A Irlanda está sob uma pressão cada vez maior dos seus pares da União Europeia (UE) para proceder rapidamente à ratificação do Tratado de Lisboa, de preferência bem antes das eleições europeias de Junho de 2009.
Este calendário poderia ser cumprido, de acordo com peritos comunitários, se Dublin optasse por referendar a Constituição nacional alterada com as áreas em que pretende preservar a soberania nacional, em vez do Tratado, que poderia assim ser ratificado pelo parlamento.
Esta eventualidade permitiria resolvercom relativa rapidez o impasse em que o texto europeu se encontra desde que os irlandeses o recusaram em Junho passado, em referendo, e que impede a sua entrada em vigor em toda a UE.
Brian Cowen, primeiro ministro irlandês, está sob uma forte pressão dos seus pares, sobretudo da presidência francesa da UE, para apresentar propostas de solução para o impasse na cimeira de lideres dos Vinte e Sete de 11 e 12 de Dezembro. Tudo indica que chefe do governo irlandês pedirá alguns ajustes ao Tratado sob a forma de declarações interpretativas que deixem claro que o seu país poderá manter a neutralidade militar e a proibição do aborto, e manterá um direito de veto em todas as propostas de natureza fiscal, que continuam a ser decididas na UE por unanimidade.
Mesmo com estes ajustes, Cowen já deixou claro que não estará em condições de convocar um novo referendo ao Tratado, capaz de inverter o resultado do primeiro, antes do Outono de 2009.
Este prazo tem sobretudo a ver com a gravidade da crise económica que o país atravessa: a Irlanda foi o primeiro país da UE que entrou em recessão e terá este ano e no próximo o mais elevado défice orçamental da zona euro.
A generalidade dos seus parceiros reconhece que uma crise económica não é o melhor contexto para realizar um novo referendo, conscientes do risco de o Tratado ser rejeitado por uma maioria ainda maior que os 53 por cento de Junho e ficar, assim, definitivamente enterrado.
Para vários países, no entanto, o calendário preferido por Cowen, que não permitiria a entrada em vigor do Tratado antes de 1 de Janeiro de 2010, suscita uma série de complicações institucionais, nomeadamente no que se refere à renovação da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu cujos mandatos terminam em 2009. O que significa, igualmente, que os dois novos cargos de presidente do conselho europeu (as cimeiras de lideres) e a versão reforçada do alto representante para a política externa, as grandes novidades institucionais do Tratado, também não poderiam ser criados antes dessa data.
Este cenário representa para vários governos um problema real à luz da experiência da actual presidência francesa da UE, que, ao ter de resolver duas graves crises – a guerra entre a Rússia e a Geórgia e o risco de derrocada do sistema financeiro mundial – provou a necessidade urgente de criação de um presidente permanente forte em vez das presidências semestrais rotativas entre todos os países.
É neste contexto que vários países, a começar pela presidência francesa estão a exercer uma forte mas discreta pressão sobre Dublin para inverter os processos, o que, em sua opinião, poderá ser concretizado nos primeiros meses de 2009 de forma a que o Tratado entre em vigor antes das eleições de Junho.
A ideia seria o governo de Cowen “inscrever na Constituição nacional todas as garantias consideradas necessárias, e submetê-la a referendo”, explicou ao PÚBLICO um dos autores da proposta, sob condição de anonimato. “Porque razão é que as pessoas votariam contra uma Constituição que consagrasse todas as garantias pretendidas? Desta forma a ratificação poderia ser feita no Parlamento, o que resolveria o Tratado de Lisboa, mas, igualmente, todos os futuros Tratados – porque este não será o último. Os irlandeses deixariam de ser obrigados, em cada novo Tratado, a fazer um referendo para exprimir de novo os mesmos receios. Ficaria tudo resolvido de uma vez por todas. E a Irlanda ficaria à vontade na UE, porque terá inscrito na sua Constituição o que espera da Europa e os pontos sobre os quais considera que guarda uma soberania plena”, explicou.
A grande dúvida é saber se Brian Cowen estará em condições de aceitar a sugestão, que teria de todos os modos de ser apresentada como uma iniciativa sua e não o resultado de uma pressão europeia. Vários países consideram que, em plena e abrupta quebra de popularidade do seu governo, o primeiro ministro não terá a força política suficiente para impor uma solução deste tipo. Outros consideram, pelo contrário, que Cowen tem uma oportunidade única para dar este passo: basta-lhe mostrar à sua opinião pública as enormes vantagens de pertencer ao euro, sem os quais a sua economia teria sofrido o mesmo risco que a Islândia, país exterior à UE, de entrar em bancarrota.
4 comentários:
A ver se percebi... Os peritos comunitários e “autores da proposta” sublinham que para a estratégia ter sucesso, a idea tem que ser vista como sendo de Cowen e não imposta pela UE. E por isso explicam-na a jornalistas. Bestial, lá se foi a estratégia baseada na discreção...
O governo irlandês no próximo referendo deveria ter a coragem de pôr as coisas bem claras e perguntar aos irlandeses se aceitam o Tratado de Lisboa (com todas as declarações interpretativas que forem precisas) ou preferem sair da UE. Porque não há outra alternativa. As regras que se pretendem pôr em funcionamento com o Tratado não comportam excepções. Ou será que os Irlandeses estão à espera, por exemplo, que eles sejam os únicos a ter sempre um dos seus nacionais como Comissário enquanto que os restantes Estados Membros têem de alternar?... Aliás, olhando para a ultima contribuição para a Comissão a Irlanda deveria era ter vergonha e não apresentar nomes para próxima Comissão.
gostava de saber quanto tempo perderam para dar à luz semelhante ideia.
em teoria pode parecer um ovo de colombo, na prática acho que promete ser uma grande paródia.
esta coisa de querer ganhar à força os jogos na secretaria tem muito que se lhe diga...
PS:
bernardo, é isso mesmo. para quê perder tempo a "pressionar", como diz o artigo da IAC, se os podemos chantagear assim como propõe?
Como é lógico e a jurisprudência comunitária estabelece e o nosso ex-comissário (Vitorino) já sublinhou várias vezes, as Leis Europeias sobrepõem-se às nacionais. Assim a Irlanda pode escrever o que quiser na sua Constituição que isso pouco significado terá.
Este plano é um bom exemplo da duplicidade e falta de espírito democrático dos eurocratas .
A democracia é, no final de contas, um empecilho dos diabos...
Só gostava que me explicassem como é que um democrata pode ser a favor deste euro-circo...
Enviar um comentário