sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Como os pequenos países se deixaram enganar

Era óbvio, mas sempre é melhor ouvi-lo directamente da fonte: a figura do presidente do Conselho Europeu (as cimeiras de lideres da UE), uma das grandes inovações da malograda Constituição Europeia (que transitará para o novo Tratado) não resultou de nenhuma tentativa de dar maior coerência à União Europeia.

Disse Jack Straw, um dos ministros mais importantes dos governos de Tony Blair e Gordon Brown, durante uma conferência de imprensa, esta semana, em Bruxelas: “o Reino Unido foi sempre um grande defensor do presidente do Conselho Europeu para proteger os Estados membros contra o poder da Comissão Europeia”.



Foi a primeira vez que ouvi uma confissão deste tipo de um responsável de um dos grandes países da UE. Porque foram eles – excepção feita da Alemanha, que hesitou até ao fim – que impuseram o presidente do Conselho Europeu. Primeiro, durante a Convenção que redigiu o projecto de Constituição; depois nas negociações formais entre os governos para a adopção do texto final.

O argumento era que o actual sistema das presidências semestrais rotativas entre todos os Estados não garante a coerência e a eficácia necessárias aos trabalhos da UE, pelo que deveria ser substituido por um presidente permanente, eleito pelos chefes de estado ou de governo por mandatos de dois anos e meio.

Pura mentira: este argumento leva a crer que cada país que assume a presidência semestral põe na gaveta o trabalho em curso para definir o seu próprio programa. Nada disso: o trabalho de uma presidência é largamente definido pela agenda europeia. Por exemplo, Portugal bem gostaria de não ter de encontrar um acordo entre os Vinte e Sete sobre o financiamento do Galileo (o sistema europeu de radionavegação por satélite), mas não pode: uma decisão terá de ser obrigatoriamente tomada a 1 de Outubro. Ou de poder evitar mediar as negociações para a independência do Kosovo. Mas também não pode.

Quanto muito, cada país pode colocar a ênfase numa ou noutra questão a que é mais sensível, como África para Portugal, ou a Russia para a Finlândia. Mas isso, longe de ser um problema, é uma grande vantagem para a UE e um sinal da sua diversidade.

Nas negociações para a Constituição, os pequenos países tentaram resistir ao presidente do conselho europeu. Mas, como bons políticos que são, mais interessados em vitórias de curto prazo no que numa boa causa, a maior parte dos seus responsáveis preferiu travar uma outra guerra: a da Comissão Europeia com um comissário por cada Estado membro.

Os grandes países começaram por fingir que resistiam para poderem, no fim da negociação, oferecer aos pequenos uma “vitória” capaz de ser vendida como tal às respectivas opiniões públicas. O que estes fizeram diligentemente. É preciso notar, no entanto, que a fórmula de um comissário por Estado membro, só vai vigorar até 2014. A partir daí, a Comissão passará a ter um formato reduzido (menos comissários que o número de países) embora o novo Tratado deva garantir, tal como a Constituição, o acesso à instituição com base numa rotação igualitária entre todos os Estados

Desta forma ficou consagrada no texto da Constituição uma séria entorse ao princípio da igualdade entre os Estados membros – o mesmo que o primeiro ministro da altura, Durão Barroso, se esforçou por ver inscrito nas suas disposições.

A única pessoa que denunciou alto e bom som o que estava escondido por trás do presidente do Conselho Europeu foi Ernâni Lopes, o representante pessoal de Barroso na Convenção Europeia.

De tal forma se opôs que passou a ser chamado pelos ingleses como “Mr. Never Ever”, algo traduzível por “nunca, jamais, em tempo algum”.
Para o ex-ministro das finanças, o presidente do Conselho Europeu, e o fim das presidências rotativas, representava o princípio do fim do carácter colegial da integração europeia, com todos os riscos inerentes que, do seu ponto de vista, se anunciam terríveis.

Moral da história: de que servirá aos pequenos países terem um membro na Comissão Europeia se o presidente do Conselho Europeu lá estará para lhe cortar as pernas, como muito bem disse Jack Straw?

2 comentários:

Anónimo disse...

"o Reino Unido foi sempre um grande defensor do presidente do Conselho Europeu para proteger os Estados membros contra o poder da Comissão Europeia"

É óbvio que este senhor está a vender o seu peixe e, para tal, todos os argumentos são bons.

Quer a Constituição Europeia quer o seu clone, o Tratado Reformador irão ter consequências bastante funestas na UE e, a história do Presidente mais a diminuição do número de Comissários são das piores coisas que podem fazer a este monstro burocrático que dá pelo nome de União Europeia.

É que o principal problema da actual UE é o desiquilibrio de poderes e um país ficar sem comissários por uns anos juntamente com o desaparecimento das presidências rotativas virá alargar desmesuradamente este desiquilibrio.

É que é muito diferente um país como a Alemanha não ter Comissário pois o seu poder permite-lhe exercer as influências que quiser por outros meios ou um país como Portugal ficar sem comissários e, também sem presidência rotativa.

O que irá acontecer é que os pequenos e médios países ficarão totalmente sem voz o que originará, cedo ou tarde, acções de revolta e mesmo proliferação de ETA's pelo continente europeu.

Oscar de Lis disse...

Concordo com O Raio, mas nom compreendo muito vem ao que se refere com isso de que irão proliferar ETAs pela Europa adiante. Sinceramente, acho que o conflito da ETA não tem muito a ver com isto. E ainda bem, esses países, ficando sem representação efectiva, e assim não tendo mais interesse em permanecerem na União, têm ao seu dispor multidão de fórmulas com as que se safar deste modelo burocrático, cujo único fim é a burocracia mesma, o qual nom deixa de ser mais uma consequência do neo-liberalismo da própria União.