Vale a pena incluir aqui mais alguns argumentos contra a escolha de Tony Blair para presidente do Conselho Europeu. Este texto foi publicado no Público de 29 de Outubro. Nunca é demais relembrar...
Não admira, no meio do cinzentismo que caracteriza a maior parte dos dirigentes europeus, que Tony Blair possa entusiasmar. A sua energia, estatura internacional e capacidade de inflamar as assembleias mais hostis são qualidades óbvias.
Mas não é por isso que Blair deve ser escolhido para presidente do Conselho Europeu. Fazê-lo, é o mesmo que confiar a organização do Natal aos perus: a sua primeira reacção seria adaptar a festa ao seu interesse pessoal.
E o interesse de Blair será, inevitavelmente, acentuar o carácter intergovernamental da Europa e impulsionar a agenda dos grandes e mais poderosos. Correndo o risco de pôr em causa a legitimidade do projecto europeu, que só é viável se todos, incluindo os mais pequenos, se sentirem representados. Diz Quentin Peel, especialista das questões europeias do insuspeito Financial Times: Blair “é um verdadeiro intergovernamentalista, não é um europeu convicto”.
Ainda está fresca na memória europeia a forma como Blair conduziu, em 2005, as negociações sobre o quadro orçamental da UE até 2013, em que utilizou a sua presidência semestral rotativa da UE para impor uma redução das ajudas europeias aos países de Leste, os mais pobres, de modo a poder manter um indefensável mecanismo de retribuição orçamental a favor do seu país.
Não parece provável que o ex-primeiro ministro britânico se molde ao posto tal como foi concebido – o de facilitador e impulsionador de consensos entre os Estados membros de modo a reforçar a eficácia dos trabalhos do Conselho Europeu. A sua concepção do cargo, a mesma dos que o apoiam, é tornar-se na “cara e voz” da UE junto dos seus cidadãos e perante o resto do Mundo, reforçando o seu peso político face aos Estados Unidos ou à China.
Mas se a Europa tem dificuldade em se afirmar no Mundo não é por causa de nenhum problema de representação, mas simplesmente devido à dificuldade dos seus Estados membros se entenderem e assumirem uma linha comum. O que é inevitável no actual estádio da integração europeia e à luz das suas diferentes culturas e situações económicas e sociais.
A existência de um presidente do Conselho não vai alterar rigorosamente nada. A menos que Blair se ponha a defender Mundo fora não as posições da Europa, mas a sua ideia do que deverão ser as posições da Europa.
Aliás, pensar que o presidente do Conselho Europeu, qualquer que ele seja, será “o” representante da Europa no Mundo, é um mito: nenhum dos grandes países da UE está disposto a abdicar do seu assento nas grandes instâncias internacionais – do Conselho de Segurança da ONU ao G8 ou ao G20 – em nome de uma representação única europeia.
Mais: o Tratado de Lisboa, que criou o cargo de presidente do Conselho, não retirou as competências de política externa ao presidente da Comissão Europeia – que tem, aliás, representado na perfeição a UE no Mundo – nem ao ministro europeu dos negócios estrangeiros. O que significa que o novo presidente será mais uma cara a juntar-se a muitas outras que falarão em nome da UE.
Também é irónico pensar que os cidadãos se poderão identificar com um presidente Blair: a mobilização de milhões de europeus contra a guerra do Iraque constituiu um dos raros momentos em que existiu um esboço de “opinião pública europeia”. Aquela de cuja ausência os responsáveis políticos se queixam regularmente em época de eleições europeias. Se escolherem Blair, co-autor da guerra, não será de admirar.
1 comentário:
Coitado do Tony. Que mal é que ele terá feito aos jornalistas do Público?
Tanta confusão para nomear alguém para um cargo que me parece inútil.
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