sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O que se passa neste país???

Vale a pena ler. E pensar. E agir.

http://www.publico.pt/temas/jornal/sos-na-zona-pobre-27140130

Franceses atacam a Amazon

O/A (será masculino ou feminino?) Amazon.fr vai deixar de poder vender livros sem custos postais ao abrigo de uma decisão tomada esta semana pelo parlamento francês para proteger as livrarias nacionais.

A decisão significa que os livros franceses vão continuar a ser vendidos aos actuais preços exorbitantes, um mal que é aliás partilhado com os livros portugueses. Em vez de obrigarem o/a Amazon a pagar os impostos apropriados pelo volume de negócios realizado em França, o que continua a não ser o caso, o Governo e o Parlamento franceses preferem penalizar os consumidores.

Estupidamente, porque suspeito que esta decisão não vai aumentar de forma significativa as vendas de livros franceses, porque mesmo com os custos postais, a diferença de preço continuará a ser favorável à/ao Amazon.

Mas, sobretudo, suspeito que a decisão francesa só vai provocar um aumento do volume de negócios do Kindle, o leitor de livros electrónicos... do/da Amazon.

Poeira para os olhos é o que é!




quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Lá vêm as candidaturas "aparelhísticas" ao Parlamento Europeu...

Por enquanto a notícia só está nos jornais (que eu saiba ainda não foi confirmada oficialmente) mas é perfeitamente plausível: Carlos Zorrinho e Francisco Assis são dados como dois candidatos mais que prováveis na lista do Partido Socialista (PS) ao Parlamento Europeu. A lógica é que tendo ambos sido fiéis ao secretário-geral, António José Seguro, serão agora recompensados com um lugar na "Europa".

Este é um hábito dos partidos políticos portugueses, que se notabilizaram por mandar para Bruxelas e Estrasburgo políticos incómodos, ou que fazem sombra ao líder do momento, ou amigos, ou fiéis, ou em fim de carreira, ou em interrupção de carreira...

Raros foram em contrapartida os deputados escolhidos em função de um reconhecido conhecimento aprofundado dos meios ou das políticas da União Europeia (UE), competência nalguma área de interesse para Portugal, peso político incontestável ou essas coisas de somenos importância.

O que explica porque é que, ao longo dos anos, grande parte dos eurodeputados portugueses não passaram de figuras de segunda fila, ou preguiçosos, ou desinteressados ou até que usaram em exclusivo o "poleiro" europeu para melhor poderem interferir na política nacional.

Das 6 eleições que, desde a adesão à UE, levaram ao PE perto de 150 eurodeputados portugueses, contam-se pelos dedos das duas mãos os que pesaram, fizeram obra reconhecida, ou influenciaram a instituição nalguma decisão importante. Na primeira linha lembro das anteriores legislaturas Lucas Pires, Carlos Pimenta e António Vitorino. Um pouco menos proeminentes mas mesmo assim com algum peso, citaria José Apolinário, José Barros Moura, Jorge Moreira da Silva, António Capucho, Margarida Salema ou Sérgio Ribeiro.

Francisco Assis, que foi eurodeputado entre 2004 e 2009, não está em nenhuma destas listas. E nunca escondeu que não gostava de estar no PE...

Na actual legislatura há 4 deputados que sobressaem entre os 22 eleitos em Portugal:

- Carlos Coelho, eleito pelo PSD (que integra o grupo parlamentar europeu do PPE, o maior do PE), tem sido desde a anterior legislatura, a voz com maior peso e autoridade em todo o Parlamento na área da Justiça e Assuntos Internos, dos acordos de Schengen às questões de imigração. Nada ou quase nada se decide nestas áreas contra si.

- Ana Gomes, eleita pelo PS, é a coordenadora das posições do grupo socialista do PE (o segundo maior da Assembleia) em matéria de política externa e defesa. Nessa qualidade, é determinante na definição das posições dos socialistas e, consequentemente, de todo o PE.

- Luís Capoulas Santos, eleito pelo PS, é o coordenador das posições do grupo socialista na área da agricultura. Enquanto tal, foi o "relator", ou seja, o responsável, de quase todas as grandes decisões do PE em matéria de reforma da Política Agrícola Comum (PAC), nesta e na anterior legislatura. O interesse deste posto para Portugal dispensa comentários.

- Last, but very far from least, Elisa Ferreira, eleita como independente pelo PS, é uma das 2 ou 3 vozes mais autorizadas de todo o PE em todas as matérias ligadas à moeda única, crise do euro ou governação económica. É, igualmente, a coordenadora das posições do grupo socialista do PE nestas matérias e é por essa razão determinante na definição de todas as posições do PE.

As posições e estatuto destes 4 deputados foram conquistadas em resultado da sua competência pessoal mas igualmente, e sobretudo, à custa de muito trabalho e dedicação ao longo de pelo menos 2 legislaturas.

Vale a pena lembrar que se trata de uma instituição de 766 membros oriundos de 28 países que, pela sua dimensão, é de facto uma máquina de engolir talentos (e já agora, egos inchados).  A verdade é que só menos de 50 deputados (e estou a ser muito optimista) é que conseguem sobressair com um peso e estatura verdadeiramente "europeus". Elisa Ferreira, Ana Gomes e Carlos Coelho estão indiscutivelmente neste grupo.

Se algum destes deputados não integrar as listas nas eleições de Maio de 2014, será uma machadada óbvia para o peso de Portugal no PE. E um tiro no pé dos partidos políticos, que nos afectará a todos nós. 

Países pequenos não se podem dar ao luxo de desperdiçar talentos confirmados e reconhecidos pelos parceiros em mais do que uma legislatura.

Destes 4 deputados, a maior perda será uma eventual exclusão de Elisa Ferreira da lista do PS. Porque a sua área de competência e acção será o tema chave dos próximos anos na União Europeia
no quadro da reforma em curso dos mecanismos de governação da zona euro, incluindo, possivelmente, por via de uma alteração do Tratado da UE.

Se Portugal  quiser pesar alguma coisa neste debate, só terá a ganhar se puder contar com Elisa Ferreira no PE que, enquanto coordenadora do grupo socialista nesta área, será um aliado precioso de qualquer Governo nas negociações com os seus 27 parceiros europeus.


Será que é desta que os partidos portugueses se disporão a assumir de uma vez por todas a sua responsabilidade escolhendo as listas eleitorais em função da competência dos seus membros e não por questões de amizade ou sob a pressão dos aparelhos partidários?

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Quem paga as reivindicações do PS?

Eu – e suponho que não sou a única – gostaria de saber como é que o secretário-geral do PS pensa que um país falido como Portugal iria encontrar forma de financiar as condições que o seu partido pôs à sua entrada num "compromisso de salvação nacional"...


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Durão Barroso: um homem só no topo da Europa

Não há memória de tamanha barragem de críticas contra um presidente da Comissão Europeia como a que tem sido desencadeada nas últimas semanas contra o actual titular do cargo, José Manuel Durão Barroso.
Os ataques têm sido particularmente virulentos a partir da França e Alemanha, os dois colossos determinantes de todos os sucessos e fracassos da União Europeia (UE) e sem os quais nada é possível.
Em Berlim, a impaciência contra Bruxelas é notória, sobretudo pelo que é visto como uma total incapacidade da Comissão para conceber e propor soluções para a crise económica e desemprego cada vez mais graves nos países periféricos.
Em Paris, a artilharia contra Barroso foi particularmente pesada nos últimos dias, com Arnaud Montebourg, ministro da recuperação industrial, a acusá-lo de ser o "combustível" da extrema-direita, e Nicole Bricq, ministra do comércio, a considerar que o presidente da Comissão "não fez nada este mandato".
Enquanto o Governo alemão tem procurado, a pedido expresso de Barroso, acalmar o jogo com moles desmentidos públicos do que é dito em privado por vários altos responsáveis, François Hollande, presidente francês não levantou um dedo para calar os seus ministros. Pelo contrário: o Governo apoia, "a substância" dos comentários de Montebourg, sublinhou esta semana a porta-voz do Governo, Najat Vallaud-Belkacem.
A fúria francesa foi despoletada pelo termo "reaccionário" usado por Barroso para  qualificar a exigência nacional de proteger a "excepção cultural" europeia do acordo de comércio livre com os Estados Unidos, para permitir a Paris continuar a subsidiar a produção musical e cinematográfica gaulesa.
Em Berlim, mesmo se o estado de espírito contra Barroso é menos bélico, a irritação não é menor. Subitamente, os alemães aperceberam-se de que estão a ser acusados de todos os males que afectam os Estados do sul, e trataram de se distanciar do tipo de austeridade que está a ser imposta aos países sob programa de ajuda externa, como Portugal e Grécia.
Para os alemães, esta austeridade é uma responsabilidade da troika de credores europeus e do FMI encarregue de negociar e vigiar a execução dos programas de ajustamento económico e financeiro que constituem a contrapartida da ajuda.
Estas receitas, acusam altos responsáveis alemães, baseadas sobretudo em aumentos de impostos para baixar os défices orçamentais em vez de reformas estruturais para modernizar as economias, são totalmente erradas e contraproducentes.
Dentro da troika, Berlim visa muito particularmente a Comissão Europeia que é, de facto, a sua instituição líder e, em todo o caso, aquela que deveria ter uma leitura mais política dos processos de ajustamento dos países ajudados.
O presidente da Comissão procura defender-se lembrando que são os Estados que tomam as decisões europeias, incluindo sobre os programas de ajuda. Formalmente é verdade, mas, na prática, nenhum ministro das finanças leu alguma vez as centenas de páginas dos relatórios fornecidos todos os trimestres pela troika sobre a execução de cada um dos programas de ajuda: basta-lhes ler as conclusões dos mesmos para saberem se os países estão ou não no bom caminho e poderem libertar a parcela seguinte dos empréstimos (desloqueados ao ritmo das necessidades nacionais de financiamento).
O que é inédito na actual vaga de críticas ao presidente da Comissão é a violência, a simultaneidade franco-alemã mas, sobretudo, o facto de não se ter ouvido uma voz que seja em toda a Europa para o defender.
Parte da explicação desta irritação está no código genético da instituição: por definição, a Comissão Europeia e o seu presidente raramente são populares nos Estados membros. Esta animosidade tem a ver com o facto de esta instituição ter sido concebida na fundação da UE para sobrepôr um interesse europeu supostamente superior e de longo prazo aos interesses imediatos e eleitoralistas dos Estados, sempre na perspectiva da construção de uma União "cada vez mais estreita" entre os povos da Europa.
Por via desta missão particular a Comissão é a única instituição comunitária com o poder de apresentar propostas legislativas viradas, precisamente, para o bem comum europeu.
Cabe-lhe, igualmente, impor o cumprimento das decisões tomadas sobre as suas propostas pelo conselho de ministros dos 27 Estados, cada vez mais em "co-decisão" com o Parlamento Europeu.
 Por estas razões, não é difícil de perceber que os Governos resistam a que lhes seja imposto do "exterior" o que devem fazer, desde a gestão dos orçamentos à redução das emissões de CO2 dos automóveis, mesmo que tenham sido eles a decidir as regras.
Com a crise do euro e o reforço feito à pressa de alguma coordenação das políticas económicas para evitar um endividamento excessivo dos Estados, os Governos aceitaram transferir mais algumas competências para Bruxelas. Só que, quando a Comissão as exerce, vários, a começar pelos franceses, revoltam-se.
Bruxelas tem outro sério problema, que é a falta de legitimidade política: os membros da Comissão são nomeados pelos Governos (um por cada Estado) sendo o presidente vagamente confirmado por um voto no Parlamento Europeu.
Barroso tem um problema adicional próprio resultante de ter sido uma "criação" do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, com o apoio do italiano Silvio Berlusconi e do espanhol José Maria Aznar – a coligação "pró-invasão americana do Iraque" de 2003 – para travar a ascenção do candidato franco-alemão – o então primeiro ministro belga Guy Verhofstadt – "federalista" europeu convicto e parte do grupo dos opositores à guerra.
Para Blair, Barroso era o candidato ideal para fazer a "ponte" entre os dois grupos de países, por ter integrado parcialmente a coligação pró-guerra com a cimeira dos Açores, embora sem ter enviado tropas para o Iraque.
A versão oficial de que Barroso foi um "coelho" tirado do chapéu à última hora para desbloquear o impasse gerado pelo veto britânico a Verhofstadt é um mito há muito desmontado: a sua candidatura foi meticulosamente preparada pela "coligação pró-guerra" durante vários meses e com a sua participação directa.
Apesar de profundamente contrariados, o então presidente francês, Jacques Chirac e o chanceler alemão Gerard Schröder, não ousaram agravar a crise europeia do momento com um veto à nomeação do português.
O problema é que, nove anos depois, e apesar das mudanças políticas em Paris e Berlim, Barroso nunca conseguiu cair nas boas graças dos seus líderes.
A sua confirmação para um segundo mandato em 2009 resultou unicamente da falta de alternativas capazes de satisfazer 27 países mas, igualmente, da vontade de franceses e alemães de manterem em Bruxelas um presidente fraco para poderem gerir a Europa como muito bem entendessem. O que jamais se coibiram de fazer.
No início do segundo mandato, em 2010, Barroso foi confrontado com o problema adicional da nomeação de um novo presidente do Conselho Europeu – as cimeiras de Chefes de Estado ou de Governo da UE –, cargo criado no Tratado de Lisboa, para, precisamente, fragilizar o presidente da Comissão. De chefe incontestado da "Europa", Barroso passou a ter de partilhar os holofotes com um concorrente directo, o ex-primeiro ministro belga, Herman Van Rompuy, cujo gabinete está instalado a 50 metros do seu, separado apenas por uma rua.
Barroso nunca se conformou com uma concorrência que, de facto, diminuiu o seu estatuto junto dos líderes da UE, onde é Van Rompuy que impera.
Em Berlim, sobretudo, o presidente da Comissão é acusado de passar o essencial do seu tempo em lutas de poder com o belga, em vez de se ocupar a repor a economia europeia nos carris.
Curiosamente, Barroso teve a possibilidade no fim do seu primeiro mandato, em 2009, de atravessar a rua para se tornar no primeiro presidente do Conselho Europeu, quando os Governos da UE estavam à procura de um nome.
Os seus próximos aconselharam-no a fazê-lo, por conhecerem a sua aversão à tecnicidade extrema dos temas que a Comissão tem de enfrentar todos os dias, à gestão dos mais de 30 mil eurocratas e à arbitragem permanente das sensibilidades dos Estados.
Do que Barroso gosta mesmo, afirmam os seus próximos, é das actividades de representação externa da UE: é nas grandes cimeiras internacionais, com Barack Obama ou Vladimir Putin, que ele "está no seu elemento", refere uma fonte europeia.
Porque é que Barroso não mudou de cargo? Segundo um responsável europeu que acompanhou todo o processo, porque quis, acima de tudo, seguir as pisadas de Jacques Delores, o seu mítico antecessor com quem, paradoxalmente, odeia ser comparado. Tendo Delors sido o único presidente da Comissão a exercer dois mandatos (e meio), Barroso quis ficar na história pelas mesmas razões.
O problema é que, na comparação inevitável com Delors, Barroso perde em toda a linha.
Tal como o actual presidente, Delors também foi uma segunda escolha dos Estados e, quando foi nomeado, não beneficiava de uma estima particular em Paris e Berlim. O ex-ministro francês das finanças conseguiu no entanto conquistar rapidamente a confiança do então presidente francês François Mitterrand, e do chanceler alemão, Helmut Kohl, não pelos seus olhos, mas pela sua visão da Europa, pelas suas ideias sobre o que fazer e como – do mercado interno à moeda única – e pela sua extraordinária capacidade de compreensão e de resolução das dificuldades dos Estados.
A grande força de Delors assentava, igualmente, no facto de conhecer a fundo todas as áreas de intervenção da Comissão e de se ter apoiado na grande qualidade dos funcionários da instituição, incentivando em permanência o debate e a criatividade internas e procurando regularmente nos serviços os eurocratas mais capazes de executar as suas ideias, sem se ofuscar com as hierarquias.
A "Comissão Barroso" é precisamente o oposto, assentando numa gestão presidencialista e totalmente hierarquizada, em que o debate real e sobretudo contraditório é quase inexistente e a iniciativa fortemente desencorajada. Com a agravante de que, 9 anos depois da chegada de Barroso a Bruxelas, ninguém é capaz de lhe identificar uma visão clara para a Europa.
O rótulo de "camaleão" que lhe foi colado à pele no Parlamento Europeu logo nos primeiros meses, em 2004, devido à sua extraordinária capacidade de mudar de posição e de discurso em função do interlocutor, mantém-se actual em 2013.
Delors deveu igualmente grande parte do seu sucesso à verdadeira equipa de choque de colaboradores de 5 estrelas de que se rodeou. Ao invés, a equipa de Barroso – salvaguardando algumas excepções – é motivo de consternação e até galhofa em Bruxelas, Paris e Berlim.
Por causa da sua aversão aos detalhes técnicos, o actual presidente é acusado em Lisboa, Atenas e Dublin de evitar interferir nos programas de ajuda, deixando os técnicos da Comissão membros das troikas em roda livre e sem o enquadramento político que seria necessário para evitar as receitas que estão a asfixiar algumas destas economias. A mesma crítica é ouvida em Berlim.
Como não dispõe de uma "opinião pública" própria a que se possa dirigir, Barroso dificilmente se pode defender dos ataques. Para isso precisa de passar pela intermediação do corpo de jornalistas – o maior do Mundo – acreditado em Bruxelas. Mas Barroso, que vive mal com a crítica, tem uma má relação com parte da imprensa, o que reforça o seu isolamento.
O resultado é que em grande parte devido à sua fragilidade, o presidente da Comissão tornou-se no bode expiatório perfeito para todas as dificuldades e frustrações dos Estados.
O pior é que neste processo de atribuição de culpas, por muito violento que seja, a procissão ainda vai no adro: na contagem decrescente para as eleições europeias de Maio de 2014, Barroso vai ser sempre, e cada vez mais, a vítima ideal para todos os extremistas, populistas e eurocépticos que, ninguém duvida, vão saber explorar o descontentamento popular que alastra por toda a Europa ao sabor da crise económica e do desemprego.
A um ano de terminar o mandato, do alto da sua torre de vidro em forma de estrela, Durão Barroso é, e será, cada vez mais um homem só.

(Artigo publicado no Público de 30/6/2013)


domingo, 17 de março de 2013

Durão Barroso "quase" keynesiano?

Escreve o Financial Times num dos textos sobre a cimeira de líderes da União Europeia de 14 e 15 de Março:

At a post-summit press conference, José Manuel Barroso, the European Commission president who has long been one of the most ardent advocates of fiscal consolidation, appeared almost Keynesian.

Para que conste que a constatação de que Durão Barroso é "há muito um dos mais ardentes defensores da consolidação orçamental" é generalizada.

Brincar com o fogo

A lista dos erros cometidos na gestão da crise do euro conta a partir de sábado, 16 de Março, com mais duas pérolas assumidas no programa de assistência financeira a Chipre.

Aparentemente sem estados de alma, os ministros das finanças do euro rebentaram com dois tabus que, até sábado, pareciam absolutos (ver a propósito a edição do PÚBLICO de domingo 17 de Março).

O primeiro tabu que saltou foi o novo envolvimento dos privados num programa de assistência financeira.

Até sábado, a zona euro garantia a pés juntos que os privados só seriam chamados a participar no financiamento da Grécia, o que aconteceu em 2012 com as perdas infligidas em duas ocasiões aos detentores da sua dívida pública. Aqui, os privados foram sobretudo bancos, fundos de investimento e outros instrumentos do mesmo tipo que, em muitos casos, especularam desenfreadamente sobre a falência da Grécia.

Com a ajuda a Chipre, este tabu caiu: os privados voltaram a ser chamados a participar. Só que desta vez, os privados não são os especuladores, mas os depositantes, todos os depositantes nos bancos cipriotas, qualquer que seja o montante das suas contas. Esta participação será feita através de uma taxa de 6,75% sobre os depósitos até 100.000 euros, e de 9,9% para os montantes superiores.

Esta taxa rebentou com o 2º tabu absoluto, que era a garantia assumida pelos Governos europeus de todos os depósitos até 100.000 euros. Esta regra foi instituída por todos os países da União Europeia (UE) em 2008, em plena crise financeira, para evitar uma corrida aos depósitos quando a totalidade do sistema financeiro europeu estava ameaçada de derrocada.

Note-se que a decisão de tributar agora os depósitos até 100.000 euros não foi tomada por Chipre, mas imposta pela zona euro. Senão, não havia ajuda. Note-se também que os accionistas dos bancos não foram tocados, nem os detentores da dívida do país. Mas os depositantes.

A partir daqui, podemos tirar duas conclusões óbvias. 

A primeira é que se o carácter exclusivo da participação dos privados no programa grego caiu, nada nos diz que estes não voltarão a ser chamados a participar no financiamento de outros programas de ajuda, por exemplo se Portugal, ou Espanha, precisarem de mais dinheiro. A excepção grega, prometida e jurada durante longos meses, durou apenas até Chipre.

A segunda conclusão  é que os depósitos bancários até 100.000 euros só estão garantidos até ser preciso encontrar dinheiro para financiar um programa de ajuda. 

Claro que os países do euro explicam que Chipre é um "caso específico" – não disseram que era "único", como sempre fizeram no caso da Grécia – por causa do seu sector bancário sobre-dimensionado – mais de 8 vezes superior ao valor do PIB – e da presença massiva de não residentes russos que beneficiam do paraíso fiscal da ilha. Mas será que os países do euro se esqueceram que o sistema bancário irlandês também está sobre-dimensionado e que a Espanha continua às voltas com a fragilidade dos seus bancos? 

A ideia peregrina de envolver os privados nos programas de ajuda, imposta por Angela Merkel em 2010, já fez várias vítimas da especulação financeira, a começar pela Irlanda, seguida de Portugal. Perante o desastre resultante, a Alemanha recuou. Deste recuo partiu a promessa de que a Grécia seria um caso único.

Mas, depois da quebra de duas promessas essenciais no sábado, como é que os cidadãos europeus – sobretudo os dos países mais frágeis – vão poder acreditar que as suas poupanças estão a salvo?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Tansparência e justiça

Quando há razões para se fazer justiça, faça-se justiça.

Hoje acabei de cobrir a minha quarta negociação sobre o quadro orçamental plurianual da UE para os anos 2014-2020. Os anteriores foram os quadros 1992-1999, 2000-2006 e 2007-2013.

Foram todas negociações dificílimas, complicadíssimas, que se arrastaram durante meses e que metiam uma quantidade infindável de estatísticas e números sobre quanto é que cada país paga para o orçamento comunitário, quanto é que vai passar a pagar; quanto é que recebe de ajudas agrícolas ou estruturais, quanto é que vai passar a receber; se se altera este parâmetro, que efeito tem nos outros; se se mexe no cheque britânico, o que é que isso significa para as outras contribuições. É assim como um puzzle de 5 mil peças...

Hoje, quando acabou a cimeira europeia que definiu o novo orçamento até 2020, estávamos nós, os jornalistas, algo apreensivos com o risco sempre presente de sermos enganados, ou baralhados, com as eternas vitórias negociais a que os nossos governantes sempre nos habituaram.

Pois bem, não foi nada disso que aconteceu. Passos Coelho desceu à sala de imprensa portuguesa e debitou os números todos, direitinhos, certinhos. Acima de tudo, assumiu pacificamente que vamos ter menos fundos estruturais e agrícolas do que antes, porque o orçamento é mais pequeno. Em suma, não tentou enganar ninguém e tratou a coisa com a maior naturalidade.

Que contraste com as negociações anteriores, lideradas, respectivamente, por Cavaco Silva, António Guterres e José Sócrates. A confusão que foram os anúncios daqueles acordos, sempre com vitórias retumbantes para o Primeiro Ministro do momento, pois claro, com números mirabolantes que obviamente não eram de todo comparáveis, percentagens saídas sabe-se lá de onde, enfim um pandemónio que nos obrigava a passar horas e horas a tentar fazer as contas todas para tentar apanhar o embuste (e, já agora, adivinhem quem era o mais criativo na apresentação destas vitórias coloridas...)

Diríamos: é o mínimo que se exige a um Primeiro Ministro que seja sério, sóbrio e que não nos tente enganar. Pois claro que é, só que nós é que não estávamos habituados. É sobretudo um sinal de maturidade parar com a parolice saloia de que "lá fora" temos de fazer boa figura, que era assumida por muitos dos nossos ex-Primeiros ministros. Até que enfim.

E já agora acrescento: os cálculos e a clareza de Passos facilitaram-nos imenso o nosso trabalho. E também por isso merece que lhe seja feita justiça.

http://www.publico.pt/economia/noticia/van-rompuy-anuncia-no-twitter-acordo-sobre-orcamento-comunitario-1583861

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O que fazer do Reino Unido na UE? Simples: let them go!


Disclaimer: Não sou anti-britânica, muito pelo contrário, e tenho um respeito profundo pelos ingleses incluindo, mas não só, por tudo o que fizeram para defender a Europa nalgumas das suas épocas mais negas. O que não me impede de pensar que o debate europeu no Reino Unido é absolutamente provinciano, histérico e assente em pressupostos frequentemente errados.
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Finalmente David Cameron, primeiro ministro britânico, expôs a sua visão sobre a participação no Reino Unido (RU) na União Europeia (UE).
Em resumo, disse que quer que o seu país fique na UE. Garantiu, até, que se baterá de "alma e coração" por este desfecho no referendo que vai convocar sobre a Europa entre 2015 e 2017. Ah, sim, pois, mas isso só se puder definir um novo estatuto para o país na UE no quadro de uma renegociação com os parceiros que incluirá uma devolução de competências do nível europeu para o nível nacional.
Isso já sabíamos, porque Cameron se tem fartado de o repetir. O que não sabíamos, e continuamos a não saber, é quais são as competências que ele quer recuperar. Nem sabemos, porque ele não o disse, o que fará se os parceiros lhe derem uma nega. Tira o RU da UE?
Conhecemos, porque Cameron se tem fartado de o exprimir, o seu antagonismo relativamente às normas europeias absolutamente básicas de protecção social, que se resumem praticamente a uma directiva (lei) que limita o tempo de trabalho a 48 horas semanais - e face à qual o Reino Unido já tem uma salvaguarda que lhe permite chegar às 60 horas... Estamos a voar alto, sem dúvida.
Ou seja, o discurso de Cameron, dirigido sobretudo para os conservadores eurocépticos, não esclareceu rigorosamente nada do que os outros países esperavam. 
Nem resolveu, acima de tudo, o equívoco histórico que representou a adesão do RU há 40 anos por razões puramente económicas.
Nunca ninguém explicou aos ingleses que a integração europeia é essencialmente um projecto político de "união cada vez mais estreita" entre os povos da Europa, que como Cameron muito bem lembrou, está inscrita no preâmbulo do Tratado.
O RU entrou para poder beneficiar das vantagens de um mercado interno actualmente com 500 milhões de cidadãos, para o qual pode vender, enquanto grande nação comercial que é, o que quiser sem pagar um cêntimo de direitos aduaneiros.
Apesar do referendo de 1975 que confirmou a integração do país realizada 2 anos antes, o equívoco nunca foi desfeito.
Muito naturalmente, os ingleses sentem-se enganados desde 1973. Tanto mais que os responsáveis políticos, apoiados por uma certa imprensa eurocéptica e muito pouco séria, tem-se encarregado, ao longo dos últimos 40 anos, de perpetuar o equívoco, apresentando sistematicamente a UE como uma construção horrorosa, centralizadora, anti-democrática, que quer roubar poderes ao parlamento de Westminster e que custa os olhos da cara aos ingleses. 
Pois bem, chegou a hora de Cameron tirar as consequências do equívoco criado há 40 anos e cujo preço os outros países não pararam desde então de pagar. 
Basta lembrar que desde a crise financeira de 2008, Londres tem bloqueado todas e cada uma das inúmeras tentativas de estabelecer um mínimo de regras para a banca, obrigando sistematicamente os outros 26 a baixar as expectativas.
Enganam-se os que pensam que os trabalhistas fariam diferente: o tipo de desregulamentação que permitiu o desenvolvimento de um capitalismo financeiro selvagem na UE foi imposto pelo RU, nomeadamente sob a liderança do – socialista? – Tony Blair.
A pior coisa que os restantes países da UE poderão fazer é cair na chantagem de Cameron e aceitar um estatuto especial para o RU que lhe permitirá ter apenas a parte boa da integração sem ter de suportar os aspectos de que não gosta e que resultam, muitas vezes,  da necessidade de acomodar as diferentes sensibilidades de 27 países membros.
Está na hora, sobretudo, de os outros países pararem com a conversa politicamente correcta de que o Reino Unido é indispensável à UE. Não é.  Se só quer o mercado interno, pode sair da UE mantendo sem tirar nem pôr o acesso ao mercado interno, como fazem a Suíça e a Noruega através dos acordos especiais que têm com os 27. Claro que Cameron não quer nada disso, porque sabe que perde a capacidade de influenciar as decisões.
Sintomaticamente, aliás, Cameron avisou os britânicos que, nesse cenário, o país perde sobretudo o seu "direito de veto" das decisões europeias. O que poderemos esperar de um país que diz que quer permanecer na UE para melhor poder vetar as suas decisões?
 O Reino Unido também não precisa de estar na UE para dar consistência à política externa e de segurança comum (PESC), como é frequentemente considerado na galáxia opinativa. As operações europeias neste capítulo são todas voluntárias, ou seja, só participa nelas quem quer, membro ou não membro da UE. O que significa que, mesmo fora da UE, os ingleses podem participar  nas operações de paz que entenderem.
Aliás, no caso do RU, pelo menos, estar dentro da UE não oferece garantia nenhuma neste capítulo. Muito pelo contrário: o Reino Unido era membro da UE quando provocou uma das maiores clivagens internas de sempre ao associar-se unilateralmente à América de George W. Bush para invadir o Iraque em 2003. Sem consultas de espécie nenhuma aos parceiros europeus, a quem devia, pelo menos, um mínimo de lealdade.
O grande erro de Cameron é acreditar que os outros países lhe vão implorar para ficar na UE e que, para isso, estão dispostos a ceder à chantagem dando-lhe o estatuto especial que pretende. Não estão. A palavra de ordem nos últimos meses em Bruxelas e em várias outras capitais é límpida: querem ir embora? Let them go!