quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Esperteza saloia

Foi uma bela encenação, não há dúvida. José Sócrates fez crer até ao fim que queria convocar um referendo para a ratificação do Tratado de Lisboa. Mas depois, vejam lá, foram os malandros dos outros lideres europeus e o Presidente da República que não o deixaram cumprir (mais) esta promessa eleitoral. Ele bem queria, mas a pressão europeia foi mais forte…

Pois, só que a história não é bem assim. Sócrates assumiu em Junho, como a totalidade dos restantes países da UE, que o Tratado seria ratificado de forma rápida e sem sobressaltos, ou seja, sem recurso a referendos. A palavra de ordem foi dada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, que garantiu, antes mesmo de ser eleito a 6 de Maio que o mini-Tratado (como lhe chamava na altura) seria ratificado no parlamento. Foi precisamente este anúncio, vindo do país que emitiu a sentença de morte da Constituição Europeia, que permitiu todo o processo que levou à concepção do Tratado simplificado, ou de Lisboa, como quiserem. Sarkozy, com Angela Merkel, chanceler alemã e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, trataram alias de convencer todos os outros países a abandonar as promessas de referendo. Com o argumento de que o novo texto seria tão simplificado que não se justificaria.Tony Blair, primeiro ministro britânico anunciou o abandono da consulta popular ainda antes da cimeira de lideres da UE de Junho, que definiu a totalidade do conteúdo do novo Tratado substituto da Constituição. Sem a garantia que o Tratado não encalharia outra vez nalgum referendo, aliás, quem é que imagina que Merkel, Blair e Sarkozy se tivessem empenhado de forma tão profunda na sua elaboração ?

Foi esse acordo que Sócrates herdou quando assumiu a presidência europeia, a 1 de Julho, durante a qual cumpriu a parte do roteiro que lhe tinha sido atribuida : a aprovação final do texto na cimeira de Lisboa de 18 de Outubro, e a sua assinatura, igualmente em Lisboa, a 13 de Dezembro.

Ou seja, o primeiro ministro sabe pelo menos desde Junho que nunca poderia submeter o Tratado de Lisboa a referendo em Portugal, sob pena de trair o acordo dos Vinte e Sete. Mas, ao recusar até hoje anunciar a forma de ratificação, sob os mais variados pretextos, fez crer que a sua decisão ainda não estava tomada e, melhor, que insistia na ideia do referendo. Depois, tratou de fazer saber que foi vítima de uma forte pressão dos seus pares para abandonar o projecto, atirando para as costas de Merkel, Sarkozy, Brown, Barroso e Cavaco a responsabilidade pela sua mudança de ideias.

Tudo não passou, portanto, de uma mera encenação politiqueira. Que denota uma grande esperteza saloia e falta de sentido de estado, para retomar os termos utilizados pelo director do Publico, José Manuel Fernandes, no seu editorial de ontem.

Pelo caminho, Sócrates cumpriu uma vez mais a tradição dos políticos pouco corajosos, que chamam a si os sucessos e as honras da UE, mas atiram para as costas da «Europa» a responsabilidade pelos seus próprios falhanços. Basta lembrar os longos e auto-elogiosos discursos de encerramento da presidência portuguesa da UE, na cimeira de Dezembro e no Parlamento Europeu, em que o primeiro ministro nem se deu ao trabalho de fazer uma referência à sua antecessora, Angela Merkel, que foi, afinal, quem fez 90 por cento da negociação do Tratado de Lisboa …

PS: A Irlanda é o único país que assumiu desde sempre que convocaria um referendo. Não por obrigação constitucional, mas para evitar eventuais problemas. Tudo começou em 1986, quando o governo da altura considerou desnecessário referendar a primeira alteração aos Tratados, o Acto Único Europeu, mas viu a sua decisão anulada pelo Tribunal Constitucional, em resposta a um grupo de cidadãos. Desde então, e para evitar uma repetição da contestação, os governos sucessivos preferiram referendar todos os tratados europeus.

19 comentários:

Anónimo disse...

Eu que nem sequer sou um entusiasta de referendos acho que, neste caso, se justifica o referendo por muitas razões.
Primeiro os argumentos para não haver referendos que andam sempre á volta ou de que o tratado é demasiado complexo para os estúpidos dos cidadãos entenderem ou então de que é uma decisão "lá de fora".
No primeiro caso é um argumento que também se aplica a qualquer outra eleição.
Quantos portugueses é que, quando vão votar para o Parlamento, compreenderam os programas dos partidos concorrentes? Poucos, claro, portanto não devia haver eleições para o Parlamento...
O segundo arguento ainda consegue ser pior pois significa que quem manda cá á o Sarcozy e a Angela que, por sinal, até se podem sobrepor a qualquer vontade do povo português.

Depois porque este tratado é muito, muito importante. Este Tratado transforma radicalmente o espírito da União Europeia. A partir de agora a UE passa a ser um superpaís, com personalidade jurídica, com Presidente, Ministro dos Negócios Estrangeiros moeda, etc.

A independência de Portugal fica muito, muito reduzida, mais reduzida do que durante o domínio filipino há quase quatrocentos anos.

Podemos concordar ou não com isto mas, com que direito é que grupo de 230 cidadãos se arrogam o direito de assinar a certidão de óbito do país em nome de todos os cidadãos?

Sócrates acaba de ganhar um importante lugar na História de Portugal, um lugar ao lado de D Afonso Henriques.

Este foi o primeiro governate de Portugal, Sócrates será o último.


Será que consegue dormir em paz?

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Pergunta
Quantos deputados é que têm capacidade para lerem e entenderem o Tratado de Lisboa?

Não seria boa ideia, antes da ratificação do Tratado de Lisboa, submeterem-se os deputados a um exame de conhecimentos sobre este Tratado?

Anónimo disse...

Sinceramente ando horrorizado com esta história do Tratado de Lisboa.
Não entendo como é que qualquer português pode concordar com ele e, aproveito esta oportunidade, para pedir desculpas a todo o povo português porque sou um dos causadores disto tudo.
Sim, nas últimas eleições votei PS e, portanto, se Sócrates está no poder, também é por minha causa.
Prometo, no entanto, que nunca mais o voltarei a fazer.

Também aproveito este meu desabafo para transcrever umas frases do senhor Hjörtur J. Guðmundsson, um islandês director do movimento euroceptico islandês:

"We simply have absolutely no
reason to join the EU itself. We are doing incredibly well on the
outside. There is no doubt that our
independence is the fundamental
reason for our success through the
years . . . We have the liberty to
take decisions solely according to
our own best interests and according to our own
circumstances and at the same
time we do not have to worry that
some supranational union like the
EU will override us and determine
that some other interests are more
significant than our own."

Aqui dá-se sempre como exemplo a Irlanda que cresceu á custa do investimento americano ou a Espanha que cresceu á custa da construção civil mas nunca se dá como exemplo a Islândia, um país que ainda há menos de cem anos era um dos países mais pobres da Europa, um país em que as peles de bacalhau secas eram comidas em vez do pão que não tinham, em suma, um país miserável.

Mas um país que nunca se dignou sequer a pedir a adesão à CEE/UE e que, apesar disso ou antes, por causa disso é considerado o segundo melhor país do Mundo para viver depois da Noruega (que também não pertence à UE).

Em vez destas discussões bizantinas sobre a ratificação do Tratado de Lisboa seria melhor estudarmos era o exemplo islandês e percebermos como é que um país pequeno e miserável se guinou ao topo do Mundo contando só com os seus recursos e recusando a ratoeira dos fundos europeus.

(a citação foi retirada de um artigo em http://www.europeanfoundation.org/docs/Hjortur.pdf)

Anónimo disse...

Tudo simples.
Quem é que se sente com capacidade para falar sobre o tratado de Lisboa.
Em Portugal somos 10 milhões certo !? E quantos sabem ou conhecem o conteudo do tratado ?
Qual o numero de pessoas ou contribuintes que tem capacidade para tal ?
Parcam mais tempo a formar os cidadãos a explicar de forma concreta os seus deveres e os seus direitos para depois poderem por as pessaos a comentar estas coisas em consciencia.
Por-que só assim os politicos falarão menos e trabalharão mais.
Já agora qual é o numero de analfabetisação em Portugal ?

Anónimo disse...

Caro Raio

A Islandia cresceu à custa da pesca (ainda hoje a pesca é responsavel por 40% das exportaçoes da Islandia). E esta é também a razao pela qual actualmente nao quer aderir à UE; é que levaria logo um corte radical na quota de pescas ja que a Islandia pesca mais do que devia numa altura em que como sabe os stocks de pescado diminuem. E nao sao assim tao independentes como isso ja que fazem parte do Espaço Economico Europeu e estao a querer aderir à zona Euro.

No entanto, concordo consigo que é um exemplo a copiar em muitos aspectos como na aposta que fizeram na educaçao e no investimento na pesquisa e novas tecnologias.

Quanto ao processo de Tratado, fico contente pela decisao de Socrates mas este contorcionismo politico e falta de coragem ficam-lhe muito mal.

Anónimo disse...

Caro boinaverd,

"Quem é que se sente com capacidade para falar sobre o tratado de Lisboa."

??? O Tratado de Lisboa afecta-os a todos portanto todos temos de ter capacidade para falar sobre ele.

Se os poíticos fizeram um Tratado ilegível e não o sabem explicar então temos o dever de impedir que ele entre em execução.´
Ninguém passa cheques em branco!

"Em Portugal somos 10 milhões certo !? E quantos sabem ou conhecem o conteudo do tratado ?"

Muito poucos e, neste número, não incluo os deputados que o vão ratificar.

"Parcam mais tempo a formar os cidadãos a explicar de forma concreta os seus deveres e os seus direitos para depois poderem por as pessaos a comentar estas coisas em consciencia."

Isto é o mais puro espírito salazarista!

Uma vez, já há muito tempo, fui apanhado pea PIDE numa manifestação e levado para a António Maria Cardoso onde fui submetido ao tratamento habitual da época.

No meio tive direito a um curso rápido de política dado por um PIDE.

E que é que ele me explicou? Que a política era uma coisa muito complicada que as pessoas comuns (como eu) não tinham nem tempo nem capaidade para compreender. Assim deviamos era ocupar-nos em estudar e trabalhar para ganhar a vida e deixar essas coisas da política aos bons políticos que eram muito raros.

A actualidade deste curso que me foi dado numa sala sobreaquecida e comigo algemado há um bom par de horas é chocante.

O meu caro boinaverd devia ter vergonha dos comentários que deixou por aqui.

Caro Bernardo,

"A Islandia cresceu à custa da pesca (ainda hoje a pesca é responsavel por 40% das exportaçoes da Islandia)."

Eu sei, a Islândia deitou mão do que tinha. Portugal foi impedido de o fazer.


"a Islandia pesca mais do que devia numa altura em que como sabe os stocks de pescado diminuem"

Quem diz que a Islândia pesca mais do que deve é a Comissão Europeia e, como todos sabemos, a Comissão Europeia há muito quer perdeu todo o crédito!



"E nao sao assim tao independentes como isso ja que fazem parte do Espaço Economico Europeu e estao a querer aderir à zona Euro."

Alguns políticos e homens de negócio pretendem realmente que a Islândia adira à UE ou, pelo menos, adopte o Euro.
Felizmente lá não é como cá, lá esses suicidas estão em nitída minoria.

De qualquer forma na actualidade a Islândia porta-se muito bem e não pertence à UE.

Quanto ao European Economic Agreement, faço notar que é um acordo totalmente diferente da UE. Eu até acho que Portugal estaria muito bem no EEA e fora da UE (e principalmente do Euro).

"No entanto, concordo consigo que é um exemplo a copiar em muitos aspectos como na aposta que fizeram na educaçao e no investimento na pesquisa e novas tecnologias."


O que há a copiar na Islândia ´o ter sabido manter-se independente e ter preservado a sua autonomia! Os caminhos que Portugal seguiria se estivesse só no EEA seriam obviamente muito difentes dos da Islândia, seriam caminhos e estratégias adaptados ao país e não caminhos e estratégias impostos por Bruxelas!


"Quanto ao processo de Tratado, fico contente pela decisao de Socrates mas este contorcionismo politico e falta de coragem ficam-lhe muito mal."


Este eurosalazarismo horroriza-me! Infelizmente já vi este filme...

Um abraço aos dois

Anónimo disse...

Mas afinal estamos todos ipnotizados pela democracia fascista destes PS, novos donos de Portugal ou quê? Temos que reagir e nas proximas eleições votar o PS,fora é melhor a oposição,do que
ter que gramar estes PS> outra vez. Votar na oposição que esteja mais forte e tenha possibilidaddes de vencer, não olhar a simpatias politicas o que o POVO quer" É " liberdade e sêr português. Viva PORTUGAL e VOTA OPOSIÇÃO A QUE TENHA MAIS FORÇA PARA DERROTAR socrates.

Rui Luzes Cabral disse...

O problema não foi dizer agora que não haverá referendo. O problema foi não existir em 1985 um referendo a perguntar se os portugueses queriam ou não aderiam à CEE e foi Sócrates prometer uma coisa sem saber se a podia cumprir.

É pena que este tratado seja um "directório" que remete para todos os anteriores e não um documento único que vale por ele próprio.

Europeísta Convicto

Anónimo disse...

Úm anónimo 100% anti-PS apela ao voto na oposição para derrotar Sócrates como se Sócrates (ou o PS) fosse a fonte dos problemas do país.
Vamos a ver se nos entendemos.
Estar o PS no poder ou o PSD ou o CDS/PP e talvez mesmo o BE, os problemas continuariam exactamente na mesma.
Os três primeiros partidos e, em parte o BE, são partidos que não colocam em causa o estarmos na UE e, a fonte dos nossos problemas é a UE e não aqueles partidos.
Grande parte das políticas do actual Governo não passam da execução do que foi decidido em Bruxelas e, se o PS sair e for para lá o PSD as políticas continuariam.
É necessário travar o que está a ser feito e não é votando no PSD que se altera o que quer que seja.
Provavelmente nem votando no BE se alteraria muito.
Assim, de repente, só vejo dois partidos que poderiam alterar qualquer coisa, o PCP e a Nova Democracia.
No fundo nem seria necessário que estes partidos ganhassem as próximas eleições.
Bastava que estes partidos tivessem uma forte expressao no voto popular e elegessem grupos parlamentares de alguma dimensão para os "nossos" euro-fanáticos apanharem um susto e passarem a ter mais cuidado.

Quanto ao comentário do Rui Luzes Cabral, uma das poucas coisas que agradeço aos euro-fanáticos foi o medo que tiveram de um referendo em 1985.

É que se o tivessem feito o "Sim" teria ganho por larga margem (eu, por exemplo, teria votado "Sim") e, a partir de aí teriam sempre uma boa desculpa para não fazerem mais nenhum referendo, pois o povo já tinha ratificado a adesão à Europa!

Para terminar, porque é que ninguém me responde à pergunta que fiz há alguns dias:

"Quantos deputados é que têm capacidade para lerem e entenderem o Tratado de Lisboa?"

Gostaria de saber que opinião têm deste tema os adeptos da ratificação parlamentar.

Anónimo disse...

Neste caso, não sou adepta da ratificação parlamentar, mas respondo à útima pergunta do Raio sustentando que a pouca empatia ambiente para com uma coisa tão abstracta quanto um Tratado europeu - ou como uma Constituição nacional - não é motivada por uma qualquer impossibilidade de compreensão, pois, francamente, quem tiver paciência para o ler com tempo e atenção vai percebê-lo muito bem. Como sucedeu comigo. E os senhores deputados não são excepção. Ninguém precisa de ser um crâneo! Só temos de combater a preguiça!

Simplesmente, no nosso país, quase toda a gente se está marimbando para a vida política, seja ela estritamente nacional ou nacional inscrita no espaço europeu. Apercebo-me, com frequência, o quanto a maioria dos meus amigos e dos meus conhecimentos votam não em consciência mas antes por motivos fúteis. Assim sendo, preparam a cama em que alguém os irá deitar. Mais: a AR parece desinteressar-se por completo do que acontece em Bruxelas, como se não fosse aí que fossem acordadas quase 80 por cento das leis que nos regem! A AR devia estar "sempre em cima" para fiscalizar e pedir responsabilidades aos negociadores portugueses (do Governo) e para dar sugestões tb.. Felizmente, o novo Tratado UE é mais consentâneo com este modo de funcionamento. Que os deputados aproveitem e façam o trabalho de casa!

Só mais uma pequena observação: apesar de tudo, não desanimo quando vejo que nem todos os socialistas portugueses compactuam com o autoritarismo, com o oportunismo e com a falta de socialismo do nosso Primeiro-Ministro. Exemplos disso mesmo recolhidos, aqui, na edição deste Domingo do Público - Medeiros Ferreira e Ferro Rodrigues (este último citado pelo primeiro na excelente entrevista que dá).

Anónimo disse...

O comentário precedente é bem meu. Alexandra Lobão, europeísta que não precisa,felizmente, de se esconder

Anónimo disse...

Cara Alexandra,

Long time no see...

Bom, achei sinceramente graça ao seu comentário, nomeadamente quando escreve:

"quem tiver paciência para o ler com tempo e atenção vai percebê-lo muito bem. Como sucedeu comigo".

Claro que não é bem assim.

Veja-se, por exemplo, o nº3 do artigo 5º:

3. As remissões para considerandos, artigos, secções, capítulos, títulos e partes do Tratado da
União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tal como alterados pelo presente
Tratado, contidas noutros instrumentos ou actos entendem-se como remissões feitas para os
considerandos, artigos, secções, capítulos, títulos e partes dos referidos Tratados, tal como
renumerados nos termos do n.o 1 e, respectivamente, para os números ou parágrafos desses artigos,
tal como renumerados ou reordenados por certas disposições do presente Tratado
.!!!

Claro que para lêr o Tratado dito de Lisboa é necessário compreender primeiro o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia que são os tratados alterados por este.

Depois é necessário lêr algumas centenas de páginas do tal tratado de Lisboa juntamente com n anexos e protocolos.

Claro que há métodos mais simples... foi o que eu fiz, li a proposta de Tratado Constitucional e depois li vários estudos com as diferenças entre eles, diferenças mínimas.

Mas um deputado para votar em consciência tem de ir pelo método de lêr tudo e lêr tudo leva muito muito tempo. e também coloca muitas dúvidas, dúvidas essas a que ninguém responderá.

"no nosso país, quase toda a gente se está marimbando para a vida política"

Discordo totalmente. O problema é que vinte anos de adesão europeia ensinaram ao povo português que não vale a pena pensar na política. Qualquer que seja a opinião que possamos ter a palavra final vem sempre de Bruxelas.
Participar na política deixou de ser uma atitude cívica e passou a ser ou inútil ou útil para as finanças pessoais de quem participa.

E é este o grande problema, problema agravado com esta atitude cobarde de fuga ao referendo. Ainda por cima tomada a nível europeu mostrando que os nossos líderes (portugueses e outros) sabem que se ouvissem as populações o tratado não tinha a minima hipótese de passar.

Este Tratado, infelizmente com o nome de Lisboa, ficará na História pela pior das razões, ficará na História como o marco que instituí uma nova idade das trevas para a Europa.

"a AR parece desinteressar-se por completo do que acontece em Bruxelas, como se não fosse aí que fossem acordadas quase 80 por cento das leis que nos regem!"

Certo, quem manda cá é Bruxelas e AR faz de conta que não repara pois se começa a questionar mostrará a sua inutilidade ao povo português.

E não é o Tratado de Lisboa que irá mudar isto. Com o Tratado de Lisboa se não sei quantos parlamentos questionarem uma atitude legislativa de Bruxelas, Bruxelas vai registar esse questionamento e irá proceder como entender.

Com este tratado a inutilidade dos Parlamentos nacionais ficará ainda mais nitida!

Por fim é de notar que esta ratificação parlamentar só mostra a inutilidade e o desrespeito que se tem pela AR.
Se a AR fosse realmente um órgão legislativo com poder o Governo teria discutido com esta o que é que iría propor para ficar no tratado. Isto é, a AR teria dado ao governo um claro mandato sobre o que deveria propor, sobre o que poderia aceitar e sobre o que deveria recusar.

Mas não, o Governo pretendeu foi um mandato claro dos líderes europeus com a Angela Merckel à frente e agora apresenta um tratado já todo feitinho à AR para esta dizer que aprova porque se não aprova lança o caos na Europa.

Se isto é democracia eu vou ali e já venho.


Um abraço

Anónimo disse...

"Alexandra Lobão, europeísta que não precisa,felizmente, de se esconder"

Claro, os europeistas não precisam de se esconder.
Mas se calhar os anti-UE talvez não possam dizer o mesmo!

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Este comentário não é meu, mas de uma amiga que me fez chegar as suas reflexões a propósito deste tema, e que considero pertinentes para o debate em curso. Eis o que escreveu:

"Receio que das intervenções anteriores neste debate pudesse resultar a ideia de que " europeísta = apoiante do Tratado"; e "eurocéptico = inimigo do Tratado".
Infelizmente, o Tratado de Lisboa contém fortes e perigosos desvios ao sistema de " checks and balances" e de subtil distribuição de poder entre instituições e entre Estados em que assentou o estrondoso sucesso que foi e continua a ser a integração europeia desde 1950. Isto inclui muito em especial Portugal nos últimos 20 anos (a comparação com a Islândia é remota demais para justificar muito aprofundamento).
É portanto numa óptica europeísta e democrática que se pode e deve exigir discutir criticamente algumas das principais modificações no sistema institucional, que nos podem fazer regredir para caminhos que se assemelham perigosamente aos velhos sonhos de hegemonia das maiores potências europeias.
Sinal desse retrocesso anti-democrático é justamente a cada vez mais óbvia "regra" de que o debate só é lícito, se levar à única resposta que será aceite: a aprovação do Tratado. Neste contexto, os países poderão ponderar COMO atingir esse resultado, mas não SE devem atingir o resultado. Isto é um " diktat", não um processo democrático.
O mais irónico é que o Tratado de Lisboa tem a suprema desfaçatez de se auto-legitimar em nome da democracia e dos cidadãos, contendo o novo TUE mesmo um Título II relativo "aos princípios democráticos", com variadas disposições que seriam muito louváveis em abstracto se não fossem desmentidas na prática por todo o rocambolesco processo que rodeou a elaboração do seu dispositivo substancial – desde a feitura do projecto de Tratado Constitucional (em que Giscard nem sequer permitiu ver se estava reunido o apoio da maioria na Convenção), até à actual "proibição" silenciosa dos debates que não sejam de " rubber-stamping", passando pela recuperação do mesmo conteúdo contra dois referendos negativos e incluindo a própria opacidade técnica da redacção jurídica, para desencorajar os curiosos.
Todas as arrogâncias se pagam, mais cedo ou mais tarde”.

Anónimo disse...

Se eu alguma vez sonhei em ver o dia em que Plebiscitos são considerados "Democracia"... É pena, realmente.

Anónimo disse...

Cara Isabel,

A sua amiga diz muita coisa certa.

Tomo porém a liberdade de fazer alguns rearos.

" Isto inclui muito em especial Portugal nos últimos 20 anos (a comparação com a Islândia é remota demais para justificar muito aprofundamento)."

Remota demais??? Não sei porquê. Portugal até deve ser mais parecido com a Islândia de que com, por exemplo, a Eslováquia...

Quanto aos úlmos 20 anos faço notar que Portugal cresceu substancialmente menos do que nos vinte anos anteriores.

No resto eu já escrevi aqui várias vez que o principal problema da UE é o equilibrio de poderes, ou antes, o desiquilibrio de poderes.

Este Tratado vem agravar e de que maneira, este problema.

Ainda o tratado não está ratificado e já acontecem coisas como as que vêm relatadas em http://euobserver.com/9/25454.

Então não é que os quatro grandes da UE se vão reunir em Londres para discutir o nosso futuro? E não é que os ministros do interior destes quatro mais os da Espanha da Polónia se reunem regularmente para tratar da nossa segurança?

Com o tratado aprovado e com todos os países a perderem a clausula de poder travar qualquer decisão se os seus interesses fundamentais estiverem em jogo, estas reuniões vão-se multiplicar. Os quatro ou quanto muito os seis reunem, decidem e depois fazem uma reunião alargada a todos para lhes comunicar as decisões que tomaram.

Temos também de que ser ou não europeista há muito que deixou de ter sentido. Há uma única União Europeia, esta e esta não e um projecto de democracia e solidariedade é um puro projecto de poder hegemónico.

Qualquer cidadão adepto dos chamados ideais europeus tem o dever de lutar com todas as suas forças contra a actual União Europeia. É que a História ensina-nos que quando alguém adquire poder só o larga à força e estamos a assistir a países que representam cerca de metade da população da UE a espezinharem a os países que representam a outra metade.

Quanto a Sócrates ganhou um lugar na História de Portugal, Sócrates é o nosso Kerenski...

Por fim não resisto a recomendar um video do Youtube que me fez chegar as lágrimas aos olhos porque enquanto o estava a ver comecei a ver muitos semelhanças com o nosso futuro.

http://youtube.com/watch?v=_iYbEPZVVIA

Anónimo disse...

As palavras bem reflectidas e provavelmente muito bem fundamentadas da amiga da Isabel, servem-me de pretexto para introduzir aqui a questão, incómoda para os Estados-Membros menos populosos, de saber até onde se pode levar a prática europeia de considerar que um voto expresso por um Português, ou por um Maltês, Luxemburguês.. vale mais do que o voto de um Alemão ou o de um Britânico? Se calhar, temos de nos pôr no lugar deles e ver, em consciência, se é justo ou injusto. Isto sem contar com o problema igualmente legítimo (pelo menos para mim) que se coloca aos Contribuintes líquidos para os cofres da União: até que ponto vale a pena gastarem os seus "cobres" numa União em que não possam ter papel preponderante?
Dito de outro modo, através de uma analogia: quando vivia com os meus irmãos em casa dos pais, éramos todos iguais na liberdade de expressão, mas nas decisões só até certo ponto. A autoridade dos financeiros do lar delimitava a democracia doméstica.
Claro que podemos viver sem o Tratado de Lisboa. Claro que, com este último, os pequenos países perdem poder. No entanto, o povo europeu no seu conjunto, representado pelos parlamentos europeu e nacionais (ou até representado por massas que se organizem conjunturalmente para lançarem petições transnacionais), reforça o seu peso nas decisões. Pelo que a democracia europeia fica melhor do que é, segundo me parece.
E depois: bem, admito que isso não interesse à maioria dos meus compatriotas, mas os europeístas só podem ver com bons olhos o reforço da (imagem da) UE na cena internacional, reforço esse esperado dos novos mecanismos introduzidos (serviço diplomático europeu, presidente europeu, MNE europeu).
Ainda assim, e mesmo que o "Não" vença, sou por um Referendo. Porque o direito de escolha em relação a matérias tão importantes é superior a tudo o que acabo de dizer.

Alvaro disse...

Cara Alexandra Lobão,

Toca num ponto muito importante:

"até onde se pode levar a prática europeia de considerar que um voto expresso por um Português, ou por um Maltês, Luxemburguês.. vale mais do que o voto de um Alemão ou o de um Britânico?"

Eu quase que respondo que não pode ser, um voto de um maltês vale tanto como o voto de um alemão.

Só que isto coloca um problema, como não há cidadania europeia e esta não se impõe por decreto, impõe-se culturalmente (e estamos muito longe disso), se formos pela regra um europeu um voto, tornamos a UE ingovernável pois a maior parte dos países da UE torna-se irrelevante e será cilindrada.
E ao perder-se o equilibrio de poderes abrimos a porta à guerra e à violência.
É exactamente para tentar evitar estes problemas que as federações (Estados Unidos, Alemanha, Aústria, etc.) têm Câmaras Altas, como muito poder e em que o peso dos estados federados é igual ou quase.

" Isto sem contar com o problema igualmente legítimo (pelo menos para mim) que se coloca aos Contribuintes líquidos para os cofres da União: até que ponto vale a pena gastarem os seus "cobres" numa União em que não possam ter papel preponderante?"

Minha cara, está a alinhar 100% na propaganda dos que querem mandar nisto tudo.

Para começar o ser um contribuinte líquido pouco significa. A Alemanha é o maior contribuinte líquido da UE e ganha imensamente com a UE. Portugal não é contribuinte líquido, antes pelo contrário e perde enormemente com a UE. Basta ver o PEEC (Processo de Estagnação Em Curso).

"No entanto, o povo europeu no seu conjunto, representado pelos parlamentos europeu e nacionais (ou até representado por massas que se organizem conjunturalmente para lançarem petições transnacionais), reforça o seu peso nas decisões."

??? o povo europeu é uma ficção sem existência real. Existem é povos europeus!

No fundo a minha cara amiga está é a lançar argumentos para o fim da União Europeia, tipo desmantele-se o monstro.

É que como a então CEE háq 50 anos ignorou olimpicamente a parte cultural dando primazia à economia, esqueceu-se de tomar medidas para ir formando uma opinião pública europeia, em suma, ir formando um povo europeu.

E, sem opinião pública europeia e sem povo europeu não há democracia europeia por mais parlamentos que elejam.

Assim é melhor travar o actual processo de integração europeia e irmos para a parte cultural. Por exemplo, devia-se começar por definir uma língua comum para toda a Europa, língua independente dos estados, que não fosse utilizada por nenhum mas fosse ensinada como primeira segunda língua em todas as escolas dos Estados membros.