Será um antegosto do que aí vem ? Gordon Brown, primeiro ministro britânico, decidiu convidar os seus homólogos da França, Alemanha e Itália – os quatro maiores Estados membros da União Europeia (UE) - para uma reunião em Downing Street no dia 29 de Janeiro, dedicada à crise financeira mundial.
A iniciativa não é nova. Em 2001, o Reino Unido – na altura o primeiro ministro era Tony Blair – tentou fazer o mesmo para discutir os atentados terroristas de 11 de Setembro. Esta perspectiva suscitou um coro de protestos dos pequenos países – a começar pelo primeiro ministro belga, Guy Verhofstadt – que apreciaram pouco o facto de serem deixados para trás em questões que interessam a todos. De tal forma que Blair foi obrigado a alargar a lista dos convidados e incluir, nomeadamente, o país na presidência da UE – na altura, a Bélgica – de modo a vincular a totalidade dos restantes.
Desta vez, o mesmo Guy Verhofstadt, parece isolado nos protestos. “Quatro países grandes vão-se reunir. Um grupo de países membros da UE quer discutir a situação financeira com consequências possíveis para toda a União. A Europa não é feita apenas pelos grandes mas por todos os cidadãos europeus, estados e populações, incluindo os pequenos”, criticou recentemente.
Londres justifica a sua escolha explicando que os quatro países são os membros europeus do G8 e que têm o direito de se concertar entre si. Certo. Só que os Vinte e Sete costumam igualmente discutir e preparar nas suas reuniões dos ministros das finanças os encontros do G8 – mesmo se cada um dos seus membros é totalmente livre de assumir as posições que entender.
Para dar alguma respeitabilidade "europeia" à iniciativa, Brown decidiu posteriormente alargar a lista dos convidados a Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. Mas deixou de fora, por exemplo, Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo, que preside ao “eurogrupo”, o fórum informal de coordenação das políticas económicas dos países do euro.
O que é curioso é que, além dos belgas, mais nenhum dos países pequenos parece muito preocupado com a iniciativa britânica. Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?
17 comentários:
"Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?"
Como é óbvio essa é a realidade. Quem pode, pode.
Mas podemos ir mais longe: os países mais poderosos governarao sempre sobre os menos poderosos. Nao é por acaso que alguns tem assento permanente no CS da ONU e outros nao.
Quanto á Europa, sendo um universo mais pequeno, nao quer dizer que as coisas sejam diferentes, ou alguém ainda tem dúvidas?
Quem tem mais dinheiro tem mais poder e por conseguinte manda, quer queiramos quer nao!
Eu já me resignei...
Esta reunião, como antevisão do futuro, é assustadora. Em comentários ao artigo anterior já me tinha referido a ela.
"O que é curioso é que, além dos belgas, mais nenhum dos países pequenos parece muito preocupado com a iniciativa britânica. Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?"
Provavelmente sim. Tal como o schlumpy que também diz que já se resignou.
E o que é mais assustador nesta reunião é a sua precipitação. O Tratado de Lisboa ainda não está ractificado, reuniões deste tipo são manifestamente inoportunas pois poderiam ser usadas como argumentos contra o Tratado de Lisboa. Mas não, os grandes já acham que a ratificação está no papo e já estão manifestamente nas tintas para o resto da maralha.
E este resto da maralha é muita gente!
Segundo o CIA Factbook, a União Europeia tem 490.426.060 habitantes e os quatro desta reunião têm 265.038.893.
Portanto ficam de fora 225.387.167
europeus ou seja 45,96% da população da UE.
É por isto que eu digo que a UE é um projecto que vai acabar mal, muito mal, vai acabar em guerra.
Não é crível que algum grupo consiga controlar 225.387.167 cidadãos indefinidamente. Tarde ou cedo estoira e, quando estoirar, quando a Europa se transformar numa imensa Juguslávia, políticos como Sócrates dificilmente serão perdoados pela História pois terão as mãos cheias de sangue.
Por fim ocorre-me perguntar onde estão os partidos portugueses da Assembleia que se opõem ao Tratado (BE, PCP e os Verdes)? Porque é que eles ainda não questionaram o governo sobre esta reunião e o seu significado?
Ou será que a sua posição critica é uma posição só para dar a sensação de que a UE é um espaço de liberdade e democracia?
Por uma vez (não acontece sempre!) concordo com o comentário do Raio. Agora todos se resignam (noto com tristeza como a pertinente mensagem sobre a sinistra "Europa dos Grandes" deu azo a tão poucas reacções). Agora todos acham que não há alternativa, mas mais tarde alguém se arrependerá. Espero não ter que assistir.
F-X Ortoli
Sim, iniciativas deste género têm veneno escondido. Um veneno lento que mata devagar, um projecto tão necessário como é a integração dos povos. É de lamentar todos os que são interlocutores do encontro terem aceitado lá estar!
O Ortoli tem razão. É estranho como é que este corajoso artigo da autora do blog deu azo a tão poucos comentários.
É também estranho que os habituais defensores da UE tenham ficado calados.
Sem querer defender o isolamento que esta reunião poderá provocar, os pequenos Estados Membros só têem é que se mexer. Organizem-se, discutam e avancem com a proposta dos restantes “45,96% da população da UE”. Agora, não há é paciência para choramingas que ficam ofendidos por não serem convidados para a festa dos mais crescidos.
"os pequenos Estados Membros só têem é que se mexer"
Os restantes 23 países da UE estão sem poderes e em minoria. Podem organizar-se, mexer-se à vontade que dificilmente conseguirão fazer aprovar o que quer que seja no Conselho.
Bem sei que aqueles países ainda não têm 60% da população para poderem fazer o que quiserem. Mas bastará que mais um país médio ou dois pequenos concordem para estarmos nos tais 60%.
De qualquer forma este tipo de reuniões, no futuro, deverá ser alargada a um dos semi-grandes (Espanha) e aí as reuniões do Conselho passarão a durar uns cinco minutos pois já estará tudo previamente aprovado e decidido.
O Bernardo é ofensivo ao chamar choramingas aos outros países. A realidade é que o Tratado de Lisboa permite (e mesmo incentiva) este tipo de atitudes e o resto dos países não pode fazer nada.
O Schlumpy (bom nome para o meu próximo gato)tem razão em destacar o óbvio ascendente dos países mais poderosos, na Europa e fora dela, no passado como no presente e no futuro.
Como em tudo na vida e em cada sociedade, quem tem mais meios ou trunfos ou vantagens competitivas mexe mais cordelinhos ou tem mais poder.
A atitude mais construtiva perante tamanha inevitabilidade parece-me ser a de agarrar nos mecanismos susceptíveis de conter e reduzir esse desequilíbrio. Isto dentro de um quadro de relacionamento pacífico - como a UE. Pois duvido de que possamos "contê-los" melhor fora dela.
A atitude do irritante Gordon Brown, essa, não surpreende, uma vez que vem na linha daquilo a que o Reino Unido sempre nos habituou: síndroma do típico "looser" que já já foi grande combinada com umas doses de paternalismo e de má fé (esta última usada para fracturar a União).
Não me deixo impressionar por tamanha gesticulação pois sei muito bem que o RU precisa mais da Europa do que esta dele.
Cara Alexandra,
"Como em tudo na vida e em cada sociedade, quem tem mais meios ou trunfos ou vantagens competitivas mexe mais cordelinhos ou tem mais poder"
Exacto, exacto! O que torna ainda mais importante a autonomia de cada um para se poderem defender dos abusos dos mais fortes.
"A atitude mais construtiva perante tamanha inevitabilidade parece-me ser a de agarrar nos mecanismos susceptíveis de conter e reduzir esse desequilíbrio"
Estamos cada vez mais de acordo!
Um corolário de "agarrar nos mecanismos susceptíveis de conter e reduzir o tal desiquilibrio" é o de não facilitar a instalação de mecanismos que o incentivem como, por exemplo, o tratado de Lisboa.
Quanto a conter os tais grandes dentro ou fora da UE, parece-me evidente que fora é mais fácil e seguro pois podem-se fazer acordos e alianças com todos, os de dentro e os de fora e, portanto, diminuir dependências.
"A atitude do irritante Gordon Brown, essa, não surpreende..."
Não vejo onde está a atitude irritante do Gordon Brown. GB fez o convite e os outros aceitaram. Se o GB é irritante os outros também o são pois nenhum disse que não ao GB, antes pelo contrário.
Minha cara, são todos iguais!
Compreendo que este corajoso artigo da IAC coloca problemas graves nos partidários da UE Über Alles pois destrói todos os mitos de colaboração, solidariedade, etc., em que pretensamente a UE se basearia deixando cair a máscara e mostrando a sua verdadeira face, um simples projecto de poder.
Um abraço,
Sabe, Raio, digo "irritante" Gordon Brown não por este ter convidado alguns colegas para uma reunião mas, sim, porque o tenho debaixo de olho há algum tempo, tendo constatado ainda antes de ele ascender a PM que se trata do protótipo do Britânico convencido da sua superioridade britânica e do "nonsense" que representam os continentais em geral a UE em particular. Referia-me às suas habituais birrinhas, como a última a pretexto da assinatura do Tratado de Lisboa ou os seus lendários estados de alma de cada vez que se deslocava às reuniões dos conselhos de ministros da economia e finanças da UE (ECOFIN). São dois exemplos de entre todos aqueles que a própria imprensa britânica já parodia.
O que quer, Raio?! O homem tem zero charme, zero graça e, pior ainda, zero coragem para propôr que o RU abandone o clube europeu de uma vez por todas e mostre o que vale (pessoalmente, ia-me rir muito).
"tendo constatado ainda antes de ele ascender a PM que se trata do protótipo do Britânico convencido da sua superioridade britânica"
Quando a Escócia se tornar independente, GB, que é escocês, ficará com graves problemas existenciais...
Eu sei que ele não prima pela simpatia, eu sei que os próprios britânicos gozam com ele, chamam-lhe o Mr. Bean da política e já li mesmo referências a ele como Gordon McBean...
Mas isto tudo só prova que é um típico político europeu. A respeito de birras, por exemplo, não passa de um aprendiz ao lado do Chirac (ainda alguém se lembra da birra deste por causa da presidência do BCE?).
A diferença é outra. A propaganda integracionista tenta convencer-nos da necessidade de uma Europa unida e forte para fazer face ao perigo americano e, depois, mistura-se o Reino Unido como se ele fosse o 51º Estado americano e isto só reforça o óbvio do tal perigo.
"zero coragem para propôr que o RU abandone o clube europeu de uma vez por todas"
Mas o GB não quer abandonar o clube europeu! Antes pelo contrário, GB, tal como Tony Blair, estão 100% empenhados no projecto europeu!
O problema é outro, a opinião pública britânica é muito reticente em relação à UE, tal como a de muitos outros países da UE mas, ao contrário dos outros países, tem algum apoio da parte da Comunicação Social.
Oa primeiros ministros britânicos fazem o que está ao seu alcance para vender a UE no seu país mas o povo não está a comprar. Isto deixa-os na corda bamba e era simpático que os partidários da integração lhes demonstrassem algum carinho e compreensão.
"Mas o GB não quer abandonar o clube europeu! Antes pelo contrário, GB, tal como Tony Blair, estão 100% empenhados no projecto europeu!"
Fingem bem então... ;)
Caro Luís Vicente,
Fingem sim, mas não para nós, fingem para os seus cidadãos, sorry, subjects, aquilo é uma monarquia e uma república e portanto não tem cidadãos, tem sujeitos (subjects).
O problema é simples, o povo inglês, sabiamente, não quer a UE.
Os seus governantes que querem a UE são obrigados a dar uma nocravo e outra na ferradura para não se desligarem totalmente dos seus eleitores.
Um abraço,
"Será que já se resignaram a aceitar que a Europa será governada por um directório dos grandes?"
Cara IAC: não percebo esta pergunta.
Você é a favor da Europa.
Tinha dúvidas que levasse a isto?
Este "modelo" europeu de funcionamento da ue é efetivamente um desastre para os paises pequenos . A forma de supremacia como estas reuniões de pequeno comité escrevem as linhas mestras da ue é muito mau para a ue pois esvazia de conteudo e dá aos cidadãos o sentimento de não pertencer a nada e ninguém ; Novas guerras no espaço europeu são previsiveis.
porém, aqui apenas se fala de países, e não de regiões nem de necessidades que vão além do económico, pois esta é só uma reunião de tipo económico, acreditem. A UE é um mercado de bom-vender, e faz com que os grandes sempre possam apresentar a melhor oferta, melhor ainda se se coligarem. Mas, qual a dificuldade para apercebê-lo? Os EUA também jogam assim e na Espanha, as autonomas, por acaso num jogo similar, também têm condições assimétricas... Essa solidariedade de que falam, acho que apenas vai para a homogeneização total ou, se não, para umha pura enteléquia. O problema dessa solidariedade é que é com todos, embora seja um suicídio. Cada qual tem de ser solidário com um grupo ou por um tempo. Não é mais possível sê-lo com todos para sempre, porque essa solidariedade vai se tornar em estratégias de dominação sob formas como a dívida externa, os favores a serem pagos ou como quiser vocês chamá-lo.
Com o anterior não quero defender a proposta da GB. Nem mais! Mas apenas dizer que eu desconfio desse jogo de palavras onde solidariedade tem toda a presença. Alguém pensou nalgum momento que a UE era a sério um projecto de integração dos fracos? Não posso acreditar.
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