domingo, 17 de março de 2013

Durão Barroso "quase" keynesiano?

Escreve o Financial Times num dos textos sobre a cimeira de líderes da União Europeia de 14 e 15 de Março:

At a post-summit press conference, José Manuel Barroso, the European Commission president who has long been one of the most ardent advocates of fiscal consolidation, appeared almost Keynesian.

Para que conste que a constatação de que Durão Barroso é "há muito um dos mais ardentes defensores da consolidação orçamental" é generalizada.

Brincar com o fogo

A lista dos erros cometidos na gestão da crise do euro conta a partir de sábado, 16 de Março, com mais duas pérolas assumidas no programa de assistência financeira a Chipre.

Aparentemente sem estados de alma, os ministros das finanças do euro rebentaram com dois tabus que, até sábado, pareciam absolutos (ver a propósito a edição do PÚBLICO de domingo 17 de Março).

O primeiro tabu que saltou foi o novo envolvimento dos privados num programa de assistência financeira.

Até sábado, a zona euro garantia a pés juntos que os privados só seriam chamados a participar no financiamento da Grécia, o que aconteceu em 2012 com as perdas infligidas em duas ocasiões aos detentores da sua dívida pública. Aqui, os privados foram sobretudo bancos, fundos de investimento e outros instrumentos do mesmo tipo que, em muitos casos, especularam desenfreadamente sobre a falência da Grécia.

Com a ajuda a Chipre, este tabu caiu: os privados voltaram a ser chamados a participar. Só que desta vez, os privados não são os especuladores, mas os depositantes, todos os depositantes nos bancos cipriotas, qualquer que seja o montante das suas contas. Esta participação será feita através de uma taxa de 6,75% sobre os depósitos até 100.000 euros, e de 9,9% para os montantes superiores.

Esta taxa rebentou com o 2º tabu absoluto, que era a garantia assumida pelos Governos europeus de todos os depósitos até 100.000 euros. Esta regra foi instituída por todos os países da União Europeia (UE) em 2008, em plena crise financeira, para evitar uma corrida aos depósitos quando a totalidade do sistema financeiro europeu estava ameaçada de derrocada.

Note-se que a decisão de tributar agora os depósitos até 100.000 euros não foi tomada por Chipre, mas imposta pela zona euro. Senão, não havia ajuda. Note-se também que os accionistas dos bancos não foram tocados, nem os detentores da dívida do país. Mas os depositantes.

A partir daqui, podemos tirar duas conclusões óbvias. 

A primeira é que se o carácter exclusivo da participação dos privados no programa grego caiu, nada nos diz que estes não voltarão a ser chamados a participar no financiamento de outros programas de ajuda, por exemplo se Portugal, ou Espanha, precisarem de mais dinheiro. A excepção grega, prometida e jurada durante longos meses, durou apenas até Chipre.

A segunda conclusão  é que os depósitos bancários até 100.000 euros só estão garantidos até ser preciso encontrar dinheiro para financiar um programa de ajuda. 

Claro que os países do euro explicam que Chipre é um "caso específico" – não disseram que era "único", como sempre fizeram no caso da Grécia – por causa do seu sector bancário sobre-dimensionado – mais de 8 vezes superior ao valor do PIB – e da presença massiva de não residentes russos que beneficiam do paraíso fiscal da ilha. Mas será que os países do euro se esqueceram que o sistema bancário irlandês também está sobre-dimensionado e que a Espanha continua às voltas com a fragilidade dos seus bancos? 

A ideia peregrina de envolver os privados nos programas de ajuda, imposta por Angela Merkel em 2010, já fez várias vítimas da especulação financeira, a começar pela Irlanda, seguida de Portugal. Perante o desastre resultante, a Alemanha recuou. Deste recuo partiu a promessa de que a Grécia seria um caso único.

Mas, depois da quebra de duas promessas essenciais no sábado, como é que os cidadãos europeus – sobretudo os dos países mais frágeis – vão poder acreditar que as suas poupanças estão a salvo?