemente à transferência de dinheiro entre as diferentes rubricas do orçamento comunitário de modo a permitir uma utilização racional de eventuais "sobras". Nada disso: dinheiro não gasto é para ser devolvido às capitais. Apesar de se tratar de uma velha posição de princípio, é surpreendente que estes países se mantenham tão irredutíveis no actual contexto de crise económica.
É duvidoso que a cimeira de lideres da próxima semana (que terá de validar o plano), reponha o que os ministros das finanças retiraram.
O que significa, como referiu o ministro polaco das finanças, Jan Rostowski, que o plano Barroso "previa 200 mil milhões de euros, agora só conta com 195 mil milhões".
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Durão Barroso confirmado para segundo mandato já em Dezembro?
E se Durão Barroso fosse politicamente confirmado para um novo mandato de cinco anos já durante a cimeira de líderes da União Europeia (UE) de 11 e 12 de Dezembro?
Este calendário, que representaria uma antecipação de seis meses do processo de nomeação do presidente da Comissão Europeia, tem vários adeptos nos meios comunitários, a começar pela actual presidência francesa da UE.
Nicolas Sarkozy, Presidente francês, nunca escondeu que gostaria de liderar durante a sua presidência europeia o processo de nomeação dos cargos que, à luz do Tratado de Lisboa, deveriam ser preenchidos até Junho de 2009, com base num "pacote" assegurando um certo equilíbrio entre famílias políticas e nacionalidades.
Esta pretensão, que não desapareceu com o previsível adiamento da entrada em vigor do Tratado, vai fazendo o seu caminho.
O grande argumento a favor de uma confirmação rápida de Barroso tem a ver com a necessidade de evitar uma perda de influência da UE durante a primeira metade de 2009, em contraste com a forte liderança exercida pela presidência francesa ao longo deste semestre. Nessa altura, a Comissão, o Parlamento Europeu (PE) e o alto-representante para a Política Externa estarão em fim de mandato, com uma capacidade de acção inevitavelmente reduzida. Ao mesmo tempo, a UE será presidida pela República Checa, cuja falta de experiência, imprevisibilidade e eurocepticismo começam verdadeiramente a assustar as outras capitais.
A ideia de confirmar Barroso já em Dezembro destinar-se-ia precisamente a garantir que pelo menos uma instituição estaria a funcionar em pleno graças à perspectiva de continuidade, podendo, ao mesmo tempo, "enquadrar a presidência checa e falar em nome da UE de uma forma um pouco mais credível", segundo um diplomata europeu.
Legalmente, o presidente da Comissão só pode ser escolhido pelos líderes dos Vinte e Sete - e confirmado pelo PE - depois das eleições europeias de Junho de 2009 e em função dos seus resultados. Mesmo assim, nada impede Sarkozy de expressar oralmente o apoio político dos Vinte e Sete à continuidade de Barroso, embora salvaguardando que a decisão formal só será tomada pela cimeira prevista logo a seguir às eleições. Este cenário corre sempre o risco de ser rejeitado pelo PE por representar uma inversão do processo.
"Não há soluções perfeitas", reconhece Antonio Missiroli, director do European Policy Centre, um influente think tank europeu, considerando no entanto que a confirmação rápida de Barroso seria a "menos má". Sem isso, refere, "a sua conduta na primeira metade de 2009 corre o risco de ser interpretada à luz da sua ambição pessoal". Ao mesmo tempo, se a decisão for adiada para Junho, "a sua nomeação corre o risco de ocorrer num contexto pós-eleitoral muito negativo e antieuropeu", o que será "terrível" para a instituição e o seu presidente. Podendo mesmo custar-lhe o lugar, se os responsáveis europeus chegarem à conclusão de que será necessária uma renovação.
Apesar de a possibilidade de uma decisão em Dezembro não estar confirmada, e poder mesmo nunca se concretizar, vários sinais parecem apontar nesse sentido.
O mais importante foi dado pelos líderes do PPE, a federação dos partidos conservadores (maioritária na UE e que integra o PSD português) durante a reunião realizada a 15 de Outubro imediatamente antes da cimeira dos Vinte e Sete: por iniciativa - algo inesperada - de Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo, os líderes presentes expressaram um apoio de princípio à continuação de Barroso, embora adiando para a cimeira do PPE de Dezembro (que antecederá de novo a dos Vinte e Sete) uma decisão formal na matéria. Esta decisão resulta da convicção de que os partidos membros do PPE ganharão uma vez mais as eleições, podendo, como em 2004, voltar a escolher o presidente da Comissão nas duas fileiras. E, mesmo se o actual titular não suscita um entusiasmo de maior, o próprio PPE sabe que não tem por agora grandes alternativas.
Uma das grandes incógnitas que pesam sobre o cenário de Dezembro, tem a ver com Angela Merkel, chanceler alemã que apreciou pouco ter sido apanhada de surpresa com a questão da presidência da Comissão em Outubro. Merkel não estará particularmente satisfeita com o que é visto em Berlim como uma "colagem" excessiva de Barroso ao Presidente francês na gestão da crise económica e financeira. Sobretudo quando o sem número de iniciativas assumidas por Sarkozy, sem a habitual concertação prévia com a principal aliada, tem colocado regularmente a chanceler em dificuldades.
Já o apoio dos líderes socialistas não parece suscitar grandes dificuldades, quer por estarem conscientes de que não serão a força mais votada em Junho mas, também, porque não conseguem por agora pôr-se de acordo sobre uma candidatura alternativa. Pelo menos três chefes de governo socialistas já exprimiram aliás um apoio sonoro espontâneo à continuação de Barroso - além de José Sócrates, o finlandês Matti Vanhanen, e o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero.
Há quem pense mesmo que os socialistas se associarão sem dificuldades de maior à continuação de Barroso se obtiverem como contrapartida o cargo de alto-representante para a Política Externa para um dos seus.
PS 1 - Este texto foi hoje publicado no PÚBLICO, mas reproduzo-o aqui para o caso de não estar disponível na edição online do jornal.
PS 2 - Por lapso, não saiu na notícia em causa quais são os governos liderados pelo PPE, o que é uma lacuna imperdoável que prejudica a compreensão do artigo (e para a qual pelo desculpa). Os países da UE governados por primeiros ministros do PPE são: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Polónia, Malta e Roménia.
Este calendário, que representaria uma antecipação de seis meses do processo de nomeação do presidente da Comissão Europeia, tem vários adeptos nos meios comunitários, a começar pela actual presidência francesa da UE.
Nicolas Sarkozy, Presidente francês, nunca escondeu que gostaria de liderar durante a sua presidência europeia o processo de nomeação dos cargos que, à luz do Tratado de Lisboa, deveriam ser preenchidos até Junho de 2009, com base num "pacote" assegurando um certo equilíbrio entre famílias políticas e nacionalidades.
Esta pretensão, que não desapareceu com o previsível adiamento da entrada em vigor do Tratado, vai fazendo o seu caminho.
O grande argumento a favor de uma confirmação rápida de Barroso tem a ver com a necessidade de evitar uma perda de influência da UE durante a primeira metade de 2009, em contraste com a forte liderança exercida pela presidência francesa ao longo deste semestre. Nessa altura, a Comissão, o Parlamento Europeu (PE) e o alto-representante para a Política Externa estarão em fim de mandato, com uma capacidade de acção inevitavelmente reduzida. Ao mesmo tempo, a UE será presidida pela República Checa, cuja falta de experiência, imprevisibilidade e eurocepticismo começam verdadeiramente a assustar as outras capitais.
A ideia de confirmar Barroso já em Dezembro destinar-se-ia precisamente a garantir que pelo menos uma instituição estaria a funcionar em pleno graças à perspectiva de continuidade, podendo, ao mesmo tempo, "enquadrar a presidência checa e falar em nome da UE de uma forma um pouco mais credível", segundo um diplomata europeu.
Legalmente, o presidente da Comissão só pode ser escolhido pelos líderes dos Vinte e Sete - e confirmado pelo PE - depois das eleições europeias de Junho de 2009 e em função dos seus resultados. Mesmo assim, nada impede Sarkozy de expressar oralmente o apoio político dos Vinte e Sete à continuidade de Barroso, embora salvaguardando que a decisão formal só será tomada pela cimeira prevista logo a seguir às eleições. Este cenário corre sempre o risco de ser rejeitado pelo PE por representar uma inversão do processo.
"Não há soluções perfeitas", reconhece Antonio Missiroli, director do European Policy Centre, um influente think tank europeu, considerando no entanto que a confirmação rápida de Barroso seria a "menos má". Sem isso, refere, "a sua conduta na primeira metade de 2009 corre o risco de ser interpretada à luz da sua ambição pessoal". Ao mesmo tempo, se a decisão for adiada para Junho, "a sua nomeação corre o risco de ocorrer num contexto pós-eleitoral muito negativo e antieuropeu", o que será "terrível" para a instituição e o seu presidente. Podendo mesmo custar-lhe o lugar, se os responsáveis europeus chegarem à conclusão de que será necessária uma renovação.
Apesar de a possibilidade de uma decisão em Dezembro não estar confirmada, e poder mesmo nunca se concretizar, vários sinais parecem apontar nesse sentido.
O mais importante foi dado pelos líderes do PPE, a federação dos partidos conservadores (maioritária na UE e que integra o PSD português) durante a reunião realizada a 15 de Outubro imediatamente antes da cimeira dos Vinte e Sete: por iniciativa - algo inesperada - de Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo, os líderes presentes expressaram um apoio de princípio à continuação de Barroso, embora adiando para a cimeira do PPE de Dezembro (que antecederá de novo a dos Vinte e Sete) uma decisão formal na matéria. Esta decisão resulta da convicção de que os partidos membros do PPE ganharão uma vez mais as eleições, podendo, como em 2004, voltar a escolher o presidente da Comissão nas duas fileiras. E, mesmo se o actual titular não suscita um entusiasmo de maior, o próprio PPE sabe que não tem por agora grandes alternativas.
Uma das grandes incógnitas que pesam sobre o cenário de Dezembro, tem a ver com Angela Merkel, chanceler alemã que apreciou pouco ter sido apanhada de surpresa com a questão da presidência da Comissão em Outubro. Merkel não estará particularmente satisfeita com o que é visto em Berlim como uma "colagem" excessiva de Barroso ao Presidente francês na gestão da crise económica e financeira. Sobretudo quando o sem número de iniciativas assumidas por Sarkozy, sem a habitual concertação prévia com a principal aliada, tem colocado regularmente a chanceler em dificuldades.
Já o apoio dos líderes socialistas não parece suscitar grandes dificuldades, quer por estarem conscientes de que não serão a força mais votada em Junho mas, também, porque não conseguem por agora pôr-se de acordo sobre uma candidatura alternativa. Pelo menos três chefes de governo socialistas já exprimiram aliás um apoio sonoro espontâneo à continuação de Barroso - além de José Sócrates, o finlandês Matti Vanhanen, e o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero.
Há quem pense mesmo que os socialistas se associarão sem dificuldades de maior à continuação de Barroso se obtiverem como contrapartida o cargo de alto-representante para a Política Externa para um dos seus.
PS 1 - Este texto foi hoje publicado no PÚBLICO, mas reproduzo-o aqui para o caso de não estar disponível na edição online do jornal.
PS 2 - Por lapso, não saiu na notícia em causa quais são os governos liderados pelo PPE, o que é uma lacuna imperdoável que prejudica a compreensão do artigo (e para a qual pelo desculpa). Os países da UE governados por primeiros ministros do PPE são: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Polónia, Malta e Roménia.
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quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Cartel do vidro apanha multa astronómica
1 383,9 milhões de euros: a maior multa de sempre foi ontem aplicada pela Comissão Europeia a quatro fabricantes de vidros para automóveis, por terem acordado entre si uma partilha dos mercados e a fixação dos preços durante cinco anos. É um novo episódio na guerra sem quartel que Bruxelas declarou aos cartéis entre empresas, terminantemente proibidos pelo direito da concorrência.
As empresas em causa, que representam 90 por cento do mercado europeu, são a francesa Saint-Gobain (lider do cartel, que terá de pagar 896 milhões de euros), a britânica Pilkington (370 milhões), a japonesa Asahi (113,5 milhões) e a belga Soliver (4,4 milhõe).
As empresas em causa, que representam 90 por cento do mercado europeu, são a francesa Saint-Gobain (lider do cartel, que terá de pagar 896 milhões de euros), a britânica Pilkington (370 milhões), a japonesa Asahi (113,5 milhões) e a belga Soliver (4,4 milhõe).
O fim de um mito
Hoje é um grande dia para a Europa: a partir de Julho, vamos passar a poder consumir pepinos curvos, cenouras tortas, ou maçãs com bossas. Acabou-se a obrigação de calibragem dos frutos e legumes, o que permitirá a novos produtos de todas as formas e feitios regressar às prateleiras dos supermercados, mercearias, e por aí fora. É suposto os consumidores ganharem com a operação, através do acesso a produtos de menor valor comercial, logo mais baratos, que actualmente vão para a transformação ou para o lixo.
Com esta decisão, chega ao fim um dos maiores e mais arreigados mitos da história da UE, segundo o qual as normas de calibragem foram inventadas pela fúria reguladora dos burocratas de Bruxelas. Nada mais falso. A calibragem, como muitas outras decisões de harmonização das normas nacionais, foi decidida por exigência dos Estados membros como contrapartida para a abertura dos seus mercados à livre circulação de produtos no espaço comunitário.
Antes da criação do mercado interno sem fronteiras, cada país da UE tinha as suas próprias regras de comercialização para todos os produtos imagináveis, que funcionavam, muitas vezes, como barreiras proteccionistas contra a concorrência dos países vizinhos.
Para convencer os Estados a abrir as fronteiras, o compromisso encontrado foi uma harmonização mínima das regras ao nível europeu. O que resultou nas actuais normas comunitárias, que impõem determinadas características em termos de cor ou dimensão aos produtos comercializados no mercado interno.
Curiosamente, este reflexo proteccionista repete-se agora face à concorrência dos países terceiros. José Burnay, presidente da Federação Nacional de Produtores de Fruta e Hortícolas manifestou-se contra a medida (em declarações à Lusa) afirmando que sem a calibragem o mercado nacional será “invadido por produtos de menor qualidade provenientes de países que produzem em contra estação, nomeadamente de países do hemisfério sul”.
Luis Mira, secretário-geral da CAP (Confederação dos agricultores de Portugal) disse praticamente a mesma coisa (igualmente em declarações à Lusa): a medida “vai prejudicar os consumidores porque vai permitir a entrada de produtos de outros países que não da União Europeia que não estão normalizados”. Também prejudica a vida aos produtores e consumidores porque deixam de ter "pontos de referência que permitam comparar preços”.
Não foi por acaso, aliás, que a decisão da Comissão contou com os votos negativos de dezasseis países e a aprovação de apenas nove. Dois, incluindo Portugal, abstiveram-se. (Os votos negativos não foram suficientes para atingir a maioria qualificada que seria necessária para rejeitar a proposta).
Com esta decisão, chega ao fim um dos maiores e mais arreigados mitos da história da UE, segundo o qual as normas de calibragem foram inventadas pela fúria reguladora dos burocratas de Bruxelas. Nada mais falso. A calibragem, como muitas outras decisões de harmonização das normas nacionais, foi decidida por exigência dos Estados membros como contrapartida para a abertura dos seus mercados à livre circulação de produtos no espaço comunitário.
Antes da criação do mercado interno sem fronteiras, cada país da UE tinha as suas próprias regras de comercialização para todos os produtos imagináveis, que funcionavam, muitas vezes, como barreiras proteccionistas contra a concorrência dos países vizinhos.
Para convencer os Estados a abrir as fronteiras, o compromisso encontrado foi uma harmonização mínima das regras ao nível europeu. O que resultou nas actuais normas comunitárias, que impõem determinadas características em termos de cor ou dimensão aos produtos comercializados no mercado interno.
Curiosamente, este reflexo proteccionista repete-se agora face à concorrência dos países terceiros. José Burnay, presidente da Federação Nacional de Produtores de Fruta e Hortícolas manifestou-se contra a medida (em declarações à Lusa) afirmando que sem a calibragem o mercado nacional será “invadido por produtos de menor qualidade provenientes de países que produzem em contra estação, nomeadamente de países do hemisfério sul”.
Luis Mira, secretário-geral da CAP (Confederação dos agricultores de Portugal) disse praticamente a mesma coisa (igualmente em declarações à Lusa): a medida “vai prejudicar os consumidores porque vai permitir a entrada de produtos de outros países que não da União Europeia que não estão normalizados”. Também prejudica a vida aos produtores e consumidores porque deixam de ter "pontos de referência que permitam comparar preços”.
Não foi por acaso, aliás, que a decisão da Comissão contou com os votos negativos de dezasseis países e a aprovação de apenas nove. Dois, incluindo Portugal, abstiveram-se. (Os votos negativos não foram suficientes para atingir a maioria qualificada que seria necessária para rejeitar a proposta).
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Referendar a Constituição nacional em vez do Tratado de Lisboa
A Irlanda está sob uma pressão cada vez maior dos seus pares da União Europeia (UE) para proceder rapidamente à ratificação do Tratado de Lisboa, de preferência bem antes das eleições europeias de Junho de 2009.
Este calendário poderia ser cumprido, de acordo com peritos comunitários, se Dublin optasse por referendar a Constituição nacional alterada com as áreas em que pretende preservar a soberania nacional, em vez do Tratado, que poderia assim ser ratificado pelo parlamento.
Esta eventualidade permitiria resolvercom relativa rapidez o impasse em que o texto europeu se encontra desde que os irlandeses o recusaram em Junho passado, em referendo, e que impede a sua entrada em vigor em toda a UE.
Brian Cowen, primeiro ministro irlandês, está sob uma forte pressão dos seus pares, sobretudo da presidência francesa da UE, para apresentar propostas de solução para o impasse na cimeira de lideres dos Vinte e Sete de 11 e 12 de Dezembro. Tudo indica que chefe do governo irlandês pedirá alguns ajustes ao Tratado sob a forma de declarações interpretativas que deixem claro que o seu país poderá manter a neutralidade militar e a proibição do aborto, e manterá um direito de veto em todas as propostas de natureza fiscal, que continuam a ser decididas na UE por unanimidade.
Mesmo com estes ajustes, Cowen já deixou claro que não estará em condições de convocar um novo referendo ao Tratado, capaz de inverter o resultado do primeiro, antes do Outono de 2009.
Este prazo tem sobretudo a ver com a gravidade da crise económica que o país atravessa: a Irlanda foi o primeiro país da UE que entrou em recessão e terá este ano e no próximo o mais elevado défice orçamental da zona euro.
A generalidade dos seus parceiros reconhece que uma crise económica não é o melhor contexto para realizar um novo referendo, conscientes do risco de o Tratado ser rejeitado por uma maioria ainda maior que os 53 por cento de Junho e ficar, assim, definitivamente enterrado.
Para vários países, no entanto, o calendário preferido por Cowen, que não permitiria a entrada em vigor do Tratado antes de 1 de Janeiro de 2010, suscita uma série de complicações institucionais, nomeadamente no que se refere à renovação da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu cujos mandatos terminam em 2009. O que significa, igualmente, que os dois novos cargos de presidente do conselho europeu (as cimeiras de lideres) e a versão reforçada do alto representante para a política externa, as grandes novidades institucionais do Tratado, também não poderiam ser criados antes dessa data.
Este cenário representa para vários governos um problema real à luz da experiência da actual presidência francesa da UE, que, ao ter de resolver duas graves crises – a guerra entre a Rússia e a Geórgia e o risco de derrocada do sistema financeiro mundial – provou a necessidade urgente de criação de um presidente permanente forte em vez das presidências semestrais rotativas entre todos os países.
É neste contexto que vários países, a começar pela presidência francesa estão a exercer uma forte mas discreta pressão sobre Dublin para inverter os processos, o que, em sua opinião, poderá ser concretizado nos primeiros meses de 2009 de forma a que o Tratado entre em vigor antes das eleições de Junho.
A ideia seria o governo de Cowen “inscrever na Constituição nacional todas as garantias consideradas necessárias, e submetê-la a referendo”, explicou ao PÚBLICO um dos autores da proposta, sob condição de anonimato. “Porque razão é que as pessoas votariam contra uma Constituição que consagrasse todas as garantias pretendidas? Desta forma a ratificação poderia ser feita no Parlamento, o que resolveria o Tratado de Lisboa, mas, igualmente, todos os futuros Tratados – porque este não será o último. Os irlandeses deixariam de ser obrigados, em cada novo Tratado, a fazer um referendo para exprimir de novo os mesmos receios. Ficaria tudo resolvido de uma vez por todas. E a Irlanda ficaria à vontade na UE, porque terá inscrito na sua Constituição o que espera da Europa e os pontos sobre os quais considera que guarda uma soberania plena”, explicou.
A grande dúvida é saber se Brian Cowen estará em condições de aceitar a sugestão, que teria de todos os modos de ser apresentada como uma iniciativa sua e não o resultado de uma pressão europeia. Vários países consideram que, em plena e abrupta quebra de popularidade do seu governo, o primeiro ministro não terá a força política suficiente para impor uma solução deste tipo. Outros consideram, pelo contrário, que Cowen tem uma oportunidade única para dar este passo: basta-lhe mostrar à sua opinião pública as enormes vantagens de pertencer ao euro, sem os quais a sua economia teria sofrido o mesmo risco que a Islândia, país exterior à UE, de entrar em bancarrota.
Este calendário poderia ser cumprido, de acordo com peritos comunitários, se Dublin optasse por referendar a Constituição nacional alterada com as áreas em que pretende preservar a soberania nacional, em vez do Tratado, que poderia assim ser ratificado pelo parlamento.
Esta eventualidade permitiria resolvercom relativa rapidez o impasse em que o texto europeu se encontra desde que os irlandeses o recusaram em Junho passado, em referendo, e que impede a sua entrada em vigor em toda a UE.
Brian Cowen, primeiro ministro irlandês, está sob uma forte pressão dos seus pares, sobretudo da presidência francesa da UE, para apresentar propostas de solução para o impasse na cimeira de lideres dos Vinte e Sete de 11 e 12 de Dezembro. Tudo indica que chefe do governo irlandês pedirá alguns ajustes ao Tratado sob a forma de declarações interpretativas que deixem claro que o seu país poderá manter a neutralidade militar e a proibição do aborto, e manterá um direito de veto em todas as propostas de natureza fiscal, que continuam a ser decididas na UE por unanimidade.
Mesmo com estes ajustes, Cowen já deixou claro que não estará em condições de convocar um novo referendo ao Tratado, capaz de inverter o resultado do primeiro, antes do Outono de 2009.
Este prazo tem sobretudo a ver com a gravidade da crise económica que o país atravessa: a Irlanda foi o primeiro país da UE que entrou em recessão e terá este ano e no próximo o mais elevado défice orçamental da zona euro.
A generalidade dos seus parceiros reconhece que uma crise económica não é o melhor contexto para realizar um novo referendo, conscientes do risco de o Tratado ser rejeitado por uma maioria ainda maior que os 53 por cento de Junho e ficar, assim, definitivamente enterrado.
Para vários países, no entanto, o calendário preferido por Cowen, que não permitiria a entrada em vigor do Tratado antes de 1 de Janeiro de 2010, suscita uma série de complicações institucionais, nomeadamente no que se refere à renovação da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu cujos mandatos terminam em 2009. O que significa, igualmente, que os dois novos cargos de presidente do conselho europeu (as cimeiras de lideres) e a versão reforçada do alto representante para a política externa, as grandes novidades institucionais do Tratado, também não poderiam ser criados antes dessa data.
Este cenário representa para vários governos um problema real à luz da experiência da actual presidência francesa da UE, que, ao ter de resolver duas graves crises – a guerra entre a Rússia e a Geórgia e o risco de derrocada do sistema financeiro mundial – provou a necessidade urgente de criação de um presidente permanente forte em vez das presidências semestrais rotativas entre todos os países.
É neste contexto que vários países, a começar pela presidência francesa estão a exercer uma forte mas discreta pressão sobre Dublin para inverter os processos, o que, em sua opinião, poderá ser concretizado nos primeiros meses de 2009 de forma a que o Tratado entre em vigor antes das eleições de Junho.
A ideia seria o governo de Cowen “inscrever na Constituição nacional todas as garantias consideradas necessárias, e submetê-la a referendo”, explicou ao PÚBLICO um dos autores da proposta, sob condição de anonimato. “Porque razão é que as pessoas votariam contra uma Constituição que consagrasse todas as garantias pretendidas? Desta forma a ratificação poderia ser feita no Parlamento, o que resolveria o Tratado de Lisboa, mas, igualmente, todos os futuros Tratados – porque este não será o último. Os irlandeses deixariam de ser obrigados, em cada novo Tratado, a fazer um referendo para exprimir de novo os mesmos receios. Ficaria tudo resolvido de uma vez por todas. E a Irlanda ficaria à vontade na UE, porque terá inscrito na sua Constituição o que espera da Europa e os pontos sobre os quais considera que guarda uma soberania plena”, explicou.
A grande dúvida é saber se Brian Cowen estará em condições de aceitar a sugestão, que teria de todos os modos de ser apresentada como uma iniciativa sua e não o resultado de uma pressão europeia. Vários países consideram que, em plena e abrupta quebra de popularidade do seu governo, o primeiro ministro não terá a força política suficiente para impor uma solução deste tipo. Outros consideram, pelo contrário, que Cowen tem uma oportunidade única para dar este passo: basta-lhe mostrar à sua opinião pública as enormes vantagens de pertencer ao euro, sem os quais a sua economia teria sofrido o mesmo risco que a Islândia, país exterior à UE, de entrar em bancarrota.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Gordon Brown, europeísta? Really?
É o mais recente fenómeno de moda: Gordon Brown, primeiro ministro britânico, passou em escassos dias de vilão eurocéptico a herói europeu.
Esta mudança de estatuto deve-se ao seu plano de estabilização do sistema financeiro que permitirá ao governo de Sua Majestade injectar até 500 mil milhões de libras no sector, entre garantias dos empréstimos e reforço da liquidez dos bancos. O resto da Europa seguiu-lhe os passos, dispondo-se a mobilizar um montante astronómico de quase 2.000 mil milhões de euros. Logo seguido dos Estados Unidos.
Por todo o lado choveram elogios: Gordon, o eurocéptico, concebeu o plano que uniu a Europa e salvou o Mundo. Admitamos que assim foi. Mas não há que perder de vista que Brown não inventou nada: o seu plano era precisamente o que muitos dos grandes especialistas mundiais sempre defenderam, incluindo muitos dos críticos do plano Paulson I por privilegiar a aquisição de activos tóxicos dos bancos, ligados aos empréstimos subprime e títulos decorrentes, em vez de procurar garantir, precisamente, as operações dos bancos.
Além da bondade intrínseca do plano, será que os europeus tinham alternativa? Quando o país com o maior e mais poderoso sector financeiro da Europa desencadeia uma operação desta envergadura, poderão os outros cruzar os braços, ou fazer diferente, sem correrem o risco de assistir a uma fuga em massa dos seus capitais para as ilhas britânicas?
Recorde-se, por outro lado, que o primeiro país a aplicar o “plano Brown”, pelo menos na parte das garantias dos empréstimos dos bancos, foi a Irlanda, duas semanas antes, e para grande irritação de Brown, que não se cansou de denunciar e criticar a “concorrência desleal” de Dublin e o novo poder de atracção dos bancos irlandeses sobre os capitais britânicos. Até acabar por fazer o mesmo.
Além da chuva de elogios aos ingleses, muitos comentadores saudaram por outro lado o novo “europeísmo” de Brown, por ter, alegadamente, traçado uma nova missão para a UE: a concepção e defesa da refundação do sistema financeiro internacional, no quadro de um novo Bretton Woods.
Os mais entusiastas consideraram mesmo que este processo, e a crise financeira em geral, poderá fornecer a grande oportunidade de reconversão europeísta do Reino Unido e mesmo, quem sabe, da sua adesão ao euro. Permitam-me que duvide. Dificilmente o homem que impediu durante a primeira metade do mandato de Tony Blair qualquer tentativa de aproximação britânica ao euro terá agora mudado de posição.
Pelo contrário: segundo afirma o meu amigo Peter Ludlow, um dos melhores analistas da realidade europeia, Brown não quer de modo algum conferir à UE um papel de relevo neste processo. O seu modelo baseia-se, pelo contrário, no reforço do G8 no plano internacional – e obviamente dos seus quatro membros europeus: França, Alemanha, Reino Unido e Itália – de modo a manter, e se possível reforçar, a sua proeminência entre os Vinte e Sete.
Para perceber que assim é, basta ver as reacções dos ingleses de cada vez que alguém ousa defender que deveria ser a UE, e não os países a título individual, a falar em nome da Europa nas organizações internacionais, do G8 ao FMI. Ou olhar para a longa intervenção que Brown fez na última cimeira de lideres da UE (15 e 16 de Outubro) sobre a reforma do sistema financeiro internacional, em que a UE não é nem uma vez mencionada.
Infelizmente para os outros países, esta perspectiva tem boas possibilidades de encontrar um eco em França. Não imediatamente, porque o seu presidente Nicolas Sarkozy, está profundamente empenhado no reforço do papel da presidência francesa da UE. Mas quando terminar a missão, no fim de Dezembro, será que Sarkozy se resignará a voltar a ser um entre Vinte e Sete e a ver a UE conduzida pela República Checa? É duvidoso.
Fazer com que os grandes países se mantenham no jogo europeu e não tentem cavalgar sozinhos, tem boas probabilidades de ser o grande desafio que a UE vai ter de enfrentar e resolver nos próximos tempos.
PS: depois de escrever este 'post' vi no 'Le Monde' que Sarkozy pondera a possibilidade de prolongar a sua presidência da UE assumindo a liderança, ao nível de chefes de Estado e de Governo, do Eurogrupo, o fórum informal de coordenação das políticas económicas da zona euro. Actualmente, esta instância só se reúne (uma vez por mês) ao nível dos ministros das finanças. Sarkozy descobriu "estupefacto" que, desde o lançamento do euro, em 1999, o Eurogrupo só se reuniu uma única vez ao nível de chefes de Estado ou de Governo, a 12 de Outubro passado para aprovar o plano de salvamento do sector financeiro. Convicto de que a pilotagem política que quer conferir a esta instância está muito acima do nível dos ministros das finanças, Sarkozy quer institucionalizar as reuniões ao nível dos lideres. E, possivelmente, assumir a liderança desta formação durante pelo menos um ano. Sobretudo porque a UE será presidida em 2009 por dois países exteriores à zona euro, a República Checa e a Suécia...
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Gordon Brown,
Instituições europeias
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Esqueçam o plano Paulson europeu
Não é a criação ou não de um fundo europeu para salvar os bancos em risco de falência que impede a Europa de ter uma resposta comum para a actual crise.
A oportunidade e necessidade de criação do dito fundo divide os analistas, mas mesmo os responsáveis europeus mais “comunitários” reconhecem que é praticamente impossível fazê-lo.
Primeiro, porque a UE não tem um orçamento federal de onde retirar o fundo. Segundo, porque mesmo que seguisse a proposta holandesa de o alimentar com 3 por cento do PIB de cada país, dificilmente os Vinte e Sete conseguiriam pôr-se de acordo sobre quais seriam os bancos “sistémicos”que dele poderiam beneficiar.
O maior banco da Letónia, país da UE exterior à eurolândia é sistémico? Todos os bancos alemães, ou ingleses, são sistémicos? Ou, por exemplo, será que os problemas do banco X ou Y são de solvabilidade – resultante de uma eventual má gestão – ou de liquidez? Aliás, na ausência de um regulador comum europeu, que confiança poderão ter os Estados na regulação que foi feita ao longo dos anos pelo país vizinho?
Aliás, não precisamos de ir mais longe: mesmo em Portugal, o ministro das finanças disse que a questão da relevância sistémica dos bancos nacionais será avaliada caso a caso, em função da situação. Um erro, do meu ponto de vista: todos os bancos deveriam ser considerados sistémicos, senão, onde está a confiança?
Mas basta projectarmos o discurso de Teixeira dos Santos para o contexto europeu: de cada vez que um banco estivesse em risco de falência, ainda a discussão estaria no adro ao nível dos Vinte e Sete e já o dito banco estaria de rastos. Imaginem o descalabro...
Por isso, quanto mais os europeus falarem de fundo ou não fundo, pior é a imagem que dão para o exterior, precisamente o contrário do discurso de serenidade e confiança que afirmam querer assumir.
Dito isto, mesmo sem fundo, nada impede os europeus de terem uma resposta comum para a crise. Bastaria, por exemplo, que todos assumissem o mesmo discurso sem ambiguidades, em torno de dois eixos centrais: todos os depósitos estão garantidos e todos os bancos solventes com problemas de liquidez serão salvos. Se necessário, com a ajuda dos outros países da UE.
Sem estas garantias, como é que podem esperar injectar confiança no sistema financeiro?
Mesmo se o salvamento dos bancos será sempre uma responsabilidade nacional, a preservação da totalidade do sistema financeiro é do interesse de todos. Os europeus não se cansam de criticar o facto de o governo americano ter deixado cair o Lehman Brothers, que provocou um efeito dominó de profunda desconfiança na totalidade do sistema. Se acontecer o mesmo na Europa, o efeito de dominó será inevitável.
Dizem os especialistas que quanto mais tarde os europeus derem garantias firmes nestes dois sentidos, mais elevado será o preço que terão de pagar se, de facto, um banco importante vier a falir. Temo que tenham razão.
A oportunidade e necessidade de criação do dito fundo divide os analistas, mas mesmo os responsáveis europeus mais “comunitários” reconhecem que é praticamente impossível fazê-lo.
Primeiro, porque a UE não tem um orçamento federal de onde retirar o fundo. Segundo, porque mesmo que seguisse a proposta holandesa de o alimentar com 3 por cento do PIB de cada país, dificilmente os Vinte e Sete conseguiriam pôr-se de acordo sobre quais seriam os bancos “sistémicos”que dele poderiam beneficiar.
O maior banco da Letónia, país da UE exterior à eurolândia é sistémico? Todos os bancos alemães, ou ingleses, são sistémicos? Ou, por exemplo, será que os problemas do banco X ou Y são de solvabilidade – resultante de uma eventual má gestão – ou de liquidez? Aliás, na ausência de um regulador comum europeu, que confiança poderão ter os Estados na regulação que foi feita ao longo dos anos pelo país vizinho?
Aliás, não precisamos de ir mais longe: mesmo em Portugal, o ministro das finanças disse que a questão da relevância sistémica dos bancos nacionais será avaliada caso a caso, em função da situação. Um erro, do meu ponto de vista: todos os bancos deveriam ser considerados sistémicos, senão, onde está a confiança?
Mas basta projectarmos o discurso de Teixeira dos Santos para o contexto europeu: de cada vez que um banco estivesse em risco de falência, ainda a discussão estaria no adro ao nível dos Vinte e Sete e já o dito banco estaria de rastos. Imaginem o descalabro...
Por isso, quanto mais os europeus falarem de fundo ou não fundo, pior é a imagem que dão para o exterior, precisamente o contrário do discurso de serenidade e confiança que afirmam querer assumir.
Dito isto, mesmo sem fundo, nada impede os europeus de terem uma resposta comum para a crise. Bastaria, por exemplo, que todos assumissem o mesmo discurso sem ambiguidades, em torno de dois eixos centrais: todos os depósitos estão garantidos e todos os bancos solventes com problemas de liquidez serão salvos. Se necessário, com a ajuda dos outros países da UE.
Sem estas garantias, como é que podem esperar injectar confiança no sistema financeiro?
Mesmo se o salvamento dos bancos será sempre uma responsabilidade nacional, a preservação da totalidade do sistema financeiro é do interesse de todos. Os europeus não se cansam de criticar o facto de o governo americano ter deixado cair o Lehman Brothers, que provocou um efeito dominó de profunda desconfiança na totalidade do sistema. Se acontecer o mesmo na Europa, o efeito de dominó será inevitável.
Dizem os especialistas que quanto mais tarde os europeus derem garantias firmes nestes dois sentidos, mais elevado será o preço que terão de pagar se, de facto, um banco importante vier a falir. Temo que tenham razão.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Desunião Europeia
É um daqueles paradoxos difíceis de perceber: a França, presidente em exercício da UE, é o país que mais apelos tem feito à unidade dos Vinte e Sete na reacção à crise financeira. Mas é, igualmente, o país que decidiu convocar uma minicimeira limitada aos quatro maiores Estados da UE (França, Alemanha, Reino Unido e Itália).
O pretexto é que estes são os quatro países europeus do G8, e precisam, assim, de concertar posições para as próximas reuniões desta instância. Certo. Mas bem antes de qualquer cimeira do G8, haverá uma cimeira dos Vinte e Sete, a 15 e 16 de Outubro. O que transforma a minicimeira de amanhã, em Paris, na preparação a quatro da discussão dos Vinte e Sete. Porquê só quatro?
Como que a dar uma “caução europeia” à coisa, Paris convocou também os presidentes do Eurogrupo dos ministros das finanças dos países da moeda única, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, ou seja, Jean-Claude Juncker, Jean-Claude Trichet e Durão Barroso, respectivamente.
Mas, depois de ter convocado uma cimeira de urgência dos Vinte e Sete para a tomada de uma posição comum sobre a Geórgia (no dia 1 de Setembro), porque é que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, não fez o mesmo sobre a crise financeira?
Tal como citei no Público de hoje, a iniciativa sarkozyana incomoda os países excluídos, que encaram invariavelmente os encontros em pequeno comité como o “directório" dos grandes em acção. Oficialmente, só a Espanha protestou, embora suavemente, apontando para a contradição francesa dos apelos à unidade europeia misturados com encontros limitados aos grandes.
Os outros, provavelmente para não deitar mais achas para a fogueira da volatilidade dos mercados, ficaram calados. Mas não deixaram de criticar, em privado, a exclusão de 23 países, a par do facto de a minicimeira ter sido anunciada no site da presidência francesa da UE – que deveria, em teoria, ser consagrado às actividades a Vinte e Sete - e acima de tudo, o facto de a cimeira se centrar num problema que interessa e afecta todos os países, sejam eles membros do G8 ou não.
Hans-Gert Poettering, presidente do Parlamento Europeu, tentou sossegar as críticas, frisando que a minicimeira não pode tomar decisões, mas apenas fazer propostas. Os quatro países “não poderão decidir pelo conjunto da UE”, as decisões terão de ser tomadas pelos “Vinte e Sete” e pelas “instituições comunitárias”.
Mas, como referiu um diplomata que citei igualmente hoje, “se uma reunião com o peso dos quatro grandes da UE e dos presidentes de três importantes instituições comunitárias tiver resultados, os outros países terão grandes dificuldades em ter uma opinião diferente”.
Parece-me óbvio.
O pretexto é que estes são os quatro países europeus do G8, e precisam, assim, de concertar posições para as próximas reuniões desta instância. Certo. Mas bem antes de qualquer cimeira do G8, haverá uma cimeira dos Vinte e Sete, a 15 e 16 de Outubro. O que transforma a minicimeira de amanhã, em Paris, na preparação a quatro da discussão dos Vinte e Sete. Porquê só quatro?
Como que a dar uma “caução europeia” à coisa, Paris convocou também os presidentes do Eurogrupo dos ministros das finanças dos países da moeda única, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, ou seja, Jean-Claude Juncker, Jean-Claude Trichet e Durão Barroso, respectivamente.
Mas, depois de ter convocado uma cimeira de urgência dos Vinte e Sete para a tomada de uma posição comum sobre a Geórgia (no dia 1 de Setembro), porque é que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, não fez o mesmo sobre a crise financeira?
Tal como citei no Público de hoje, a iniciativa sarkozyana incomoda os países excluídos, que encaram invariavelmente os encontros em pequeno comité como o “directório" dos grandes em acção. Oficialmente, só a Espanha protestou, embora suavemente, apontando para a contradição francesa dos apelos à unidade europeia misturados com encontros limitados aos grandes.
Os outros, provavelmente para não deitar mais achas para a fogueira da volatilidade dos mercados, ficaram calados. Mas não deixaram de criticar, em privado, a exclusão de 23 países, a par do facto de a minicimeira ter sido anunciada no site da presidência francesa da UE – que deveria, em teoria, ser consagrado às actividades a Vinte e Sete - e acima de tudo, o facto de a cimeira se centrar num problema que interessa e afecta todos os países, sejam eles membros do G8 ou não.
Hans-Gert Poettering, presidente do Parlamento Europeu, tentou sossegar as críticas, frisando que a minicimeira não pode tomar decisões, mas apenas fazer propostas. Os quatro países “não poderão decidir pelo conjunto da UE”, as decisões terão de ser tomadas pelos “Vinte e Sete” e pelas “instituições comunitárias”.
Mas, como referiu um diplomata que citei igualmente hoje, “se uma reunião com o peso dos quatro grandes da UE e dos presidentes de três importantes instituições comunitárias tiver resultados, os outros países terão grandes dificuldades em ter uma opinião diferente”.
Parece-me óbvio.
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Jogada de Mestre
As “concessões” da Rússia sobre a Ossétia do Sul e Abkházia (ver PÚBLICO de 9 de Setembro) são uma verdadeira jogada de mestre do presidente russo, Dmitri Medvedev.
Os russos, que já deviam ter aplicado há muito o plano de cessar fogo que subscreveram a 12 de Agosto – o próprio presidente russo chama-lhe “plano Medvedev/Sarkozy” – fizeram na segunda-feira uma imensa concessão: aceitaram o mesmo acordo de 12 de Agosto, e prometeram que agora é que vai ser aplicado.
Pelo caminho, ganharam dois meses (até 10 de Outubro) para preparar a retirada das suas tropas da Geórgia para as posições anteriores ao conflito, e tornar a independência da Abkházia e Ossétia do Sul, só reconhecida por Moscovo, num facto consumado.
Ao mesmo tempo, a Rússia, que encenou um suposto braço de ferro contra a presença de observadores da UE no terreno para assegurar a transição depois da retirada das tropas russas, afinal já não põe obstáculos. Só que os 200 ou mais observadores europeus que irão para o terreno a partir de 1 de Outubro – no quadro da missão já presente da OSCE, de que a Rússia é membro e poderá, assim, influenciar as decisões – correm o risco de se tornarem nos “polícias” involuntários das fronteiras das duas repúblicas rebeldes contra alguma eventual tentativa de recuperação por parte da Geórgia.
Não restam dúvidas de que os russos nunca tiveram a intenção de fazer finca pé e permanecer eternamente na Geórgia, de se opor em definitivo aos observadores europeus, ou de recusar a realização de discussões internacionais sobre o futuro das duas ex-regiões georgianas. Uma obstinação deste tipo não era de todo do seu interesse, como também não o era hostilizar a UE e correr o risco de um isolamento internacional. Assim, assumiram uma postura de bons e responsáveis parceiros internacionais, com que a UE diligentemente se congratulou.
O Kremlin ainda fez ao presidente francês, Nicolas Sarkozy – que mediou todo este processo em nome da UE – a flor de poder apresentar o resultado das negociações como um enorme sucesso diplomático pessoal – o aumento da sua popularidade nas sondagens internas francesas desde o início da crise da Geórgia falam por si – e para a diplomacia europeia.
E pronto. O conflito ficou encerrado, a UE vai retomar as negociações para o tal acordo de parceria estratégica com a Rússia que foram suspensas há uma semana, a Rússia mantém a sua presença na Abkházia e Ossétia e regressa ao grupo dos países respeitáveis. Em suma, ficaram todos a ganhar. Ah, é verdade, a Geórgia...
PS: E se o conflito deste Verão no Cáucaso tivesse acontecido há um ano? Nessa altura, era Portugal que presidia à UE: O que significa que era Sócrates que teria de fazer o actual papel de Sarkozy...
Os russos, que já deviam ter aplicado há muito o plano de cessar fogo que subscreveram a 12 de Agosto – o próprio presidente russo chama-lhe “plano Medvedev/Sarkozy” – fizeram na segunda-feira uma imensa concessão: aceitaram o mesmo acordo de 12 de Agosto, e prometeram que agora é que vai ser aplicado.
Pelo caminho, ganharam dois meses (até 10 de Outubro) para preparar a retirada das suas tropas da Geórgia para as posições anteriores ao conflito, e tornar a independência da Abkházia e Ossétia do Sul, só reconhecida por Moscovo, num facto consumado.
Ao mesmo tempo, a Rússia, que encenou um suposto braço de ferro contra a presença de observadores da UE no terreno para assegurar a transição depois da retirada das tropas russas, afinal já não põe obstáculos. Só que os 200 ou mais observadores europeus que irão para o terreno a partir de 1 de Outubro – no quadro da missão já presente da OSCE, de que a Rússia é membro e poderá, assim, influenciar as decisões – correm o risco de se tornarem nos “polícias” involuntários das fronteiras das duas repúblicas rebeldes contra alguma eventual tentativa de recuperação por parte da Geórgia.
Não restam dúvidas de que os russos nunca tiveram a intenção de fazer finca pé e permanecer eternamente na Geórgia, de se opor em definitivo aos observadores europeus, ou de recusar a realização de discussões internacionais sobre o futuro das duas ex-regiões georgianas. Uma obstinação deste tipo não era de todo do seu interesse, como também não o era hostilizar a UE e correr o risco de um isolamento internacional. Assim, assumiram uma postura de bons e responsáveis parceiros internacionais, com que a UE diligentemente se congratulou.
O Kremlin ainda fez ao presidente francês, Nicolas Sarkozy – que mediou todo este processo em nome da UE – a flor de poder apresentar o resultado das negociações como um enorme sucesso diplomático pessoal – o aumento da sua popularidade nas sondagens internas francesas desde o início da crise da Geórgia falam por si – e para a diplomacia europeia.
E pronto. O conflito ficou encerrado, a UE vai retomar as negociações para o tal acordo de parceria estratégica com a Rússia que foram suspensas há uma semana, a Rússia mantém a sua presença na Abkházia e Ossétia e regressa ao grupo dos países respeitáveis. Em suma, ficaram todos a ganhar. Ah, é verdade, a Geórgia...
PS: E se o conflito deste Verão no Cáucaso tivesse acontecido há um ano? Nessa altura, era Portugal que presidia à UE: O que significa que era Sócrates que teria de fazer o actual papel de Sarkozy...
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Durão Barroso está na calha para um novo mandato na Comissão Europeia. Estará?
Durão Barroso já admitiu o que não era segredo para ninguém, ao reconhecer que gostaria de obter um novo mandato de presidente da Comissão Europeia.
Esta confissão foi ajudada pelo anúncio de dois apoios públicos: Nicolas Sarkozy, presidente francês, e Silvio Berlusconi, primeiro ministro italiano. São dois grandes países e enquanto tal, o seu apoio é mais que significativo. Mas a experiência mostra que anúncios feitos com esta antecedência - a decisão só está prevista em Junho de 2009 - muitas vezes dão mau resultado. E a verdade é que nem Sarkozy nem Berlusconi são modelos de previsibilidade. Curiosamente, aliás, são os dois lideres tradicionalmente mais exuberantes nas críticas à Comissão Europeia. O que significa que até Junho de 2009, tudo pode acontecer. E que Durão Barroso vai ter de ser particularmente hábil na gestão das susceptibilidades de Paris e Roma.
Paradoxalmente, no entanto, a recondução de Barroso não suscita nenhuma vaga de entusiasmo, nem sequer no seio do PPE, a federação dos partidos conservadores/democratas-cristãos (que inclui o PSD português) que terá quase seguramente o privilégio de escolher o próximo presidente da Comissão, porque vai quase seguramente ganhar as eleições europeias de Junho de 2009. Nos outros partidos a reacção é sobretudo de desalento.
Dentro do PPE, ainda há quem preferisse mudar de protagonista. Uns porque consideram que a Comissão sob Barroso é cada vez menos comunitária e cada vez mais intergovernamental. Outros porque acreditam que a actual equipa tem as suas culpas na rejeição da Constituição Europeia em França e na Holanda, em 2005, e do Tratado de Lisboa na Irlanda, a 12 deJunho passado (como é o caso, aliás, de Sarkozy). Outros ainda porque não apreciaram particularmente algumas das suas propostas (caso, por exemplo, da redução do CO2 dos automóveis, ou da separação patrimonial dos grandes grupos energéticos).
Alguns partidos membros do PPE gostariam de ir às eleições europeias de 2009 com um programa comum e um candidato pré-anunciado à presidência da Comissão, esperando assim reforçar a sua legitimidade popular; outros, hesitam, nalguns casos por não estarem ainda totalmente convencidos sobre o sentido da escolha.
Tudo isto significa que embora a recondução de Barroso seja agora dada como praticamente adquirida, ainda não está garantida.
O presidente da Comissão tem a seu favor um facto surpreendente, que é a ausência, por agora, de candidatos para um posto que parece cada vez menos inspirador.
Os socialistas, a segunda maior família política, reconhecem, penosamente, que não têm nenhum nome de peso para avançar. Mas também não estão muito preocupados, porque sabem de antemão que o escolhido sairá quase seguramente do PPE.
Dentro do PPE, há um único nome regularmente referido - o de Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo - como já acontecera, aliás, em 2004. Juncker preencheria todos os requisitos escritos e não escritos, incluindo o que estipula que o presidente da Comissão tem de ser um ex-primeiro ministro (um critério irónico, quando se sabe que o melhor presidente de sempre da Comissão Jacques Delors, não fazia parte do clube dos “ex”). Só que o visado recusa terminantemente um posto que associa muitas vezes ao de um burocrata à mercê dos caprichos dos Estados, e visa sobretudo o cargo de primeiro presidente do Conselho Europeu (previsto no Tratado de Lisboa). O que deixa, de facto, Durão Barroso sozinho na corrida. Por agora.
Esta confissão foi ajudada pelo anúncio de dois apoios públicos: Nicolas Sarkozy, presidente francês, e Silvio Berlusconi, primeiro ministro italiano. São dois grandes países e enquanto tal, o seu apoio é mais que significativo. Mas a experiência mostra que anúncios feitos com esta antecedência - a decisão só está prevista em Junho de 2009 - muitas vezes dão mau resultado. E a verdade é que nem Sarkozy nem Berlusconi são modelos de previsibilidade. Curiosamente, aliás, são os dois lideres tradicionalmente mais exuberantes nas críticas à Comissão Europeia. O que significa que até Junho de 2009, tudo pode acontecer. E que Durão Barroso vai ter de ser particularmente hábil na gestão das susceptibilidades de Paris e Roma.
Paradoxalmente, no entanto, a recondução de Barroso não suscita nenhuma vaga de entusiasmo, nem sequer no seio do PPE, a federação dos partidos conservadores/democratas-cristãos (que inclui o PSD português) que terá quase seguramente o privilégio de escolher o próximo presidente da Comissão, porque vai quase seguramente ganhar as eleições europeias de Junho de 2009. Nos outros partidos a reacção é sobretudo de desalento.
Dentro do PPE, ainda há quem preferisse mudar de protagonista. Uns porque consideram que a Comissão sob Barroso é cada vez menos comunitária e cada vez mais intergovernamental. Outros porque acreditam que a actual equipa tem as suas culpas na rejeição da Constituição Europeia em França e na Holanda, em 2005, e do Tratado de Lisboa na Irlanda, a 12 deJunho passado (como é o caso, aliás, de Sarkozy). Outros ainda porque não apreciaram particularmente algumas das suas propostas (caso, por exemplo, da redução do CO2 dos automóveis, ou da separação patrimonial dos grandes grupos energéticos).
Alguns partidos membros do PPE gostariam de ir às eleições europeias de 2009 com um programa comum e um candidato pré-anunciado à presidência da Comissão, esperando assim reforçar a sua legitimidade popular; outros, hesitam, nalguns casos por não estarem ainda totalmente convencidos sobre o sentido da escolha.
Tudo isto significa que embora a recondução de Barroso seja agora dada como praticamente adquirida, ainda não está garantida.
O presidente da Comissão tem a seu favor um facto surpreendente, que é a ausência, por agora, de candidatos para um posto que parece cada vez menos inspirador.
Os socialistas, a segunda maior família política, reconhecem, penosamente, que não têm nenhum nome de peso para avançar. Mas também não estão muito preocupados, porque sabem de antemão que o escolhido sairá quase seguramente do PPE.
Dentro do PPE, há um único nome regularmente referido - o de Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo - como já acontecera, aliás, em 2004. Juncker preencheria todos os requisitos escritos e não escritos, incluindo o que estipula que o presidente da Comissão tem de ser um ex-primeiro ministro (um critério irónico, quando se sabe que o melhor presidente de sempre da Comissão Jacques Delors, não fazia parte do clube dos “ex”). Só que o visado recusa terminantemente um posto que associa muitas vezes ao de um burocrata à mercê dos caprichos dos Estados, e visa sobretudo o cargo de primeiro presidente do Conselho Europeu (previsto no Tratado de Lisboa). O que deixa, de facto, Durão Barroso sozinho na corrida. Por agora.
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Comissão Europeia,
Durão Barroso
terça-feira, 15 de julho de 2008
Obrigada Irlanda?
E se, graças ao referendo negativo da Irlanda ao Tratado de Lisboa, todos os países da União Europeia pudessem continuar a ter um comissário europeu ?
Esta eventualidade está a fazer o seu caminho no processo de busca de uma solução capaz de convencer os irlandeses a voltar às urnas para inverter o resultado de 12 de Junho. E isto, simplesmente, porque, do ponto de vista dos juristas, se trata da solução mais fácil, que não obrigará a renegociar o Tratado – que ninguém quer – nem a recomeçar a sua ratificação – impensável, quando 22 países já a concluíram.
Parece óbvio que os irlandeses não irão em cantigas de declarações interpretativas do Tratado, por exemplo para garantir a sua neutralidade militar como aconteceu quando rejeitaram uma primeira vez o Tratado de Nice.
Desta vez, para aceitarem ponderar uma alteração do veredicto de 12 de Junho, os irlandeses precisarão de algo de verdadeiramente concreto.
Uma das grandes preocupações expressas por muitos defensores da rejeição do Tratado teve a ver com a perca de influência do país na União Europeia. Que é, de facto, incontestável para a generalidade dos pequenos países, tanto por via da dupla maioria de votos nas decisões por maioria qualificada do conselho de ministros da UE, como através da redução do número de comissários europeus. Isto, para não falar do presidente do Conselho Europeu, mas essa é outra história.
No caso da Comissão, o Tratado estipula que a partir de 2014, os seus membros serão reduzidos para um número inferior ao de Estados membros (dois terços), sendo a escolha feita com base num sistema de “rotação rigorosamente igualitária” que permita reflectir o equilíbrio demográfico e geográfico do conjunto da UE. O que significa que todos os países terão um comissário em dois mandatos (de cinco anos) de cada conjunto de três.
Esta redução será obrigatória “a menos que o Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, decida alterar esse número”.
Este é o único ponto do Tratado que permite expressamente a alteração de uma das suas disposições por uma simples decisão por unanimidade, sem obrigar à renegociação de um novo texto nem à sua ratificação. O que significa que decidir manter a actual fórmula de um comissário por país passará a ser uma simples questão de vontade política, sem constrangimentos de ordem jurídica ou constitucional.
A questão da Comissão reduzida foi uma imposição dos grandes países, para atenuar a sua perca de peso progressiva. Até Nice, cada um dos então cinco grande tinha direito a 2 comissários num total de vinte – ou seja, 10 por cento do total – passando desde então a um mero 1/27.
É certo que uma Comissão com vinte e sete ou mais membros perde a sua principal característica, o “princípio da colegialidade” que garantia que todas as decisões eram tomadas de forma colegial por todos os comissários de forma a garantir o interesse comum.
Com os seus comissários virados cada um para o seu canto, a actual Comissão já tem muito pouco de colegial. E está, sobretudo, sujeita à pressão crescente dos grandes países que deixaram de ter quaisquer pruridos em atacar, criticar ou ameaçar “Bruxelas” para obterem o que querem.
Mas também é verdade que os grandes não terem um comissário a dado momento não é a mesma coisa que os pequenos não o terem: muitas vezes, é por via do comissário que as “sensibilidades” nacionais se conseguem exprimir nos debates do colégio de comissários. O que significa que nos mandatos em que Portugal não tiver um comissário, dificilmente se conseguirá fazer ouvir.
Em contrapartida, não será por terem ou não um comissário que Merkel, Sarkozy ou Brown deixarão de continuar a telefonar directamente a Barroso para “ditar” os seus desejos.
Por isso, graças à Irlanda, uma das principais dificuldades de Lisboa para os pequenos países está em vias de ser resolvida. Ainda bem.
Só é pena, do meu ponto de vista, não ter sido Portugal a avançar esta solução, já que se orgulha tanto de ter concluído um acordo – desequilibrado para os pequenos países – sobre o novo Tratado. Continuo a pensar que teria ficado bem a José Sócrates corrigir a anomalia, como escrevi no Público cinco dias depois do referendo irlandês.
Felizmente que existem os juristas ...
(fotografias: flickr.com)
Esta eventualidade está a fazer o seu caminho no processo de busca de uma solução capaz de convencer os irlandeses a voltar às urnas para inverter o resultado de 12 de Junho. E isto, simplesmente, porque, do ponto de vista dos juristas, se trata da solução mais fácil, que não obrigará a renegociar o Tratado – que ninguém quer – nem a recomeçar a sua ratificação – impensável, quando 22 países já a concluíram.
Parece óbvio que os irlandeses não irão em cantigas de declarações interpretativas do Tratado, por exemplo para garantir a sua neutralidade militar como aconteceu quando rejeitaram uma primeira vez o Tratado de Nice.
Desta vez, para aceitarem ponderar uma alteração do veredicto de 12 de Junho, os irlandeses precisarão de algo de verdadeiramente concreto.
Uma das grandes preocupações expressas por muitos defensores da rejeição do Tratado teve a ver com a perca de influência do país na União Europeia. Que é, de facto, incontestável para a generalidade dos pequenos países, tanto por via da dupla maioria de votos nas decisões por maioria qualificada do conselho de ministros da UE, como através da redução do número de comissários europeus. Isto, para não falar do presidente do Conselho Europeu, mas essa é outra história.
No caso da Comissão, o Tratado estipula que a partir de 2014, os seus membros serão reduzidos para um número inferior ao de Estados membros (dois terços), sendo a escolha feita com base num sistema de “rotação rigorosamente igualitária” que permita reflectir o equilíbrio demográfico e geográfico do conjunto da UE. O que significa que todos os países terão um comissário em dois mandatos (de cinco anos) de cada conjunto de três.
Esta redução será obrigatória “a menos que o Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, decida alterar esse número”.
Este é o único ponto do Tratado que permite expressamente a alteração de uma das suas disposições por uma simples decisão por unanimidade, sem obrigar à renegociação de um novo texto nem à sua ratificação. O que significa que decidir manter a actual fórmula de um comissário por país passará a ser uma simples questão de vontade política, sem constrangimentos de ordem jurídica ou constitucional.
A questão da Comissão reduzida foi uma imposição dos grandes países, para atenuar a sua perca de peso progressiva. Até Nice, cada um dos então cinco grande tinha direito a 2 comissários num total de vinte – ou seja, 10 por cento do total – passando desde então a um mero 1/27.
É certo que uma Comissão com vinte e sete ou mais membros perde a sua principal característica, o “princípio da colegialidade” que garantia que todas as decisões eram tomadas de forma colegial por todos os comissários de forma a garantir o interesse comum.
Com os seus comissários virados cada um para o seu canto, a actual Comissão já tem muito pouco de colegial. E está, sobretudo, sujeita à pressão crescente dos grandes países que deixaram de ter quaisquer pruridos em atacar, criticar ou ameaçar “Bruxelas” para obterem o que querem.
Mas também é verdade que os grandes não terem um comissário a dado momento não é a mesma coisa que os pequenos não o terem: muitas vezes, é por via do comissário que as “sensibilidades” nacionais se conseguem exprimir nos debates do colégio de comissários. O que significa que nos mandatos em que Portugal não tiver um comissário, dificilmente se conseguirá fazer ouvir.
Em contrapartida, não será por terem ou não um comissário que Merkel, Sarkozy ou Brown deixarão de continuar a telefonar directamente a Barroso para “ditar” os seus desejos.
Por isso, graças à Irlanda, uma das principais dificuldades de Lisboa para os pequenos países está em vias de ser resolvida. Ainda bem.
Só é pena, do meu ponto de vista, não ter sido Portugal a avançar esta solução, já que se orgulha tanto de ter concluído um acordo – desequilibrado para os pequenos países – sobre o novo Tratado. Continuo a pensar que teria ficado bem a José Sócrates corrigir a anomalia, como escrevi no Público cinco dias depois do referendo irlandês.
Felizmente que existem os juristas ...
(fotografias: flickr.com)
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Que fazer?
O último comentário / protesto do Raio convenceu-me a enfrentar o problema (obrigada Raio, já estava com saudades :-)
Há várias semanas que estava a pensar suspender ou mesmo abandonar de vez este blog, com muita pena minha, por pura falta de tempo. É muito difícil trabalhar em regime de mais que full time para o jornal, e ainda arranjar tempo, inspiração e temas para desenvolver no blog. Para não falar do dilema que às vezes resulta das diferentes maneiras de tratar um tema: de forma jornalística no jornal ou numa abordagem mais opinativa no blog. Neste pesar das diferentes perspectivas fui deixando o tempo passar, sem me conseguir decidir. Mas, ao mesmo tempo, não cheguei a perder a esperança de que melhores tempos viessem...
Ainda não é exactamente o caso, mas pensei que, a título de compromisso, talvez possa retomar devagarinho o blog, antes das férias do verão, procurando relançá-lo a sério a partir de Setembro. E aí assumir que, se não resultar, não terei alternativa senão abandoná-lo de vez. Ok?
Há várias semanas que estava a pensar suspender ou mesmo abandonar de vez este blog, com muita pena minha, por pura falta de tempo. É muito difícil trabalhar em regime de mais que full time para o jornal, e ainda arranjar tempo, inspiração e temas para desenvolver no blog. Para não falar do dilema que às vezes resulta das diferentes maneiras de tratar um tema: de forma jornalística no jornal ou numa abordagem mais opinativa no blog. Neste pesar das diferentes perspectivas fui deixando o tempo passar, sem me conseguir decidir. Mas, ao mesmo tempo, não cheguei a perder a esperança de que melhores tempos viessem...
Ainda não é exactamente o caso, mas pensei que, a título de compromisso, talvez possa retomar devagarinho o blog, antes das férias do verão, procurando relançá-lo a sério a partir de Setembro. E aí assumir que, se não resultar, não terei alternativa senão abandoná-lo de vez. Ok?
terça-feira, 22 de abril de 2008
Rui
Hoje é um dia muito, muito triste para mim, e para muitas, mas mesmo muitas pessoas, que tiveram o privilégio de conhecer e ser amigas do Rui Moreira: o Rui abandonou-nos hoje, aos 45 anos, e deixou um vazio tão grande quanto profundo, que nunca mais vai ser possível preencher.
Eu, e muitos mais, perdemos um amigo excepcional, transbordante de alegria de viver e de boa disposição, que tinha aquela capacidade única de contagiar todos os que o rodeavam. E de nos fazer relativizar, e mesmo rir, das situações, tristezas ou problemas mais negros.
Mas também perdemos, o país perdeu, um jornalista ímpar. O Rui fez toda a sua carreira profissional de vinte e cinco anos na Agência Lusa, onde foi sucessivamente editor da secção de economia, chefe da delegação em Bruxelas, subdirector de informação, director adjunto, director interino de informação, editor dos assuntos europeus – nomeadamente durante a última presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007 – e, desde o início do ano, editor da secção internacional.
Imagino que trabalhar na agência de notícias oficial não será porventura o lugar mais gratificante para um jornalista, conhecendo nós, como conhecemos, a tentação dos sucessivos governos para impor a “verdade” oficial. E a condescendência e maleabilidade de algumas – felizmente nem todas – direcções de informação face às pressões políticas. Apesar disso, o Rui nunca se deixou impressionar, mantendo-se sempre um espírito livre e independente, mesmo pagando o preço de ser despromovido. Foi um exemplo para todos os que trabalharam com ele.
Para mim, foi sempre um grande prazer e uma sorte imensa tê-lo como colega e “concorrente”. Mas sobretudo como amigo. Sei que para muitos de nós, ele ficará gravado bem fundo e para sempre nos nossos corações.
PS: Não resisto a acrescentar aqui a fórmula particularmente bem apanhada do Sérgio Soares:
"Se bem te conhecemos já montaste, logo à chegada, um arraial no Céu… a espadeirar, a torto e a direito, a perguntar quem é o responsável dessa “espelunca!”…
Eu, e muitos mais, perdemos um amigo excepcional, transbordante de alegria de viver e de boa disposição, que tinha aquela capacidade única de contagiar todos os que o rodeavam. E de nos fazer relativizar, e mesmo rir, das situações, tristezas ou problemas mais negros.
Mas também perdemos, o país perdeu, um jornalista ímpar. O Rui fez toda a sua carreira profissional de vinte e cinco anos na Agência Lusa, onde foi sucessivamente editor da secção de economia, chefe da delegação em Bruxelas, subdirector de informação, director adjunto, director interino de informação, editor dos assuntos europeus – nomeadamente durante a última presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007 – e, desde o início do ano, editor da secção internacional.
Imagino que trabalhar na agência de notícias oficial não será porventura o lugar mais gratificante para um jornalista, conhecendo nós, como conhecemos, a tentação dos sucessivos governos para impor a “verdade” oficial. E a condescendência e maleabilidade de algumas – felizmente nem todas – direcções de informação face às pressões políticas. Apesar disso, o Rui nunca se deixou impressionar, mantendo-se sempre um espírito livre e independente, mesmo pagando o preço de ser despromovido. Foi um exemplo para todos os que trabalharam com ele.
Para mim, foi sempre um grande prazer e uma sorte imensa tê-lo como colega e “concorrente”. Mas sobretudo como amigo. Sei que para muitos de nós, ele ficará gravado bem fundo e para sempre nos nossos corações.
PS: Não resisto a acrescentar aqui a fórmula particularmente bem apanhada do Sérgio Soares:
"Se bem te conhecemos já montaste, logo à chegada, um arraial no Céu… a espadeirar, a torto e a direito, a perguntar quem é o responsável dessa “espelunca!”…
terça-feira, 15 de abril de 2008
Barroso presidente do Conselho Europeu?
Não é meu hábito, mas decidi incluir aqui o texto que saiu hoje no Publico sobre uma possível mudança de posto de Durão Barroso, para suscitar a discussão (e para compensar a minha longa ausência ... :-)
Durão Barroso é actualmente um dos nomes mais bem posicionados para aceder ao cargo de primeiro presidente do Conselho Europeu, depois de Tony Blair - dado até há pouco como um dos candidatos mais fortes - ter ficado fora da corrida.Este cenário é o preferido por Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha, e está a fazer o seu caminho em França, cujo Presidente, Nicolas Sarkozy, tinha começado por expressar em Outubro passado simpatia pela escolha do ex-primeiro-ministro britânico. Desde então, no entanto, os franceses passaram a defender, como vários outros líderes europeus, que o detentor do novo cargo, que assumirá funções em simultâneo com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa (previsivelmente a 1 de Janeiro de 2009), terá de ser oriundo de um país com uma participação plena em todas as políticas europeias, como o euro e o espaço Schengen de livre circulação de cidadãos. O que deixa claramente de fora o Reino Unido.
Mesmo se nenhuma decisão está ainda tomada, a exclusão de Blair está já firmemente assente no seio do PPE (Partido Popular Europeu), a federação europeia dos partidos conservadores (que inclui o PSD português, mas também a CDU de Merkel e a UMP de Sarkozy), que, por reunir o maior número de chefes de Governo dos Vinte e Sete, e de lugares no Parlamento Europeu (PE) desempenha um papel central em todas as nomeações. A opção do PPE tem igualmente a ver com a personalidade de Blair, cuja forte apetência por microfones e câmaras de televisão suscita o receio de querer moldar o cargo à sua visão da Europa e fazer sombra à Comissão Europeia, a instituição central na gestão da agenda comunitária.
Ao invés, o perfil do actual presidente da Comissão Europeia é considerado bem mais adequado ao novo posto. Barroso "tem muitas das qualidades necessárias para o cargo" considera Peter Ludlow, director do "think tank" Eurocomment e grande especialista das questões europeias: "É um diplomata, bom comunicador, facilitador de consensos, conhecedor da máquina comunitária, ouvido pelos líderes da UE e não interferirá no trabalho da Comissão".
A ajuda do calendário
Uma das razões avançadas pelos defensores da mudança de posto de Durão Barroso tem a ver com o calendário das futuras nomeações: enquanto que o presidente do Conselho Europeu será nomeado pelos líderes da UE o mais tardar até Dezembro deste ano, o presidente da Comissão Europeia só será escolhido em Junho de 2009, igualmente pelos líderes, "tendo em conta as eleições europeias" (previstas para o mesmo mês), segundo é estipulado pelo Tratado de Lisboa.
Mesmo prevendo, com base nas actuais sondagens, que o PPE será o grupo mais votado, os seus membros sabem que, à partida, não poderão ter os dois cargos. Mas entre a presidência do Conselho Europeu e a da Comissão Europeia, o PPE prefere a segunda, devido à sua influência e importância muito superiores. Grande parte dos seus membros - mas não todos - está pronta a apoiar a confirmação de Barroso para um novo mandato de cinco anos.
O problema, argumenta a CDU de Angela Merkel, é que se o PPE abdicar do primeiro posto em Janeiro, poderá ficar de mãos a abanar se por acaso - hipótese considerada hoje altamente improvável - perder as eleições em Junho. Ou, mesmo que as ganhe, se os socialistas e os liberais (segunda e terceira família no Parlamento Europeu) confirmarem a sua actual intenção de formar uma coligação de modo a ultrapassar o PPE em número de votos e poderem escolher o presidente da Comissão. Que, claramente, não será Durão Barroso.
Convicta de que "mais vale ter um pássaro na mão do que dois a voar", Merkel prefere assegurar desde logo pelo menos o cargo de presidente do Conselho Europeu. Os alemães pretendem concluir simultaneamente um acordo com os liberais para a promoção de uma personalidade consensual entre as duas famílias para a Comissão Europeia. Nesta perspectiva, caso os conservadores sejam a família mais votada, uma aposta possível incide sobre Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo (também do PPE) que poderia beneficiar do enorme prestígio que adquiriu enquanto membro mais antigo do Conselho Europeu. A alternativa seria a escolha de um liberal aceitável para o PPE.
A tese de Merkel não é consensual no seio dos partidos conservadores. Alguns preferem proceder exactamente ao contrário: firmar um acordo logo de início com os liberais - de modo a impedir qualquer coligação destes com os socialistas -,oferecendo-lhes a presidência do Conselho Europeu. Os defensores desta tese consideram que o primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, teria boas possibilidades, sobretudo agora que pretende convocar um referendo interno para a adesão do seu país ao euro e ao espaço Schengen. O que permitiria ao PPE obter de antemão o apoio firme dos liberais para a confirmação, em Junho, de Durão Barroso na Comissão.
Em qualquer dos cenários, os socialistas ficariam com o alto representante para a política externa, uma versão ligeiramente reforçada do cargo actualmente ocupado pelo socialista espanhol Javier Solana. Mesmo se o PPE ainda não tem uma posição uniforme, "quando Merkel quer uma coisa, tende a ser extremamente persuasiva", lembra Peter Ludlow. E, normalmente, bem sucedida.
Mario Soares dixit
Ainda bem que foi Mário Soares que o disse, porque sobre ele não pesam suspeitas de anti-patriotismo, acusação frequentemente feita contra muitos jornalistas de Bruxelas quando escrevem histórias a contrariar a verdade oficial portuguesa.
O que Soares disse no fim-de-semana passado, num seminário luso-espanhol de jornalistas, em Idanha-a-Nova, foi o que toda a gente já sabe, mas que o primeiro ministro português se esquece frequentemente de lembrar: o Tratado de Lisboa, foi, de facto, feito pela presidência alemã da UE, que precedeu a portuguesa.
Soares considerou que a chanceler alemã Angela Merkel “teve a lucidez de não querer ser ela a apresentar o Tratado... porque estava feito!”, segundo o relato feito pelo Jornal de Notícias de dia 13. Merkel “pensou que a Alemanha é um grande país que ainda tem muitos anti-corpos e o melhor era ser um país pequeno a fazer isto... Mas é um trabalho à alemã”.
O ex-presidente da República foi ainda mais explícito, quando explicou, ainda segundo o JN, o sentido das suas afirmações: “a senhora Merkel, se ela própria quisesse, teria acabado o Tratado em tempo. Estava praticamente feito”.
Fica registado.
O que Soares disse no fim-de-semana passado, num seminário luso-espanhol de jornalistas, em Idanha-a-Nova, foi o que toda a gente já sabe, mas que o primeiro ministro português se esquece frequentemente de lembrar: o Tratado de Lisboa, foi, de facto, feito pela presidência alemã da UE, que precedeu a portuguesa.
Soares considerou que a chanceler alemã Angela Merkel “teve a lucidez de não querer ser ela a apresentar o Tratado... porque estava feito!”, segundo o relato feito pelo Jornal de Notícias de dia 13. Merkel “pensou que a Alemanha é um grande país que ainda tem muitos anti-corpos e o melhor era ser um país pequeno a fazer isto... Mas é um trabalho à alemã”.
O ex-presidente da República foi ainda mais explícito, quando explicou, ainda segundo o JN, o sentido das suas afirmações: “a senhora Merkel, se ela própria quisesse, teria acabado o Tratado em tempo. Estava praticamente feito”.
Fica registado.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
De volta...
Já não escrevia aqui há mais de um mês (!), mas garanto que isso só aconteceu por razões de força maior. As minhas desculpas.
Para me redimir, aqui deixo dois sites que me parecem úteis (provavelmente estou atrasada, mas mesmo assim, aqui ficam). O primeiro contém o Tratado de Lisboa consolidado e em português !
O segundo, diz respeito a uma petição contra a nomeação de Tony Blair para presidente do Conselho Europeu (obrigada Alexandra!). Pelas razões invocadas mais uma série de outras que espero ter brevemente a oportunidade de escrever, espero que suscite muitas assinaturas.
Para me redimir, aqui deixo dois sites que me parecem úteis (provavelmente estou atrasada, mas mesmo assim, aqui ficam). O primeiro contém o Tratado de Lisboa consolidado e em português !
O segundo, diz respeito a uma petição contra a nomeação de Tony Blair para presidente do Conselho Europeu (obrigada Alexandra!). Pelas razões invocadas mais uma série de outras que espero ter brevemente a oportunidade de escrever, espero que suscite muitas assinaturas.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
A Europa dos Grandes
Será um antegosto do que aí vem ? Gordon Brown, primeiro ministro britânico, decidiu convidar os seus homólogos da França, Alemanha e Itália – os quatro maiores Estados membros da União Europeia (UE) - para uma reunião em Downing Street no dia 29 de Janeiro, dedicada à crise financeira mundial.
A iniciativa não é nova. Em 2001, o Reino Unido – na altura o primeiro ministro era Tony Blair – tentou fazer o mesmo para discutir os atentados terroristas de 11 de Setembro. Esta perspectiva suscitou um coro de protestos dos pequenos países – a começar pelo primeiro ministro belga, Guy Verhofstadt – que apreciaram pouco o facto de serem deixados para trás em questões que interessam a todos. De tal forma que Blair foi obrigado a alargar a lista dos convidados e incluir, nomeadamente, o país na presidência da UE – na altura, a Bélgica – de modo a vincular a totalidade dos restantes.
Desta vez, o mesmo Guy Verhofstadt, parece isolado nos protestos. “Quatro países grandes vão-se reunir. Um grupo de países membros da UE quer discutir a situação financeira com consequências possíveis para toda a União. A Europa não é feita apenas pelos grandes mas por todos os cidadãos europeus, estados e populações, incluindo os pequenos”, criticou recentemente.
Londres justifica a sua escolha explicando que os quatro países são os membros europeus do G8 e que têm o direito de se concertar entre si. Certo. Só que os Vinte e Sete costumam igualmente discutir e preparar nas suas reuniões dos ministros das finanças os encontros do G8 – mesmo se cada um dos seus membros é totalmente livre de assumir as posições que entender.
Para dar alguma respeitabilidade "europeia" à iniciativa, Brown decidiu posteriormente alargar a lista dos convidados a Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. Mas deixou de fora, por exemplo, Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo, que preside ao “eurogrupo”, o fórum informal de coordenação das políticas económicas dos países do euro.
O que é curioso é que, além dos belgas, mais nenhum dos países pequenos parece muito preocupado com a iniciativa britânica. Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?
A iniciativa não é nova. Em 2001, o Reino Unido – na altura o primeiro ministro era Tony Blair – tentou fazer o mesmo para discutir os atentados terroristas de 11 de Setembro. Esta perspectiva suscitou um coro de protestos dos pequenos países – a começar pelo primeiro ministro belga, Guy Verhofstadt – que apreciaram pouco o facto de serem deixados para trás em questões que interessam a todos. De tal forma que Blair foi obrigado a alargar a lista dos convidados e incluir, nomeadamente, o país na presidência da UE – na altura, a Bélgica – de modo a vincular a totalidade dos restantes.
Desta vez, o mesmo Guy Verhofstadt, parece isolado nos protestos. “Quatro países grandes vão-se reunir. Um grupo de países membros da UE quer discutir a situação financeira com consequências possíveis para toda a União. A Europa não é feita apenas pelos grandes mas por todos os cidadãos europeus, estados e populações, incluindo os pequenos”, criticou recentemente.
Londres justifica a sua escolha explicando que os quatro países são os membros europeus do G8 e que têm o direito de se concertar entre si. Certo. Só que os Vinte e Sete costumam igualmente discutir e preparar nas suas reuniões dos ministros das finanças os encontros do G8 – mesmo se cada um dos seus membros é totalmente livre de assumir as posições que entender.
Para dar alguma respeitabilidade "europeia" à iniciativa, Brown decidiu posteriormente alargar a lista dos convidados a Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. Mas deixou de fora, por exemplo, Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo, que preside ao “eurogrupo”, o fórum informal de coordenação das políticas económicas dos países do euro.
O que é curioso é que, além dos belgas, mais nenhum dos países pequenos parece muito preocupado com a iniciativa britânica. Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
Esperteza saloia
Foi uma bela encenação, não há dúvida. José Sócrates fez crer até ao fim que queria convocar um referendo para a ratificação do Tratado de Lisboa. Mas depois, vejam lá, foram os malandros dos outros lideres europeus e o Presidente da República que não o deixaram cumprir (mais) esta promessa eleitoral. Ele bem queria, mas a pressão europeia foi mais forte…
Pois, só que a história não é bem assim. Sócrates assumiu em Junho, como a totalidade dos restantes países da UE, que o Tratado seria ratificado de forma rápida e sem sobressaltos, ou seja, sem recurso a referendos. A palavra de ordem foi dada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, que garantiu, antes mesmo de ser eleito a 6 de Maio que o mini-Tratado (como lhe chamava na altura) seria ratificado no parlamento. Foi precisamente este anúncio, vindo do país que emitiu a sentença de morte da Constituição Europeia, que permitiu todo o processo que levou à concepção do Tratado simplificado, ou de Lisboa, como quiserem. Sarkozy, com Angela Merkel, chanceler alemã e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, trataram alias de convencer todos os outros países a abandonar as promessas de referendo. Com o argumento de que o novo texto seria tão simplificado que não se justificaria.Tony Blair, primeiro ministro britânico anunciou o abandono da consulta popular ainda antes da cimeira de lideres da UE de Junho, que definiu a totalidade do conteúdo do novo Tratado substituto da Constituição. Sem a garantia que o Tratado não encalharia outra vez nalgum referendo, aliás, quem é que imagina que Merkel, Blair e Sarkozy se tivessem empenhado de forma tão profunda na sua elaboração ?
Foi esse acordo que Sócrates herdou quando assumiu a presidência europeia, a 1 de Julho, durante a qual cumpriu a parte do roteiro que lhe tinha sido atribuida : a aprovação final do texto na cimeira de Lisboa de 18 de Outubro, e a sua assinatura, igualmente em Lisboa, a 13 de Dezembro.
Ou seja, o primeiro ministro sabe pelo menos desde Junho que nunca poderia submeter o Tratado de Lisboa a referendo em Portugal, sob pena de trair o acordo dos Vinte e Sete. Mas, ao recusar até hoje anunciar a forma de ratificação, sob os mais variados pretextos, fez crer que a sua decisão ainda não estava tomada e, melhor, que insistia na ideia do referendo. Depois, tratou de fazer saber que foi vítima de uma forte pressão dos seus pares para abandonar o projecto, atirando para as costas de Merkel, Sarkozy, Brown, Barroso e Cavaco a responsabilidade pela sua mudança de ideias.
Tudo não passou, portanto, de uma mera encenação politiqueira. Que denota uma grande esperteza saloia e falta de sentido de estado, para retomar os termos utilizados pelo director do Publico, José Manuel Fernandes, no seu editorial de ontem.
Pelo caminho, Sócrates cumpriu uma vez mais a tradição dos políticos pouco corajosos, que chamam a si os sucessos e as honras da UE, mas atiram para as costas da «Europa» a responsabilidade pelos seus próprios falhanços. Basta lembrar os longos e auto-elogiosos discursos de encerramento da presidência portuguesa da UE, na cimeira de Dezembro e no Parlamento Europeu, em que o primeiro ministro nem se deu ao trabalho de fazer uma referência à sua antecessora, Angela Merkel, que foi, afinal, quem fez 90 por cento da negociação do Tratado de Lisboa …
PS: A Irlanda é o único país que assumiu desde sempre que convocaria um referendo. Não por obrigação constitucional, mas para evitar eventuais problemas. Tudo começou em 1986, quando o governo da altura considerou desnecessário referendar a primeira alteração aos Tratados, o Acto Único Europeu, mas viu a sua decisão anulada pelo Tribunal Constitucional, em resposta a um grupo de cidadãos. Desde então, e para evitar uma repetição da contestação, os governos sucessivos preferiram referendar todos os tratados europeus.
Pois, só que a história não é bem assim. Sócrates assumiu em Junho, como a totalidade dos restantes países da UE, que o Tratado seria ratificado de forma rápida e sem sobressaltos, ou seja, sem recurso a referendos. A palavra de ordem foi dada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, que garantiu, antes mesmo de ser eleito a 6 de Maio que o mini-Tratado (como lhe chamava na altura) seria ratificado no parlamento. Foi precisamente este anúncio, vindo do país que emitiu a sentença de morte da Constituição Europeia, que permitiu todo o processo que levou à concepção do Tratado simplificado, ou de Lisboa, como quiserem. Sarkozy, com Angela Merkel, chanceler alemã e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, trataram alias de convencer todos os outros países a abandonar as promessas de referendo. Com o argumento de que o novo texto seria tão simplificado que não se justificaria.Tony Blair, primeiro ministro britânico anunciou o abandono da consulta popular ainda antes da cimeira de lideres da UE de Junho, que definiu a totalidade do conteúdo do novo Tratado substituto da Constituição. Sem a garantia que o Tratado não encalharia outra vez nalgum referendo, aliás, quem é que imagina que Merkel, Blair e Sarkozy se tivessem empenhado de forma tão profunda na sua elaboração ?
Foi esse acordo que Sócrates herdou quando assumiu a presidência europeia, a 1 de Julho, durante a qual cumpriu a parte do roteiro que lhe tinha sido atribuida : a aprovação final do texto na cimeira de Lisboa de 18 de Outubro, e a sua assinatura, igualmente em Lisboa, a 13 de Dezembro.
Ou seja, o primeiro ministro sabe pelo menos desde Junho que nunca poderia submeter o Tratado de Lisboa a referendo em Portugal, sob pena de trair o acordo dos Vinte e Sete. Mas, ao recusar até hoje anunciar a forma de ratificação, sob os mais variados pretextos, fez crer que a sua decisão ainda não estava tomada e, melhor, que insistia na ideia do referendo. Depois, tratou de fazer saber que foi vítima de uma forte pressão dos seus pares para abandonar o projecto, atirando para as costas de Merkel, Sarkozy, Brown, Barroso e Cavaco a responsabilidade pela sua mudança de ideias.
Tudo não passou, portanto, de uma mera encenação politiqueira. Que denota uma grande esperteza saloia e falta de sentido de estado, para retomar os termos utilizados pelo director do Publico, José Manuel Fernandes, no seu editorial de ontem.
Pelo caminho, Sócrates cumpriu uma vez mais a tradição dos políticos pouco corajosos, que chamam a si os sucessos e as honras da UE, mas atiram para as costas da «Europa» a responsabilidade pelos seus próprios falhanços. Basta lembrar os longos e auto-elogiosos discursos de encerramento da presidência portuguesa da UE, na cimeira de Dezembro e no Parlamento Europeu, em que o primeiro ministro nem se deu ao trabalho de fazer uma referência à sua antecessora, Angela Merkel, que foi, afinal, quem fez 90 por cento da negociação do Tratado de Lisboa …
PS: A Irlanda é o único país que assumiu desde sempre que convocaria um referendo. Não por obrigação constitucional, mas para evitar eventuais problemas. Tudo começou em 1986, quando o governo da altura considerou desnecessário referendar a primeira alteração aos Tratados, o Acto Único Europeu, mas viu a sua decisão anulada pelo Tribunal Constitucional, em resposta a um grupo de cidadãos. Desde então, e para evitar uma repetição da contestação, os governos sucessivos preferiram referendar todos os tratados europeus.
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