terça-feira, 13 de março de 2012

Muito barulho para muito pouco...

Não sei se percebi.

Durante quase dois anos os governos da zona euro encheram-nos a cabeça (pelo menos a nós, jornalistas) com propostas, negociações, braços de ferro e compromissos sobre novas regras que, agora sim, é que iriam impor uma verdadeira disciplina orçamental aos membros da moeda única.

Um dos grandes eixos das novas medidas - que acabaram por ficar conhecidas por "Six Pack" (um diminutivo de "pacote de seis propostas legislativas") - assentou no reforço dos mecanismos de sanções contra os países que não respeitem as trajectórias de consolidação orçamental negociadas com a Comissão Europeia e aprovadas pelo conselho de ministros das finanças da zona euro.

A partir de agora, garantiram-nos, se um país não cumprir as metas de redução do défice orçamental que acordou com os parceiros, fica sujeito a sanções (multas até 0,5% do PIB) numa fase muito mais precoce do processo. Mais importante ainda, garantiram-nos ainda, estas sanções passarão a ser decididas de forma muito mais automática a partir de propostas da Comissão Europeia, para evitar o tipo de negociação política que levou à implosão do pacto de estabilidade e crescimento em 2003 para proteger a França e a Alemanha de eventuais penalizações. Ok.

As novas regras entraram em vigor em Dezembro.

Três meses depois, o novo governo espanhol decidiu mandar unilateralmente às urtigas a meta fixada para o défice deste ano - 4,4% do PIB - adoptando um objectivo menos exigente de 5,8% do PIB. Isto porque segundo o primeiro ministro Mariano Rajoy, o anterior governo socialista deixou derrapar o défice do ano passado dos 6% do PIB acordados com Bruxelas para 8,5%, o que imporia, um ajustamento de 4,1 pontos percentuais, um objecto completamente impraticável num ano. Sobretudo num país com 5 milhões de desempregados e uma previsão de recessão económica de 1,7%.

Segunda-feira à noite, os ministros das finanças do euro anuíram. Insistiram com Madrid para cumprir a meta não deste ano, mas a de 2013, altura em que o país deverá ter um défice abaixo do tecto de 3% do PIB previsto no pacto de estabilidade. Provavelmente para salvar a face, pediram a Madrid para tentar,  fazer, este ano, um esforço adicional face ao previsto "da ordem dos 0,5% do PIB", embora sublinhando que não há qualquer obrigação de resultado.

Ou seja, os ministros decidiram ser pragmáticos e reconhecer que não podiam efectivamente pedir a Espanha um esforço da amplitude do que estaria implícito numa redução do défice de 8,5% do PIB para 4,4%, sob pena de condenar o país a uma espiral recessiva durante vários anos. Mas também porque ninguém acreditaria que Madrid pudesse fazer um ajustamento dessa ordem. De facto, a flexibilização da meta orçamental espanhola ajudou a credibilizar a estratégia de ajustamento de Rajoy.

Moral da história: parece-me óbvio que a meta para o défice espanhol tinha de ser flexibilizada. Os ministros tiveram razão em ser pragmáticos e em ter em conta a degradação da situação económica.

Mas então, para que é que nos encheram a cabeça com sanções mais expeditas e automáticas, se acabaram por cair na mesma negociação política que em 2003?

Com a agravante que, uma vez mais, impuseram uma verdadeira humilhação à Comissão Europeia, apesar de terem prometido e jurado que os seus poderes de "polícia" da consolidação orçamental foram  reforçados com o Six Pack, precisamente para evitar que os governos - sobretudo os maiores - impusessem os seus pontos de vista. É por isso, aliás, que a regra determina que é a Comissão quem tem de propor como resolver o tipo de problemas como o que foi suscitado pela Espanha, devendo os ministros decidir com base nas suas propostas.

Não foi nada disso que aconteceu: os ministros decidiram sem qualquer proposta na mesa  e, pior,  decidiram contra a vontade da Comissão, que queria esperar pelas explicações de Madrid sobre as razões da derrapagem do ano passado - que só chegarão a Bruxelas no fim do mês - antes de fazer qualquer proposta.

De facto, não tenho a certeza de ter percebido.

2 comentários:

Bernardo disse...

Depende a quem pergunta. Se perguntar ao Hungaros, eles vao-lhe dizer que o Six-Pack funciona muitissimo bem...

Anónimo disse...

Parabéns pelo excelente trabalho que tem vindo a desenvolver no Público, dando aos portugueses um importante feedback do que de mais importante se passa nessa Europa que se quer mais próxima dos eurocidadãos mas que,infelizmente, ainda está muito distante dos seus destinatários. Há dias o MEC elogiava-a e eu só posso reiterar esse elogio!
Gostei imenso do trabalho de ontem, principalmente por fazer chegar até nós a reportagem que saiu na Der Spiegel sobre as consequências da desintegração do euro.