quarta-feira, 5 de maio de 2010

Felizmente há Daniel Cohn-Bendit...

Vale a pena assinalar o que disse hoje Daniel Cohn-Bendit, líder dos Verdes no Parlamento Europeu, a propósito da decisão dos países da eurolândia sobre uma ajuda de 110 mil milhões de euros à Grécia, em troca de uma cura de austeridade violentíssima:

- Os governos “estão completamente loucos". “O que estão a pedir ao governo de [George] Papandreou é praticamente impossível”: os outros países precisaram de vários anos para aprovar reformas estruturais, incluindo das pensões de reforma, “e agora pedem a Papandreou para fazer tudo em três meses".

“Não lhe foi dado tempo para construir um consenso”. “São seres humanos, há problemas de emprego (...) e não pode ser só a finança a ditar” as regras

- os governos “estão a fazer dinheiro à conta da Grécia”: “vão contrair créditos a 1,5 ou 3 por cento, que vão emprestar à Grécia a 5 ou 6 por cento. É intolerável”

- os governos são “completamente hipócritas” porque “estão a dar dinheiro aos gregos para comprar as suas armas”: “6 fragatas" e vários "helicópteros e aviões Rafale” foram vendidos pela França à Grécia nos últimos meses, mais 6 submarinos vendidos pela Alemanha.

- “há uma possibilidade de ajudar o orçamento grego”: “uma iniciativa da UE em favor da desmilitarização da zona” e da “retirada das tropas turcas do Norte de Chipre”. (As tensões entre gregos e turcos justificam, segundo Atenas, as suas elevadas despesas militares, estimadas em mais de 4 por cento do PIB). Reduzir estes gastos "é mais eficaz que baixar salários de quem ganha mil euros".

- “Peço à Comissão Europeia um relatório sobre as vendas de armas à Grécia e à Turquia estes últimos anos, para que haja transparência".

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Enquanto a casa arde...

... a Comissão Europeia dá uma notícia estrondosa: a proibição de transportar líquidos a bordo dos aviões vai acabar ... em 2013.

É a notícia de que todos os europeus estavam certamente à espera, e que permitirá que os mercados financeiros, que estão apostados em rebentar com as finanças da Grécia (e Portugal, Espanha, Irlanda...) possam finalmente serenar...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Quiz

Quem disse isto, a propósito da necessidade de acelerar a ajuda da zona euro à Grécia? E quem é que deveria ter dito?

"A questão com que estamos confrontados não tem apenas a ver com a Grécia, mas com a estabilidade da zona euro. Cada dia perdido, é um dia em que a situação piora cada vez mais. Como a Grécia faz parte da zona euro, por causa do sistema de solidariedade no seio da zona euro, é a confiança na zona que está em jogo".

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PS: o Bernardo tem obviamente razão. Mas sabendo que Angela Merkel não quer, ou não está em condições de o dizer, penso que não teria ficado mal ao Barroso ter assumido um discurso deste tipo. É o seu papel, acho eu.

Por mais que pense, não consigo deixar de achar curioso que seja o DG do FMI a mostrar-se preocupado com a estabilidade da zona euro...,

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Carlos Costa

É uma situação rara, mas a unanimidade do sector económico e financeiro – e mesmo dos partidos políticos – a favor da nomeação de Carlos Costa para governador do Banco de Portugal (BP), fala por si.

De Nogueira Leite – “muito boa escolha” – a Artur Santos Silva – “excelente escolha”, passando por Ricardo Salgado – “um banqueiro muito importante, experiente, que reúne todas as condições para ser um grande governador do Banco de Portugal” - os elogios choveram ontem sobre a escolha do governo.

Talvez o melhor resumo seja o de João Deus Pinheiro (que, bom, não é o melhor juiz ...) , de quem Carlos Costa foi chefe de gabinete durante os sete anos em que foi comissário europeu: "isento, super-trabalhador, brilhantíssimo, independente, de uma lealdade a toda a prova e de uma simplicidade enorme", segundo disse ao Jornal de Negócios.

Não sei como é que o visado será como Governador do BP, mas no que se refere à construção europeia, não é demais dizer que foi uma peça fundamental para Portugal desde a adesão à União Europeia (UE).

Carlos Costa é porventura o português que mais sabe de UE, e não apenas por ter lidado com ela a partir de várias instituições comunitárias: Conselho de Ministros, Comissão Europeia e, actualmente, Banco Europeu de Investimentos.

O mais importante foi, por exemplo, ter conduzido em nome do governo português negociações tão cruciais com a ronda orçamental de 1988 – mais conhecida por Pacote Delors I – que permitiu a primeira duplicação dos fundos estruturais nos países mais pobres da UE. Nessa matéria teve, nomeadamente, um contributo decisivo em questões como a concepção do novo recurso orçamental baseado no PNB então criado, ou a argumentação em favor dos fundos estruturais como contrapartida do mercado interno europeu. Cavaco Silva, na altura primeiro ministro, não dava um passo nestas matérias sem o consultar.

Também foi ele que negociou, de novo em nome do governo português, o Tratado de Maastricht na vertente da União Económica e Monetária – com um contributo fundamental por exemplo na concepção do princípio, e regras, da igualdade de acesso de todos os países à moeda única.

Ele é um daqueles portugueses de cinco estrelas, respeitadíssimo nas instituições europeias, que tem sido estupidamente subaproveitado pelos nossos governantes

Pelo conhecimento profundo que tem da UE e dos seus protagonistas, de certo modo é pena que deixe o circuito europeu...

Mas também é verdade que, enquanto governador do BP, vai integrar o conselho dos governadores do Banco Central Europeu (BCE). O que já não é nada mau...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Finalmente, boas notícias

A crise da dívida na Grécia tem pelo menos uma vantagem: está a obrigar os países da UE e sobretudo da zona euro a reflectir como é que podem melhorar a gestão e a coordenação da zona. E, consequentemente, a integração europeia. Ou melhor: da zona euro.

Toda a conversa sobre a criação de um Fundo Monetário Europeu de resgate para os países em dificuldades de pagamentos vai no bom sentido, parece-me. Vai ser preciso alterar o Tratado de Lisboa? Pois vai, e isso só pode ser positivo, é o sinal de que a construção europeia avança e se adapta às necessidades dos seus Estados membros.

A má notícia é que a Comissão Europeia continua a reboque das ideias que vão sendo lançadas pelos governos, seja sobre o FME ou sobre o combate aos fundos altamente especulativos, incapaz de apresentar qualquer ideia federadora ou de orientar o debate. Gostaria de não estar sempre a bater na mesma tecla, mas a passividade da Comissão começa a ser verdadeiramente preocupante.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Durão Barroso fora de jogo?

Durão Barroso não está nos seus melhores momentos face aos governos da União Europeia, e não dá sinais de melhoras.

Há duas semanas, na cimeira especial de lideres da UE quase integralmente consagrada à crise da dívida na Grécia, Barroso esteve totalmente ausente das negociações sobre o texto da declaração política de solidariedade com Atenas. Nos mais de vinte anos em que acompanhado a actualidade europeia em Bruxelas, não me lembro de alguma vez um compromisso importante negociado entre chefes de Estado ou de Governo não ter sido pilotado pelo presidente da Comissão Europeia.

Desta vez, o texto aprovado pelos Vinte e Sete foi integralmente preparado por Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, sem qualquer intervenção de Barroso. Os seus termos foram propostos por Van Rompuy durante a reunião que convocou na própria manhã da cimeira (e que provocou aliás um atraso de três horas no seu arranque) entre Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha, Nicolas Sarkozy, presidente francês e George Papandreou, primeiro ministro grego. A contribuição de Durão Barroso não foi considerada necessária. É mau sinal.

Depois foi a decisão surpresa anunciada na semana passada sobre a nomeação de João Vale de Almeida, ex-chefe de gabinete de Barroso, para embaixador da UE em Washington: na segunda-feira, vários ministros dos Negócios Estrangeiros protestaram por não terem sido consultados. A irritação compreende-se: os antigos representantes da Comissão nos países terceiros, Estados Unidos incluídos, passaram, com o Tratado de Lisboa, a ser embaixadores da totalidade da UE. O que significa que este tipo de nomeações passou desde a sua entrada em vigor (1 de Dezembro de 2009) a competir não ao presidente da Comissão, mas à alta representante para a política externa, Catherine Ashton, enquanto chefe do futuro Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE).

Os próximos de Barroso bem podem tentar justificar a decisão com o argumento de que a importância das relações transatlânticas não permitiria manter mais tempo a embaixada europeia em Washington desocupada (o anterior embaixador saiu em Outubro), mas o argumento não colhe: Vale de Almeida só assumirá funções no Verão. O que significa que a nomeação do novo embaixador poderia ter sido feita em Abril, ou Maio, altura em que é suposto o SEAE estar totalmente operacional. E os governos sabem muito bem que a nomeação precipitada – e surpreendente – de Vale de Almeida se destinou a permitir-lhe sair por cima na guerra que lhe estava a ser movida pelos Estados no processo de criação do SEAE. Barroso, pelo contrário, sai por baixo com a manobra.

Há dias um dos analistas mais conceituados em Bruxelas – cuja identidade não posso revelar – afirmou numa conferência que Barroso foi literalmente cilindrado por Nicolas Sarkozy durante a presidência francesa da UE, no segundo semestre de 2008, e que ainda não se conseguiu recompor. Parace-me que os factos lhe dão razão.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Barroso II

Será que Durão Barroso tem uma ideia clara do que quer fazer no segundo mandato que hoje arrancou? Se não tem é bom que se defina rapidamente, sob pena de a Comissão Europeia ser cilindrada por Herman Van Rompuy, o presidente do Conselho Europeu que, pelo contrário, sabe bem o que quer.

Pelo que tem dito nos últimos tempos, as ideias de Barroso parecem ser mais do mesmo. Nada faz por agora prever que a Comissão está disposta a sair da postura essencialmente reactiva que marcou o seu primeiro mandato.

Barroso dispõe de uma maioria aritmeticamente confortável no PE – 66 por cento dos 736 eurodeputados, ou 70 por cento dos votos expressos, como se quiser – para arriscar ser um pouco mais ousado e criativo nas suas iniciativas.

Ao seu serviço tem a mais original das instituições europeias, que acumula um direito exclusivo de iniciativa legislativa com a responsabilidade de gerir e aplicar as políticas comunitárias e impor o cumprimento do direito europeu. Que conta com mais de 20 mil funcionários na sua maior parte altamente qualificados, muitíssimo bem pagos e com capacidade e motivação para gerar as ideias, os debates e as reflexões para a formulação das propostas e as políticas que permitam à UE enfrentar os problemas com que se depara nas próximas décadas.

O problema está em que Barroso, e os seus próximos, parecem ter horror do debate e da criatividade. Basta ver como são afastados os jornalistas que ousam duvidar, questionar ou criticar a sua presidência, ou mesmo que não mencionam suficientemente o seu nome nos artigos que escrevem sobre a UE.

Muitos eurocratas estão profundamente frustrados com o papel de burocratas a que têm sido confinados tanto pelas regras internas de funcionamento da Comissão, como pela resistência das suas estruturas dirigentes ao desenvolvimento de ideias. Eu sei que é irrisório regressar sistematicamente ao passado, mas os funcionários dos anos 1980 e 1990 lembram com nostalgia o hábito que Jacques Delors tinha de entrar regularmente nos diferentes serviços da Comissão, reunir os funcionários que considerava qualificados (independentemente das hierarquias) e reflectir com eles sobre os problemas do momento. Eram verdadeiros “brain stormings” em que a inteligência e os talentos eram solicitados. Não foi por acaso que esta foi uma das épocas mais férteis da construção europeia...

É de esperar que Barroso abandone rapidamente a sua aversão ao risco e se disponha a ir muito além da simples gestão burocrática das circunstâncias. Caso contrário ameaça a sua instituição e, mais ainda, o projecto europeu.

Está na hora de começarmos a perceber porque é que Barroso quis abandonar o governo português para presidir à Comissão Europeia...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Durão Barroso tem “uma oportunidade incrível de rectificar o tiro” na nova Comissão

Esta é a versão quase completa da entrevista (publicada no Público de hoje em versão reduzida) que fiz a Sylvie Goulard, eurodeputada centrista de 45 anos, presidente do Movimento Europeu francês e autora de vários livros sobre a construção europeia. O seu "L'Europe pour les Nuls" (não traduzido para português) valeu-lhe o Prémio Europeu do Livro-2009. Nele, Goulard, que dedicou a sua vida académica e profissional à Europa, prova que é possível explicar a União Europeia de forma exaustiva e séria, mas bem humorada.

P: Como é que se explica que os lideres da União Europeia (UE) tenham escolhido um presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, com um perfil “comunitário”, em vez de Tony Blair e o seu modelo de cooperação intergovernamental?

R: Os lideres perpetuam uma mentira sobre a Europa, fazem crer que a Europa comunitária não é necessária e que o modelo intergovernamental funciona melhor. Mas sabem muito bem que não é verdade e que o método comunitário é o único que permite trabalhar a Vinte e Sete. Penso que escolheram um presidente comunitário porque não era muito conhecido. O que significa que podem aceitar um presidente comunitário desde que seja discreto.

P: Van Rompuy está a marcar a agenda, mas não estará a entrar no espaço da Comissão Europeia?
A Comissão pôs-se sozinha num canto. Durão Barroso tinha cinco anos para assumir iniciativas. Por exemplo, a supervisão financeira: em 2007 depois da crise dos “subprimes” nos Estados Unidos vários banqueiros e financeiros avisaram para os problemas que se anunciavam, e a Comissão Barroso não fez nada. Repare-se, também, na teimosia com que quis aplicar a Estratégia de Lisboa, que não assenta em nenhum instrumento vinculativo, e que está nos antípodas dos seus poderes. A Comissão não aplicou o método comunitário, auto-flagelou-se durante cinco anos e chegou ao fim extremamente enfraquecida. Eu
pessoalmente defendo um reforço da Comissão, penso que temos todos interesse em ter uma Comissão forte, mas a natureza tem horror do vazio e se Durão Barroso não ocupar o espaço que lhe compete em termos de propostas, e se o Conselho Europeu tiver um presidente com ideias mais precisas, vai marcar pontos.

P: Durão Barroso acredita que na UE a Vinte e Sete a Comissão tem de ser menos voluntarista do que a Doze ...

R: Não estou de todo de acordo, e penso mesmo o contrário: quanto mais numerosos forem os Estados membros, maior será a necessidade de um árbitro neutro no jogo. A Comissão pode ser mais poderosa com Vinte e Sete Estados do que com menos. Basta lembrarmo-nos que Jean Monnet inventou o método comunitário depois de ver que a Sociedade das Nações não funcionava. De todos os modos, mesmo quando eram seis países não é verdade que as coisas funcionavam bem, isso é uma ilusão absoluta, nunca houve um momento na história comunitário em que tudo funcionava bem. A tentação dos Estados de guardar o poder, ou de não aceitar o papel da Comissão é permanente. Mas pensar que nos vamos pôr mais facilmente de acordo a Vinte e Sete sem o impulso da Comissão enquanto garante dos direitos dos pequenos e dos interesses de todos na definição do ponto de equilíbrio, é uma ilusão completa.

P: Mas será que se pode ainda falar de União Política em 2010?

R: É preciso que as pessoas vão até Pequim, Nova Deli ou Washington e vejam o Mundo como ele é. Se não nos unirmos, se não apagarmos as diferenças mínimas existentes entre os países europeus para defendermos os nossos valores e os nossos interesses no Mundo, não iremos a lado nenhum. Os chineses executaram durante a época do Natal um britânico que era provavelmente mentalmente diminuído. O que é que queremos para o Mundo de amanhã? Um Mundo em que não podemos exprimir os nossos valores face à China ? Prefiro ter Durão Barroso – mesmo se votei contra ele como presidente da Comissão – porque sei que num certo número de coisas estamos relativamente próximos, do que avançar desorganizados face aos chineses, indianos ou americanos. Creio que a chegada de Obama marca uma viragem na história do Mundo. Os americanos vão virar a página da Europa e vão considerar que asseguram a segurança, a paz e a estabilidade e que o futuro está no Pacífico. E nós temos de ser capazes de nos organizar como fizemos com o euro – e não devemos falar apenas do que não funciona, fomos capazes nos últimos vinte anos de tomar decisões estratégicas como o euro e fizemo-lo com o método comunitário e mesmo com elementos federais. Uma vez mais, e voltando à ideia da Europa intergovernamental, creio que estamos no fim de um ciclo que era pro-intergovernamental e cujos limites foram visíveis por exemplo em Copenhaga, em que a Europa não estava na negociação decisiva sobre o clima. Prefiro uma Europa federal com europeus que existam e se exprimam, do que uma Europa intergovernamental da qual nos dizem que nos poderá fazer sair dos problemas mas que não o faz, e que nos deixa com a Estratégia de Lisboa inacabada, com a crise económica e com as alterações climáticas.

P: Mas quem vai liderar esse processo?

R: Não podemos ser dogmáticos, não se trata de construir os Estados Unidos da Europa sob o modelo dos Estados Unidos. Isso podemos esquecer, mas não quer dizer que não possamos ser criativos. Vejamos o euro: inventámos uma coisa que nunca ninguém tinha feito e que nos ajudou enormemente durante a crise. Porquê? Porque temos um Banco Central Europeu federal. Se tivéssemos governos com a coragem de fazer a pedagogia do que isso nos trouxe de positivo, talvez a palavra assustasse menos. Mas o termo não é importante, o que é importante agora é que se institua uma coordenação forte das políticas económicas, que se avance na investigação, inovação, política industrial e grandes equipamentos colectivos, ou seja, que se desenvolvam políticas verdadeiramente europeias. É isso que me interessa na Europa, é preciso vendâ-la assim aos cidadãos, e dizer-lhes: vocês participam numa construção que não se sabe bem onde chegará, mas que é a única tentativa no Mundo de fazer trabalhar em conjunto países grandes e pequenos e de o fazer num quadro que é democrático porque temos o Parlamento Europeu que é eleito por sufrágio directo e universal. Creio que o futuro da Europa está no Parlamento – não sozinho, porque tem os defeitos que tem – em conjunto com a Comissão num quadro de reforço mútuo para porem os Estados perante as suas responsabilidades.

P: Pensa que Durão Barroso está nesse linha?

R: Bom, eu votei contra ele [em Setembro], mas penso que desde então não se sai mal de todo. Quero dar-lhe a sua oportunidade. Penso que compôs a nova Comissão de forma bastante equilibrada, mas é preciso agora que prove que toma iniciativas. Há muito a fazer, e ele tem uma oportunidade incrível na nova Comissão de perceber e rectificar o tiro. Creio que é importante que as pessoas relaxem um pouco, e que não pensem que o método comunitário é algo que os fará desaparecer. A prova, o facto de Barroso ser presidente da Comissão deveria ser uma razão para os portugueses acreditarem no sistema. A crítica mais frequente contra o sistema é que não deixa lugar aos pequenos, mas não é verdade, o método comunitário garante aos pequenos um lugar muito maior na UE do que o método intergovernamental. Um dos erros dos pais fundadores da UE foi nunca terem feito a pedagogia do que tinham em mente. O método comunitário é uma coisa muito complexa mas muito inteligente, que supõe que é explicada às pessoas.

P: Como é que vê a chegada dos conservadores de David Cameron ao governo no Reino Unido?

R: Penso que infelizmente vão perpetuar a ambiguidade. Eu respeito as escolhas soberanas: se alguém não gosta da UE e não quer lá estar, pode aproveitar o facto de o Tratado de Lisboa ter uma disposição que permite a quem quiser sair. Mas se decidem ficar, têm de respeitar o dever de lealdade que já foi várias vezes reafirmando pelo Tribunal de Justiça. É preciso respeitar as instituições, respeitar a UE e parar de lhe bater. E isso é válido para todos os países. O papel de um governo nacional é explicar a UE aos seus cidadãos, assumindo a crítica quando necessário. Só que é muito fácil bater na Europa. O que me preocupa [nos conservadores britânicos] é que aparentemente mantém a sua dupla linguagem: internamente criticam imenso a Europa, mas não têm a menor intenção de perder as vantagens do mervado interno ou renunciar ao seu lugar nas instituições comunitárias. É por isso também que defendo uma abordagem muito mais dinâmica da zona euro: é preciso que continuemos a ousar fazer projectos, e os que querem juntar-se, juntam-se, enquanto que os que decidem soberanamente não o fazer não podem impedir os outros de avançar. Se déssemos esse sinal, eles mudariam imediatamente de opinião. Temos o melhor produto que existe, mas o vendedor esqueceu-se de o vender.

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PS: Já agora, e a propósito de um comentário recente - e escandalizado - do Raio, a decisão de Van Rompuy de correr com os Ministros dos Negócios Estrangeiros das cimeiras europeias não foi uma decisão arbitrária, mas simplesmente a aplicação das disposições do Tratado de Lisboa. Diz o novo Tratado no seu artigo 15º-2. -

"O Conselho Europeu é composto pelos chefes de Estado ou de Governo dos Estados membros, bem como pelo seu presidente e pelo presidente da Comissão. O alto representante [para a política externa] (...) participa nos seus trabalhos".

O parágrafo 3 do mesmo artigo, estipula que "quando a ordem do dia o exige, os membros do Conselho Europeu podem decidir ser assistidos por um ministro cada um (...)".

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

UE com 35 países em 2014 ???

A ideia é da Grécia, que esta semana lançou uma iniciativa, baptizada “Agenda 2014”, com a qual espera convencer todos os governos envolvidos a criar uma dinâmica capaz de permitir a integração na UE, em 2014, dos seis países aspirantes dos Balcãs Ocidentais que ainda não iniciaram as negociações formais de adesão: Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia, Albânia, Montenegro e Kosovo.

Se a estes países se juntarem a Croácia, que espera aderir em 2012, e a Islândia, a UE passaria a contar, segundo Atenas, com 35 países em 2014. O que quer dizer que teria absorvido nada menos do que VINTE países em apenas dez anos, dezanove dos quais com níveis de vida muito inferiores à média comunitária.

O que é curioso é que, apesar desta manifestação de boa vontade face aos vizinhos, a Grécia é o principal obstáculo à progressão da Macedónia, que é, por coincidência, precisamente o país mais avançado dos seis: a Comissão Europeia defendeu em Novembro passado que o grau de aproximação de Skopje às normas europeias é suficientemente elevado para permitir o arranque das negociações formais de adesão.
Só que a decisão – obrigatoriamente tomada por unanimidade – dos governos dos Vinte e Sete está desde então bloqueada por Atenas, que manterá o seu veto enquanto a disputa bilateral sobre o nome desta antiga República da Jugoslávia não estiver resolvida...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Van Rompuy II

Herman Van Rompuy não pára de surpreender: o novo presidente do Conselho Europeu decidiu mudar o local da próxima cimeira informal de lideres da UE de 11 de Fevereiro: em vez do frio e impessoal edifício do Conselho de Ministros da UE - o Justus Lipsius (fotos à esquerda e à direita) - os chefes de Estado ou de Governo vão trabalhar no ambiente bem mais descontraído, agradável e potencialmente inspirador da Bibliotèque Solvay, a 5 minutos de distância (a pé).

De acordo com as descrições habituais, trata-se de um "monumento
centenário, de estilo Arte Nova" dotado de uma "maravilhosa biblioteca" (onde decorrerá a reunião dos lideres) e que constitui "um dos mais impressionantes exemplos de ecletismo arquiectónico na Bélgica". Que ainda por cima está situado no meio de um magnífico parque (fotos em baixo).

A escolha d
este local constitui mais um exemplo da firme intenção de Van Rompuy de ressuscitar o espírito original das cimeiras europeias enquanto momentos de discussão franca e aberta, em espírito de família, entre os lideres dos Vinte e Sete países da UE.
O primeiro passo foi dado em Dezembro com a expulsão dos ministros dos Negócios Estrangeiros das cimeiras, o que não agradou à maior parte. (Na segunda-feira passada, vários MNE's, aproveitaram a sua reunião mensal em Bruxelas para protestar contra o facto de já nem sequer terem sido chamados a preparar os trabalhos da cimeira de dia 11...).

A consequência óbvia da escolha de Van Rompuy é que os jornalistas ficarão confinados no Justus Lipsius, sem qualquer possibilidade de acesso ao recinto da Biblioteca Solvay, apenas podendo entrar em contacto com os lideres nas conferências de imprensa previstas para o fim dos trabalhos. O que limita a eventual tentação de algum lider interromper a reunião a meio para entrar em directo nalgum telejornal...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Herman Van Rompuy: filósofo, poeta e presidente do Conselho Europeu *

Desconhecido e discreto, a sua escolha para presidente do Conselho Europeu foi motivo de troça de muitos jornais. Três semanas depois de ter entrado em funções, o ex-primeiro ministro bega já desmentiu pelos actos muitas das críticas. Durão Barroso começa a ficar preocupado com eventuais incursões na sua esfera de competências, e Rodriguez Zapatero já esbarrou contra a sua “determinação serena” de usar plenamente os seus poderes...

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Quem foi que disse que Herman Van Rompuy seria um presidente do Conselho Europeu inócuo, apagado, inofensivo?

Esta foi a leitura trocista de muitos observadores e analistas europeus ou americanos, porventura pouco familiarizados com o funcionamento da União Europeia (UE), desiludidos pelo facto de os lideres dos Vinte e Sete terem escolhido para seu primeiro presidente permanente um político de aparência tão pouco promissora e tão distante da figura carismática, mediática e de envergadura internacional que defendiam para o cargo.

“Desenganem-se!”, avisa quem o conhece, frisando que a aparência de professor tímido, afável e cordato de Van Rompuy esconde uma vontade de ferro e uma personalidade bem mais complexa – contraditória, dirão alguns – do que parece.

Uma coisa é certa: as três semanas passadas desde que assumiu funções, a 4 de Janeiro, foram suficientes para desfazer a imagem de um presidente incapaz de levantar ondas: Van Rompuy, flamengo de 62 anos, sabe o que quer, tem a habilidade táctica para levar a água ao seu moinho e, mais importante ainda, tem a paciência necessária para esperar pela sua oportunidade. “Pode precisar de tempo, mas quando toma uma decisão, corta a direito, sem olhar para o lado”, resume um responsável belga que pediu o anonimato, como a generalidade das pessoas ouvidas pelo PÚBLICO.

Por alguma razão, o homem que foi primeiro ministro da Bélgica durante apenas onze meses impressionou fortemente os seus pares à mesa do Conselho Europeu, o nome oficial das cimeiras de chefes de Estado ou de Governo da UE. E não apenas pela habilidade discreta com que conseguiu pacificar a crise institucional entre flamengos e francófonos, que esteve à beira de provocar a implosão do país.

Os cínicos dirão que os lideres escolheram Van Rompuy por considerarem que, com os seus bons modos e discrição não faria sombra aos seus egos particularmente desenvolvidos. Ou, em alternativa, que beneficiou do facto de não ter tido tempo para ser conhecido – e, consequentemente, de fazer inimigos entre os seus pares da UE.

O que é certo é que o ex-primeiro ministro belga assumiu a fundo a função que diz que não procurou, deixando clara a determinação de aplicar plenamente “o espírito e a letra” do Tratado de Lisboa, que criou o seu posto. O que significa que concentrará esforços ao longo dos próximos dois anos e meio a animar, coordenar e impulsionar os trabalhos do Conselho Europeu de forma a gerar os necessários consensos entre os Vinte e Sete, assegurar a continuidade e coerência da sua acção, e falar em seu nome com o resto do Mundo.

Ninguém tem dúvidas de que Van Rompuy não tem a menor intenção de se assumir como o “presidente da Europa”, à semelhança de Barack Obama, como defendiam os desiludidos pela sua escolha. Não por timidez, falta de iniciativa ou de coragem, mas antes de mais porque não é isso que estipula o novo Tratado. E, mais importante ainda, porque sabe que um presidente desse tipo apenas seria possível se a UE fosse um super-estado em vez de uma União de Vinte e Sete países soberanos.

Van Rompuy, político ponderado de quem nunca se ouviu uma “gaffe”, clarificou mais um pouco a sua concepção da missão: no seu trabalho de procura de consensos, velará para que “cada país saia vitorioso da negociação” e para que “todas as deliberações produzam resultados para todos”. O que pressupõe uma grande capacidade de escuta e de respeito pelas posições em confronto, uma das qualidades que lhe é mais frequentemente atribuída.

Mais ainda: as suas convicções pessoais – incluindo a oposição à adesão da Turquia à UE, que reiterou enquanto primeiro ministro – ficarão em surdina durante dois anos e meio: as suas opiniões deixaram de contar, e os seus pontos de vista serão os que forem assumidos pelos Vinte e Sete, garantiu. “Qualquer presidente do Conselho Europeu, por muito talentoso que fosse, que agisse de forma individual e falasse em nome da Europa (...) sem ter o consentimento dos chefes dos governos [da UE], passaria rapidamente a falar não em nome da Europa, mas simplesmente em seu próprio nome”, afirmou recentemente numa conferência na Alemanha. O que, prosseguiu, “prejudicaria a instituição e a Europa no seu todo”.

“Van Rompuy começa um pouco como Jacques Delors quando diz que são os chefes de Estado ou de Governo que vão decidir e que ele só lá está para fazer compromissos. Na aparência, põe-se numa posição de recuo mediático, mas a verdade é que já tomou várias decisões marcantes”, analisa Sylvie Goulard, eurodeputada e presidente do Movimento Europeu francês.

A “determinação serena” – o seu lema – do novo presidente ficou clara quando, antes mesmo de tomar posse, enfrentou calmamente a revolta de várias capitais por ter corrido com os ministros dos negócios estrangeiros das cimeiras de lideres. Os protestos de muitos ministros não serviram de nada: a decisão limita-se a respeitar o “espírito e a letra” do Tratado de Lisboa, que limita o Conselho Europeu aos chefes de Estado ou de governo.

O efeito foi imediato: a mesa gigantesca de 54 cadeiras (duas para cada país) foi drasticamente reduzida e os ecrãs de televisão instalados em frente de cada líder para lhes permitir ver a cara dos intervenientes, desapareceram, proporcionado um ambiente de intimidade e cumplicidade. Tudo indica que o objectivo de de Van Rompuy de levar o Conselho Europeu a regressar às suas origens enquanto local de discussão aberta, e à porta fechada, entre os lideres, foi plenamente conseguido.

Mais importante ainda, sem o apoio e os conselhos dos chefes da diplomacia, os lideres serão a partir de agora obrigados a conhecer a fundo os temas em debate – o que muitos não se dão ao trabalho de fazer – sob pena de não conseguirem ir a jogo. É suposto esta inovação facilitar a emergência de consensos, muitas vezes travados pelo tradicional atavismo dos diplomatas, mas o que é desde já certo é que reforçará o papel de Van Rompuy entre os Vinte e Sete.

No próprio dia em que tomou posse, o novo presidente permanente convocou uma cimeira extraordinária, e informal, de lideres para 11 de Fevereiro, e fixou a agenda: o arranque da discussão sobre a estratégia económica que vai suceder à chamada “agenda de Lisboa”, e que deverá desembocar em decisões concretas na cimeira regular de Junho. A nova estratégia, defendeu, deverá permitir duplicar o crescimento económico potencial da UE para 2 por cento anuais, condição essencial para “preservar o modo de vida e o modelo social europeu”.

Beneficiando do factor tempo – “o maior bem” de que dispõe – Van Rompuy, iniciou antes mesmo de entrar em funções um périplo por todos os países da UE para sensibilizar cada um dos lideres para os seus objectivos, e sondar as diferentes aspirações e sensibilidades.

Ao convocar a cimeira, fixar a agenda e definir o objectivo de longo prazo, Van Rompuy mostrou claramente, mas sem alarido nem conflito, que quer marcar o seu terreno. Não hesitando, aliás, em entrar ligeiramente nas prerrogativas da Comissão Europeia, a instituição que tem a responsabilidade de fazer as propostas sobre as quais o presidente do Conselho terá de gerar os consensos entre os governos.

“A natureza tem horror do vazio e se Durão Barroso não ocupar o espaço que lhe compete em termos de propostas, e se o Conselho Europeu tiver um presidente com ideias mais precisas, vai marcar pontos”, avisa Sylvie Goulard.

O presidente da Comissão, que começou por suspirar de alívio com a escolha do belga por acreditar que o seu estilo educado e respeitador afastaria o risco anunciado de uma guerra de competências entre as duas instituições, percebeu rapidamente que terá de vigiar atentamente o seu espaço. Barroso deu mesmo instruções aos seus colaboradores para lerem e relerem o novo Tratado, de modo a terem sempre presente a delimitação exacta das competências do novo presidente e evitar novas incursões na esfera de acção da Comissão.

O verdadeiro choque – de novo sem estardalhaço – aconteceu com a Espanha, que iniciou a 1 de Janeiro a presidência semestral rotativa da UE. Van Rompuy convocou uma cimeira que não estava nos planos de Madrid? Pois José Luis Rodriguez Zapatero, primeiro ministro espanhol, reagiu com uma contra proposta defendendo que a nova estratégia sucessora da Agenda de Lisboa deverá incluir sanções para os países que não cumpram os objectivos económicos definidos em comum. A ideia não é nova e parte do diagnóstico – correcto – de que a agenda de Lisboa se limita a um rol de boas intenções a aplicar ao sabor da vontade de cada Estado, em áreas em que a UE não tem competências nem meios de impor o seu cumprimento.

Van Rompuy constatou o óbvio ao considerar a ideia de Zapatero “ambiciosa” – o que significa, de facto, “irrealista”– sabendo que não tem quaisquer possibilidades de alguma vez ser aceite. Mas foi a Alemanha que se encarregou de demolir a proposta, obrigando Madrid a recuar.

Esta sobreposição de iniciativas resulta daquela que é considerada a maior contradição do Tratado de Lisboa, que mantém as presidências semestrais assumidas de forma rotativa entre todos os países previstas desde as origens da integração europeia, embora decapitadas: o papel tradicionalmente atribuído ao chefe do governo que assegura a presidência passa a ser assumido pelo presidente permanente, eleito por um ou dois mandatos de dois anos e meio cada.

Como era esperado, Zapatero, o primeiro presidente sem poderes, não se conforma com o anonimato total a que ficou relegado, nem com a perca da possibilidade de brilhar durante seis meses ao lado dos grandes lideres mundiais – de Barack Obama a Hu Jintao – que gostaria de poder capitalizar no plano interno. Tanto mais que os restantes membros do seu governo permanecerão na ribalta europeia durante seis meses, pelo facto de presidirem às reuniões do Conselho de Ministros da UE (finanças, agricultura, transportes, e por aí fora). A excepção será o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, que, por via do novo Tratado, terá o seu papel fortemente diminuído.

“Há um combate político para ocupar o primeiro plano” entre um presidente permanente “que não dispõe de um secretariado próprio nem de poder executivo” e o chefe de um governo de um país “que não quer ceder o seu poder”, analisa Hugo Brady, do Centre for European Reform (CER) de Londres.

Para Van Rompuy o conflito não é inevitável: “a situação é complexa”, reconhece, mas “a condição essencial para o sucesso – “não pessoal mas o sucesso da União” – é o desenvolvimento de “boas relações pessoais” entre os lideres das principais instituições europeias. “Não é o momento para rivalidades entre instituições e os seus lideres” defende, porque “os europeus querem resultados, não uma guerra de instituições”.

Filósofo por convicção – e formação, complementada de forma pragmática com um doutoramento em economia – poeta nas horas livres especializado na concepção de haikus (um tipo de poesia japonesa de 17 sílabas), Van Rompuy deu sempre a ideia de não ser movido pela busca do seu prestígio pessoal.

Apesar de ter feito toda a sua carreira nos diferente escalões do partido democrata-cristão flamengo, o belga cultiva uma certa distância da política, detesta o lado mundano do poder, foge do “jet set”, da imprensa e dos eventos mediáticos. Traços que mantém no novo cargo.

A leitura, a reflexão e a escrita são os únicos hobbies que lhe são atribuídos, a par do seu retiro anual de vários dias na abadia beneditina de Affligem para carregar baterias. Apesar desta imagem de asceta, há quem garanta que é um “bon vivant”. Os seus gostos e modo de vida são modestos, como provam as imagens das suas últimas férias de Verão passadas a percorrer a Austrália com a família – quatro filhos e dois netos – em “camping car”.

A postura pública e privada de Van Rompuy é certamente o resultado da sua profunda fé católica, que assume sem rodeios e integra nas suas reflexões frequentemente expressas em debates promovidos pela Igreja, sobre o papel da política e da economia ao serviço da felicidade humana em sentido lato.

Apesar disso, há quem negue o seu lado místico e invoque o seu célebre humor suave mas cáustico, para o descrever como um político cínico e implacável com os adversários. Os seus defensores alegam que é sobretudo um homem que só leva realmente a sério as questões de vida ou de morte, e que encara tudo o resto como problemas de valor secundário que acabarão, mais tarde ou mais cedo, mal ou bem, por se resolver.

Ministro várias vezes, Van Rompuy resistiu enquanto pode ao convite do rei dos belgas, Albert II, em Dezembro de 2008, para suceder a Yves Leterme – companheiro do mesmo partido caído em desgraça no auge da maior crise institucional do país – por recusar o estilo de vida inerente ao cargo. A imprensa belga sublinha no entanto o seu papel decisivo na demissão forçada de Leterme, por ter revelado, enquanto presidente do Parlamento, a existência de uma carta da magistratura belga acusando o governo de pressões no processo judicial sobre o desmantelamento do grupo financeiro Fortis.

Van Rompuy garante igualmente que não procurou o cargo de primeiro presidente permanente do Conselho Europeu e quem o conhece, acredita.

No Justus Lipsius, o edifício do Conselho da UE, os dias de trabalho do presidente continuam a começar cedo e a acabar tarde. O seu ritmo de trabalho é intenso, e a obsessão pela absorção dos “dossiers” e compreensão dos detalhes, a par da a preocupação de analisar cada assunto sob os mais diferentes ângulos e de ouvir os diferentes argumentos em confronto, mantém-se viva. Para o ajudar, conta com 22 colaboradores de várias nacionalidades, blindados pelos dois únicos belgas – flamengos – que levou consigo.

O primeiro, Dirk De Backer, gere há mais de vinte anos as suas relações com a imprensa. Curiosamente, alguns jornalistas belgas comparam-no com Alistair Campbell, o ex-conselheiro de Tony Blair que é considerado o “rei do spin”, um termo que traduz a tentação de influenciar a imprensa.

O segundo, que assumiu a chefia do seu gabinete, é Frans van Daele, o mais prestigiado dos embaixadores belgas, cujo vasto leque de qualidades é invocado de forma quase reverente por todos os que o cruzaram, tanto na Europa como nos Estados Unidos.

A acreditar em Tobias van Assche, professor da Universidade de Antuérpia e especialista do método americano de análise dos diferentes estilos de liderança (“Leadership Trait Analysis”), Van Rompuy tem o perfil certo para o lugar. A sua principal missão será conseguir acordos entre Vinte e Sete países com necessidades e reivindicações diferentes, o que fará “de forma inclusiva e sem deixar ninguém com o sentimento de ficar de fora ou de ser forçado a assinar compromissos com que não concorda”, considera.

Além disso, Van Rompuy “tem uma necessidade muito reduzida de poder”, não é motivado por uma busca de “prestígio pessoal”, nem precisa de “assumir os louros” dos resultados que obtiver. Desta forma, “não forçará um acordo quando não houver consenso”, prossegue o mesmo académico. Acima de tudo, “ficará satisfeito se o Conselho Europeu chegar a acordos”, e é por isso que “criará o sentimento de que os países trabalham com ele, não para ele”.

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* Artigo publicado na revista Pública de 24 de Janeiro de 2010