quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A Europa dos Grandes

Será um antegosto do que aí vem ? Gordon Brown, primeiro ministro britânico, decidiu convidar os seus homólogos da França, Alemanha e Itália – os quatro maiores Estados membros da União Europeia (UE) - para uma reunião em Downing Street no dia 29 de Janeiro, dedicada à crise financeira mundial.

A iniciativa não é nova. Em 2001, o Reino Unido – na altura o primeiro ministro era Tony Blair – tentou fazer o mesmo para discutir os atentados terroristas de 11 de Setembro. Esta perspectiva suscitou um coro de protestos dos pequenos países – a começar pelo primeiro ministro belga, Guy Verhofstadt – que apreciaram pouco o facto de serem deixados para trás em questões que interessam a todos. De tal forma que Blair foi obrigado a alargar a lista dos convidados e incluir, nomeadamente, o país na presidência da UE – na altura, a Bélgica – de modo a vincular a totalidade dos restantes.

Desta vez, o mesmo Guy Verhofstadt, parece isolado nos protestos. “Quatro países grandes vão-se reunir. Um grupo de países membros da UE quer discutir a situação financeira com consequências possíveis para toda a União. A Europa não é feita apenas pelos grandes mas por todos os cidadãos europeus, estados e populações, incluindo os pequenos”, criticou recentemente.

Londres justifica a sua escolha explicando que os quatro países são os membros europeus do G8 e que têm o direito de se concertar entre si. Certo. Só que os Vinte e Sete costumam igualmente discutir e preparar nas suas reuniões dos ministros das finanças os encontros do G8 – mesmo se cada um dos seus membros é totalmente livre de assumir as posições que entender.

Para dar alguma respeitabilidade "europeia" à iniciativa, Brown decidiu posteriormente alargar a lista dos convidados a Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. Mas deixou de fora, por exemplo, Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo, que preside ao “eurogrupo”, o fórum informal de coordenação das políticas económicas dos países do euro.

O que é curioso é que, além dos belgas, mais nenhum dos países pequenos parece muito preocupado com a iniciativa britânica. Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Esperteza saloia

Foi uma bela encenação, não há dúvida. José Sócrates fez crer até ao fim que queria convocar um referendo para a ratificação do Tratado de Lisboa. Mas depois, vejam lá, foram os malandros dos outros lideres europeus e o Presidente da República que não o deixaram cumprir (mais) esta promessa eleitoral. Ele bem queria, mas a pressão europeia foi mais forte…

Pois, só que a história não é bem assim. Sócrates assumiu em Junho, como a totalidade dos restantes países da UE, que o Tratado seria ratificado de forma rápida e sem sobressaltos, ou seja, sem recurso a referendos. A palavra de ordem foi dada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, que garantiu, antes mesmo de ser eleito a 6 de Maio que o mini-Tratado (como lhe chamava na altura) seria ratificado no parlamento. Foi precisamente este anúncio, vindo do país que emitiu a sentença de morte da Constituição Europeia, que permitiu todo o processo que levou à concepção do Tratado simplificado, ou de Lisboa, como quiserem. Sarkozy, com Angela Merkel, chanceler alemã e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, trataram alias de convencer todos os outros países a abandonar as promessas de referendo. Com o argumento de que o novo texto seria tão simplificado que não se justificaria.Tony Blair, primeiro ministro britânico anunciou o abandono da consulta popular ainda antes da cimeira de lideres da UE de Junho, que definiu a totalidade do conteúdo do novo Tratado substituto da Constituição. Sem a garantia que o Tratado não encalharia outra vez nalgum referendo, aliás, quem é que imagina que Merkel, Blair e Sarkozy se tivessem empenhado de forma tão profunda na sua elaboração ?

Foi esse acordo que Sócrates herdou quando assumiu a presidência europeia, a 1 de Julho, durante a qual cumpriu a parte do roteiro que lhe tinha sido atribuida : a aprovação final do texto na cimeira de Lisboa de 18 de Outubro, e a sua assinatura, igualmente em Lisboa, a 13 de Dezembro.

Ou seja, o primeiro ministro sabe pelo menos desde Junho que nunca poderia submeter o Tratado de Lisboa a referendo em Portugal, sob pena de trair o acordo dos Vinte e Sete. Mas, ao recusar até hoje anunciar a forma de ratificação, sob os mais variados pretextos, fez crer que a sua decisão ainda não estava tomada e, melhor, que insistia na ideia do referendo. Depois, tratou de fazer saber que foi vítima de uma forte pressão dos seus pares para abandonar o projecto, atirando para as costas de Merkel, Sarkozy, Brown, Barroso e Cavaco a responsabilidade pela sua mudança de ideias.

Tudo não passou, portanto, de uma mera encenação politiqueira. Que denota uma grande esperteza saloia e falta de sentido de estado, para retomar os termos utilizados pelo director do Publico, José Manuel Fernandes, no seu editorial de ontem.

Pelo caminho, Sócrates cumpriu uma vez mais a tradição dos políticos pouco corajosos, que chamam a si os sucessos e as honras da UE, mas atiram para as costas da «Europa» a responsabilidade pelos seus próprios falhanços. Basta lembrar os longos e auto-elogiosos discursos de encerramento da presidência portuguesa da UE, na cimeira de Dezembro e no Parlamento Europeu, em que o primeiro ministro nem se deu ao trabalho de fazer uma referência à sua antecessora, Angela Merkel, que foi, afinal, quem fez 90 por cento da negociação do Tratado de Lisboa …

PS: A Irlanda é o único país que assumiu desde sempre que convocaria um referendo. Não por obrigação constitucional, mas para evitar eventuais problemas. Tudo começou em 1986, quando o governo da altura considerou desnecessário referendar a primeira alteração aos Tratados, o Acto Único Europeu, mas viu a sua decisão anulada pelo Tribunal Constitucional, em resposta a um grupo de cidadãos. Desde então, e para evitar uma repetição da contestação, os governos sucessivos preferiram referendar todos os tratados europeus.