As “concessões” da Rússia sobre a Ossétia do Sul e Abkházia (ver PÚBLICO de 9 de Setembro) são uma verdadeira jogada de mestre do presidente russo, Dmitri Medvedev.
Os russos, que já deviam ter aplicado há muito o plano de cessar fogo que subscreveram a 12 de Agosto – o próprio presidente russo chama-lhe “plano Medvedev/Sarkozy” – fizeram na segunda-feira uma imensa concessão: aceitaram o mesmo acordo de 12 de Agosto, e prometeram que agora é que vai ser aplicado.
Pelo caminho, ganharam dois meses (até 10 de Outubro) para preparar a retirada das suas tropas da Geórgia para as posições anteriores ao conflito, e tornar a independência da Abkházia e Ossétia do Sul, só reconhecida por Moscovo, num facto consumado.
Ao mesmo tempo, a Rússia, que encenou um suposto braço de ferro contra a presença de observadores da UE no terreno para assegurar a transição depois da retirada das tropas russas, afinal já não põe obstáculos. Só que os 200 ou mais observadores europeus que irão para o terreno a partir de 1 de Outubro – no quadro da missão já presente da OSCE, de que a Rússia é membro e poderá, assim, influenciar as decisões – correm o risco de se tornarem nos “polícias” involuntários das fronteiras das duas repúblicas rebeldes contra alguma eventual tentativa de recuperação por parte da Geórgia.
Não restam dúvidas de que os russos nunca tiveram a intenção de fazer finca pé e permanecer eternamente na Geórgia, de se opor em definitivo aos observadores europeus, ou de recusar a realização de discussões internacionais sobre o futuro das duas ex-regiões georgianas. Uma obstinação deste tipo não era de todo do seu interesse, como também não o era hostilizar a UE e correr o risco de um isolamento internacional. Assim, assumiram uma postura de bons e responsáveis parceiros internacionais, com que a UE diligentemente se congratulou.
O Kremlin ainda fez ao presidente francês, Nicolas Sarkozy – que mediou todo este processo em nome da UE – a flor de poder apresentar o resultado das negociações como um enorme sucesso diplomático pessoal – o aumento da sua popularidade nas sondagens internas francesas desde o início da crise da Geórgia falam por si – e para a diplomacia europeia.
E pronto. O conflito ficou encerrado, a UE vai retomar as negociações para o tal acordo de parceria estratégica com a Rússia que foram suspensas há uma semana, a Rússia mantém a sua presença na Abkházia e Ossétia e regressa ao grupo dos países respeitáveis. Em suma, ficaram todos a ganhar. Ah, é verdade, a Geórgia...
PS: E se o conflito deste Verão no Cáucaso tivesse acontecido há um ano? Nessa altura, era Portugal que presidia à UE: O que significa que era Sócrates que teria de fazer o actual papel de Sarkozy...