terça-feira, 15 de julho de 2008

Obrigada Irlanda?

E se, graças ao referendo negativo da Irlanda ao Tratado de Lisboa, todos os países da União Europeia pudessem continuar a ter um comissário europeu ?

Esta eventualidade está a fazer o seu caminho no processo de busca de uma solução capaz de convencer os irlandeses a voltar às urnas para inverter o resultado de 12 de Junho. E isto, simplesmente, porque, do ponto de vista dos juristas, se trata da solução mais fácil, que não obrigará a renegociar o Tratado – que ninguém quer – nem a recomeçar a sua ratificação – impensável, quando 22 países já a concluíram.

Parece óbvio que os irlandeses não irão em cantigas de declarações interpretativas do Tratado, por exemplo para garantir a sua neutralidade militar como aconteceu quando rejeitaram uma primeira vez o Tratado de Nice.

Desta vez, para aceitarem ponderar uma alteração do veredicto de 12 de Junho, os irlandeses precisarão de algo de verdadeiramente concreto.
Uma das grandes preocupações expressas por muitos defensores da rejeição do Tratado teve a ver com a perca de influência do país na União Europeia. Que é, de facto, incontestável para a generalidade dos pequenos países, tanto por via da dupla maioria de votos nas decisões por maioria qualificada do conselho de ministros da UE, como através da redução do número de comissários europeus. Isto, para não falar do presidente do Conselho Europeu, mas essa é outra história.

No caso da Comissão, o Tratado estipula que a partir de 2014, os seus membros serão reduzidos para um número inferior ao de Estados membros (dois terços), sendo a escolha feita com base num sistema de “rotação rigorosamente igualitária” que permita reflectir o equilíbrio demográfico e geográfico do conjunto da UE. O que significa que todos os países terão um comissário em dois mandatos (de cinco anos) de cada conjunto de três.

Esta redução será obrigatória “a menos que o Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, decida alterar esse número”.

Este é o único ponto do Tratado que permite expressamente a alteração de uma das suas disposições por uma simples decisão por unanimidade, sem obrigar à renegociação de um novo texto nem à sua ratificação. O que significa que decidir manter a actual fórmula de um comissário por país passará a ser uma simples questão de vontade política, sem constrangimentos de ordem jurídica ou constitucional.

A questão da Comissão reduzida foi uma imposição dos grandes países, para atenuar a sua perca de peso progressiva. Até Nice, cada um dos então cinco grande tinha direito a 2 comissários num total de vinte – ou seja, 10 por cento do total – passando desde então a um mero 1/27.

É certo que uma Comissão com vinte e sete ou mais membros perde a sua principal característica, o “princípio da colegialidade” que garantia que todas as decisões eram tomadas de forma colegial por todos os comissários de forma a garantir o interesse comum.
Com os seus comissários virados cada um para o seu canto, a actual Comissão já tem muito pouco de colegial. E está, sobretudo, sujeita à pressão crescente dos grandes países que deixaram de ter quaisquer pruridos em atacar, criticar ou ameaçar “Bruxelas” para obterem o que querem.

Mas também é verdade que os grandes não terem um comissário a dado momento não é a mesma coisa que os pequenos não o terem: muitas vezes, é por via do comissário que as “sensibilidades” nacionais se conseguem exprimir nos debates do colégio de comissários. O que significa que nos mandatos em que Portugal não tiver um comissário, dificilmente se conseguirá fazer ouvir.

Em contrapartida, não será por terem ou não um comissário que Merkel, Sarkozy ou Brown deixarão de continuar a telefonar directamente a Barroso para “ditar” os seus desejos.

Por isso, graças à Irlanda, uma das principais dificuldades de Lisboa para os pequenos países está em vias de ser resolvida. Ainda bem.
Só é pena, do meu ponto de vista, não ter sido Portugal a avançar esta solução, já que se orgulha tanto de ter concluído um acordo – desequilibrado para os pequenos países – sobre o novo Tratado. Continuo a pensar que teria ficado bem a José Sócrates corrigir a anomalia, como escrevi no Público cinco dias depois do referendo irlandês.

Felizmente que existem os juristas ...

(fotografias: flickr.com)

1 comentário:

Anónimo disse...

Lamento dizer que não concordo lá muito com esta pretensa vantagem do "Não" irlandês.

Para já atrevo-me a corrigir esta frase:
"sendo a escolha feita com base num sistema de “rotação rigorosamente igualitária” que permita reflectir o equilíbrio demográfico e geográfico do conjunto da UE. O que significa que todos os países terão um comissário em dois mandatos (de cinco anos) de cada conjunto de três"
Isto não é bem assim, o sistema de rotação reflecte o equilibrio demográfico. Isto só pode significar que Malta, por exemplo, terá um Comissário de 50 em 50 anos e a Alemanha perderá um Comissário de 50 em 50 anos!

Mas, o mais grave nem é isto, o mais grave é que os estados membros deixam de poder indicar Comissários, os EM limitam-se a sugerir um nome, nome este que pode, ou não, ser aceite pelo Presidente da Comissão. Mais, o Presidente da Comissão pode ignorar totalmente o nome indicado pelo EM e nomear um outro qualquer, desde que tenha a nacionalidade do mesmo país.
Mas, há mais, em qualquer altura o Presidente da Comissão pode exigir a demissão de qualquer Comissário.
Na realidade o que acontece é que a Comissão tenha 5, 10, 20 ou 27 membros, estes serão sempre totalmente independentes dos seus países e só devem lealdade ao Presidente da Comissão, nada mais.
Assim não vejo qual a vantagem de haver um Comissário por país, a não ser a de deitar poeira nos olhos dos cidadãos das diversas nações da Europa.

UE delenda est