sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Birmânia

Desculpem, mas não consigo deixar de falar da Birmânia, um país que me ficou no coração desde que lá fui, em Agosto de 1988.

Na altura era um país ainda largamente desconhecido, que começava muito lentamente a abrir-se ao exterior. Abertura imposta pela necessidade de dólares num país que esteve durante várias décadas isolado do resto do Mundo (excepção feita da China) em nome do designado “burmese way for socialism”, um regime proto-maoista que brutalizou e empobreceu a população.

Aceites com muita relutância, os turistas só podiam obter vistos rigorosamente limitados a sete dias. Também só podiam circular em certas zonas, deslocar-se nos meios de transporte públicos e dormir e comer nos estabelecimentos do estado. Todos os transportes, hotéis e restaurantes utilizados tinham de ser registados, com carimbo oficial, num formulário entregue à chegada ao aeroporto de Rangoon para ser devolvido à saída. Todos os câmbios de dinheiro também, a começar pelos 100 dólares que eram obrigatoriamente trocados à entrada à taxa oficial de 1 dólar para 1 kyat (leia-se tchat). No mercado negro, a relação era de 1 dólar para 32 kyats.

Rangum, em 1988, era uma cidade sem trânsito, sem poluição atmosférica, sem lojas – tudo se vendia nas ruas em banquinhas improvisadas – sem néons publicitários da Coca-Cola nem American Express. A cidada estava praticamente como os ingleses a tinham deixado quarenta anos anos, ou seja, quase em ruínas. Dizem-me que desde então mudou radicalmente e que tem hotéis de luxo, néons e monumentos restaurados com o apoio do American Express. A população continua no entanto a sobreviver no limiar da pobreza.

Durante sete dias, percorremos (quatro turistas) o país na caixa coberta por um toldo de um “pick-up” (mais ou menos como o da fotografia) conduzido por dois birmaneses, que encaravam alegremente tamanho desafio às regras oficiais. As viagens eram feitas à noite para aproveitar os (poucos) dias. Circulámos em inúmeras zonas proibidas sem nunca cruzar outros turistas. Visitámos monumentos de cortar a respiração, como o templo dos dez mil budas ou o templo dos budas gigantes. Dormimos, comemos e conversámos com e como os birmaneses, um dos povos mais extraordinariamente acolhedores, calorosos e sorridentes que alguma vez cruzei, apesar da dureza das suas condições de vida.

Fomos defrontados com inúmeras barragens de polícia e mesmo do exército: de todas as vezes, a conversa, para nós incompreensível, dos nossos acompanhantes birmaneses – e imagino, alguns kyats – poupavam uma revista ao carro e a descoberta dos "clandestinos". Estranhamente, estes encontros passavam-se sem stress nem pânico como se a própria polícia fosse indiferente a tudo.

Ao longo da viagem, os formulários oficiais, que, além dos 100 dólares trocados à entrada, continuavam imaculados sem nenhum hotel nem restaurante inscrito, foram sendo objecto de um tratamento de choque. Por “acidente”, cairam regularmente em poças de lama, foram espezinhados, manchados de tinta e até chegaram a passar por baixo das rodas do “pick up”. À saída, de novo no aeroporto de Rangum, os quatro formulários tinham-se transformado em bocados de papel disformes, rasgados, esburacados, borrados e ilegíveis. Curiosamente, ninguém estranhou nem perguntou porquê. Acho mesmo que o polícia que me revistou nem sequer olhou para ele.

É certo que, nesse dia, a polícia e o exército estavam mais preocupados em despachar todos os turistas para fora do país do que em verificar o cumprimento das regras. É que, por coincidência, a nossa saída da Birmânia ocorreu a 8 de Agosto. O dia em que começou a repressão brutal dos protestos nas ruas e que provocou, nos dias seguintes, a morte de mais de 3 mil pessoas.

Por todo o país, os estudantes, que tinham iniciado os protestos algumas semanas antes, e os monges que os apoiavam, tinham deixado bem claro que o dia 8/8/88, altamente simbólico, seria decisivo no movimento de contestação. Também sabiam que era o dia mais perigoso de todo o movimento com todos os riscos de reacção do exército, até então relativamente calmo.

Sensíveis às apirações de mudança e à coragem dos manifestantes, muitos deles pouco mais do que adolescentes, desfilámos com eles nas barbas de soldados de arma apontada. Participámos nas vigílias no local altamente simbólico do budismo, o pagode Schwedagon, inteiramente rodeados de carros blindados repletos de soldados armados. A mensagem que recebíamos era sempre a mesma: é preciso contar “lá fora” o que se passa na Birmânia.

Só depois de aterrar em Bangkok, no dia 8 à noite, é que ficámos a saber que a polícia e o exército tinham carregado nessa mesma tarde sobre os manifestantes em Rangum matando mais de 100 pessoas. Nos dias que se seguiram, o número de vítimas ultrapassou os 3 mil.


Desde então, a brutalidade do regime manteve-se inalterada, perante a relativa indiferença do resto do Mundo. Desta vez, a visibilidade da repressão não permite ignorar o que se passa. Não sei qual é a solução para evitar um novo banho de sangue, mas provavelmente a China, o único país que mantém um simulacro de relações com a junta birmanesa, será igualmente o único com algum meio de pressão sobre o regime. É hora de o Mundo começar a fazer pressão sobre a China.

27 comentários:

Anónimo disse...

De facto, é impressionante como certos países passam ao lado dos focos de quem nos podem ajudar a conhecê-los...A ladainha repetetitiva dos media, aprisiona os cidadãos a certos assuntos supostamente importantes, fechando as portas à diversidade do mundo.

Marcelo Melo
[www.3vial.blogspot.com]

Anónimo disse...

Isabel,

este texto, que muito me tocou, agudizou no entanto a tristeza e a vergonha que sinto perante uma comunidade internacional tão comedida face aos protestos pacíficos de todo um povo que só aspira àquilo a que nós aqui na UE damos por adquirido. O que eu queria, mesmo, era ver a "campeã dos direitos humanos" - começando pela sua presidência portuguesa - a exercer uma pressão digna desse nome sobre Pequim. Porque não fazer chantagem com os Jogos Olímpicos e outros grandes negócios? Em política, quando se quer (mesmo muito), pode-se.

Unknown disse...

O Governo de Portugal desiludiu-me muito, recentemente quando em nome duma "real politik" achou por bem não receber oficialmente o Dalai Lama. Ao que parece os interesses económicos com a China dizem mais do que os direitos humanos...Agora com a situação na Birmania/Myanmar o governo Português/Presidência da União Europeia tem uma oportunidade para se redimir. Será que a imagem de monges pacíficos a serem chacinados não incomoda os nossos governantes? Será que os cidadãos Portugueses que gritaram tão alto em defesa do povo Maubere e contra as "real politiks" nos massacres perpretados pelo exército indonésio em Timor Leste, vão agora ficar indiferentes? O Sangue humano é igual em todo o mundo, e quando ele é derramado o sofrimento é o mesmo, seja em Portugal, em Timor-leste, Darfur ou neste caso na Birmania.
João Gonçalves

Antonio disse...

Será que um país com sede para o consumo de energia vinda de qualquer país, seja ele de um país com uma ditadura brutal da Birmãnia, ou outra, poderá ser obrigada a intervir na democratização da Birmânia? Não nos esqueçamos que a China também não representa um modelo democrático com exemplos internos para exigir qualquer democratização.
O que espanta é que estas características não se aplicam à Índia, pois a maior democracia do mundo tem feito pouco para resolver o fim da junta militar Birmanesa.

Anónimo disse...

o que eu não percebo é como é que se pode estar a criticar (19 anos depois...) uma ditadura depois de umas belas férias passadas no respectivo país, onde certamente já estavam a ser cometidas e/ou preparadas muitas das barbaridades de que acabámos por ter conhecimento, que devem ser uma ínfima parte do que realmente aconteceu.

é como criticar a ditadura castrista depois de umas fantásticos mergulhos em varadero...

Isabel Arriaga e Cunha disse...

jacinto, o seu comentário é completamente idiota, e só não é ofensivo porque denota uma grande estreiteza de espírito. Ou será inveja?

As minhas férias na Birmânia foram efectivamente fantásticas, mas não pelas razões que julga – “fantásticos mergulhos” ou coisas do género. Já agora, não fui a Cuba e se fosse, iria pelas mesma razões e nas mesmas condições que fui à Birmânia, não iria seguramente para dar nenhum mergulho fantástico – já tive essa oportunidade em muitos outros lugares politicamente bem mais recomendáveis.

As minhas férias na Birmânia foram fantásticas porque as passei em grande comunhão com os birmaneses. É que, ao contrário do que parece ser o seu caso, eu não ouvi falar da Birmânia agora: quando decidi lá ir, no Verão de 1988, sabia muito bem ao que ía e em que condições. Se percorri o país num carro como o que descrevi foi porque o regime não permitia o acesso dos estrangeiros aos transportes públicos fora das zonas delimitadas. A opção era entre andar nos circuitos definidos pelo governo e comer a propaganda oficial, ou sair deles e procurar conhecer a realidade do país e comunicar com os birmaneses. Sobretudo numa altura em que eles próprios pediam ao Mundo para se interessar pelo seu caso. Os monumentos absolutamente extraordinários que visitei, as paisagens inesquecíveis que vi, foram-me mostrados, com grande orgulho, pelos birmaneses, gente como você ou eu, que tem grande orgulho, bem justificado do meu ponto de vista, pelo seu país. Imagine que não dormi em hotéis, menos ainda em hotéis de luxo, mas no chão de pedra ou de terra batida dos mosteiros em companhia dos monges, ou ao relento nos terraços das casas dos birmaneses que tinham a amabilidade dos nos acolher. Participei nas manifestações e nas vigílias em Rangum, não por curiosidade de turista, mas porque desde essa altura me sinto estreitamente ligada ao destino deste povo.

Um comentário como o seu, só pode vir de quem só conhece mesmo as tais férias dos mergulhos fantásticos...

Anónimo disse...

Concordo com o comentário que fez às bocas do jacinto.

Eu também fui os meus sete dias à Birmania, um pouco antes, em Outubro de 1987.
Também viajamos clandestinamente pelo país (fui a Pagan e a Pegu), também cruzamos as patrulhas policiais e militares mas não nos escondemos. Naquele país polícia ou soldado é barato. O dono da carrinha Toyota dava-lhes dez kyats e nós até tinhamos direito a palmadinhas nas costas, principalmente depois de saberem que eramos portugueses.

Em Ragoon ficamos no Strand Hotel que estava tal e qual os ingleses o tinham deixado e até descobrimos onde era a sede da polícia política (na mesma rua, um pouco mais abaixo).

Na altura o American Express já lá estava, era o único cartão de crédito aceite.

Mas o local mais extraordinário em que estive foi em Pagan, no meio de mais de dez mil templos (creio que ninguém sabe quantos são) e foi Pagan que aqui há pouco tempo me causou um grande desgosto.

Estava a ver um dos canais de cabo e descobri que o governo birmanês tinha ido pedir dinheiro à UNESCO para recuperar Pagan.

E o pior é que a UNESCO deu!

E digo o pior, pois o governo birmanês construíu umas auto estradas e uns campos de golfe entre os templos e arranjou uns barcos hoteis para os turistas subirem o rio até Pagan.

Em suma, estragaram tudo e aposto que a simpática população local não vê um chavo deste negócio.

Anónimo disse...

Caro Jacinto,

não sei onde costuma passar férias, mas certamente prefere sítios onde possa estar de consciência tranquila e de onde pouco mais trará que uns vídeos e fotos para mais tarde recordar.

está no seu direito. mas para quem pretenda ser informado sobre o que se passa em países como Myanmar muitas vezes não há outra forma de o fazer senão entrar com bermudas, chinelos, óculos escuros e intenções inocentes.

além de que essa posição sobre férias "morais" deve deixá-lo com muito poucas opções, além da Costa da Caparica de onde, realmente, é difícil (querer) ver o que se passa noutras partes do mundo.

Cara Isabel,

não percebo esta insistência em chamar Birmânia a Myanmar. é que estive a consultar a lista de países com assento na ONU e só encontrei o segundo.

acho muito bem que se exerça pressão sobre a Junta Militar que governa o país e principalmente sobre as potências estrangeiras que os apoiam.

ninguém pode ficar indiferente ao que ali se passa e às condições em que vive aquele povo.

mas outra coisa que não me deixa indiferente é que os líderes da indignação mundial sejam o Reino Unido e os Estados Unidos. tenho a certeza que mundo fora a indignação, como a sua, foi genuína e mobilizou muita gente, mas a repercussão mundial que a mesma obteve só aconteceu graças ao empenho daqueles países (que depois acabaram por arrastar o resto da União Europeia, mas isso é outra história...).

o que eu pergunto é: que legitimidade tem Bush para criticar quem quer que seja com a carnificina em que mergulhou o iraque? o que me leva a outra pergunta: que interesses poderão ter os EUA em substituir a actual ditadura em Myanmar? porque acho que a razão passa provavelmente por aí, por esses mesmo interesses.

soa a teoria da conspiração? pois soa, mas estas coisas não pautam pela transparência, nem ninguém no seu perfeito juizo acredita que os EUA estejam verdadeiramente preocupados com as condições de vida dos birmaneses.

quer isto dizer que acho que então o melhor é estarmos calados em relação a esta ditadura? também não, mas fica no ar a questão de saber porque é que é tão urgente acabar com esta ditadura e conviver alegremente com outras iguais ou piores.

perguntas que vão de mão dada com um certo sentimento de subtil manipulação dos que realmente se preocupam com situações como a de Myanmar.

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Leon,

os ingleses interessam-se pela Birmânia porque é uma ex-colónia. Fala inglês.

Em jeito de resposta ao comentário da Alexandra, é pela razão oposta que a presidência portuguesa da UE se limita a fazer o serviço mínimo em relação à Birmânia: faz muitas condenações da repressão, muitas ameaças de sanções, mas não expressa uma verdadeira indignação. A coisa seria bem diferente se os birmaneses falassem português...

Sobre a designação do país, prefiro esperar para ver o que os birmaneses decidirão no dia em que forem livres: se optarem pelo nome Myanmar decretado pela junta militar, muito bem. Até lá, para mim continua a ser Birmânia. É uma forma de expressar o meu respeito pelos birmaneses

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Já agora, se puderem leiam o artigo de opinião do José Vitor Malheiros sobre a Birmânia no Público de hoje

Anónimo disse...

provavelmente o melhor post, por ter despertado o debate mais inteligente (até o bronco do jacinto contribuiu à sua maneira, coitadinho...). Percebo a sua lógica,leon, mas já agora gostaria de ler a vossa opinião em relação à "teoria da conspiração" que teceu. A IAC acha que o interesse do UK é a língua... parece-me um pouco ingénuo. E os EUA?Quais sao as WMD desta vez? Já agora, apesar de compreender a sua intenção na insistência em chamar Birmânia a Myanmar, não deixa de ser incorrecto...Escreveria "Birmânia" num artigo do Público?

Antonio disse...

Acerca da designação, Myanmar é o nome aceite pelas Nações Unidas. (A Birmânia é membro e, independentemente de ser governado por uma junta militar, tem assento nas Nações Unidas) A União Europeia adoptou as duas designações Birmânia/Myanmar e o Reino Unido (antiga potência colonizadora), estados Unidos da América, Canadá, Austrália,... continuam com o nome 'Birmânia'. Daan Aung San Su Kyi utiliza a palavra 'Birmânia'. Quando o país for livre, logo se verá. Vejam na página da Wikipedia. :)

Anónimo disse...

Os Estados Unidos designam-se por United States mas nós insistimos em chamar-lhes Estados Unidos. O mesmo para o United Kingdom que nós teimamos em chamar Reino Unido.

Isto para já não falar de Chung Kuo que ignoramos olimpicamente e chamamos de China.

Assim não percebo porque é que não havemos de chamar Birmânia a Myanmar...

Anónimo disse...

Idiota, estreiteza de espírito, inveja, bocas, Costa da Caparica, bronco, coitadinho.

Este é apenas um apanhado dos insultos com que fui brindado por causa de só ter apenas dado uma opinião que pode não ter sido simpática, mas que não pretendia ofender ninguém.

Peço desculpa à senhora jornalista que faz o blogue se a ofendi, mas verdade é que não vi ninguém a rebater o essencial do meu comentário.

Não sei se há férias morais ou não, mas há sítios onde nunca passaria férias, mesmo que pudesse ou mesmo que me pagassem tudo Cuba e Myanmar ou Birmânia são dois deles, mas poderia acrescentar a China ou a Rússia.

Porque acho no mínimo hipócrita andarem a criticar esses regimes mas ao mesmo tempo contribuírem para os sustentar economicamente (até subornando guardas) e também politicamente quando dando uma imagem de normalidade a mergulhar ou a visitar templos ao mesmo tempo que nas prisões apodrecem inocentes cujo único crime foi sonharem com uma democracia.

E mais hipócrita ainda, para não dizer patético, é vangloriarem-se de terem andado por lá “clandestinos”, cruzando-se com militares, etc. tentem lá fazer isso agora a ver se conseguem.

E se não toleram opiniões assim, talvez o vosso lugar seja na Birmânia, mas não do lado dos monges e estudantes que lutam pela liberdade.

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Sobre o interesse de ingleses e americanos na Birmânia, obviamente não nos podemos esquecer que este país tem vastas reservas de petróleo, gás, minerais e pedras preciosas ainda por explorar.

Além disso, não me parece que os americanos tenham feito muito mais do que o que os ingleses chamam "pay the lip service" sobre a Birmânia, da mesma forma que o fazem, por exemplo, com o Darfur.

Apesar de poder parecer ingénua, mantenho a minha tese sobre o interesse dos ingleses pela Birmânia, embora obviamente esta não seja uma razão exclusiva: enquanto ex-colónia, a Birmânia permanece na sua zona de influência e isso será muito importante no dia em que fôr um país livre. No Zimbabwe, por exemplo, o Reino Unido é o único país que protesta contra a ditadura e a brutalidade do presidente Mugabe...

Portugal também tem uma proximidade muito particular com os PALOPs. Não é com África, é com os PALOPs em particular.

Anónimo disse...

caro raio,

eu não sou especialista na matéria, mas parece-me que a razão pela qual não se chama birmânia a myanmar é a mesma pela qual leningrado se passou a chamar são petersburgo. ou seja, mais que uma mera questão de tradução, como aponta o comentário do antónio.

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Leon
Já agora, porque é que faz tanta questão de chamar Myanmar ao país? Estamos numa de politicamente correcto?

Teodoro Salsinha,
Por acaso, o Público também usa Birmânia, por isso, a resposta à sua pergunta é sim, se escrever um artigo no Publico, será Birmânia

E António,
obrigada pela informação da wikipédia, não a tinha lido, mas só conforta a minha teimosia a propósito da designação Birmânia

Antonio disse...

Ainda acerca do nome e não tomando partido, já imaginaram se alguém vos chamasse 'Pedro' (por teimosia) se na realidade o seu nome era 'João'? Pois, não iriam gostar. Neste caso, pode-se pensar que a 'Birmânia' pode ser utilizado com o mesmo fim, no entanto, com duplo sentido: 1 - Firmar uma posição contra o regime; 2 - Não reconhecer o regime como entidade representativa para nomear ou alterar nomes. Na verdade, Daw Aung San Su Kyi (e não Daan como por lapso escrevi anteriormente - poderão procurar o significado na net) seria Primeira Ministra desde 1990 (pelo menos durante quatro anos se as eleições fossem respeitadas) e desde essa data continua a referir 'Birmânia' e não Myanmar. Neste contexto, a palavra 'Birmânia' tem mais sentido, pois a Junta Militar não é representativa de um "governo legítimo" que possa alterar ou definir nomes (o mesmo não acontece com as palavras referentes à capital 'Rangum' e 'Yangon'- acho que 'Yangon' é termo utilizável, pois os Ingleses adaptaram o termo 'Yangon' à Anglofonia mas aceito opiniões).
Resta-me referir que o Ministério de Negócios Estrangeiros Português reconheceu o termo 'Myanmar' e tem um Embaixador em Bankok que responde também na União de Myanmar.

Anónimo disse...

Desculpem, mas não acham esta querela do nome um bocadinho fútil, tendo em conta os relatos oriundos da Birmânia? Nome que soa mais romântico, certo,ou Myanmar, como queiram?! Para vos tirar daí a ideia, deixem-me partilhar convosco o mal estar que transmite uma foto alusiva ao segundo encontro, de quinze minutos, entre o enviado da ONU e a líder da oposição. Em que o rosto grave e fechado de Daw Aung San Su Kyi diz tudo do desespero e frustração que decerto sente face à inoperância do mundo, para não falar da da Europa.

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Obviamente que a Alexandra tem toda a razão. É desesperante. A repressão está no seu auge, centenas de monges e manifestantes pacíficos foram presos ou liquidados e o resto do Mundo assiste com alguns protestos pouco convincentes. Voltamos à estaca zero. A única esperança parece residir agora nalgum tipo de revolta no interior do exército, sobretudo entre os budistas, contra a junta militar, mas por agora não há muitos sinais nesse sentido. Mas não é por isso que a pressão internacional deve baixar de intensidade. A China é o único país que pode realmente pressionar a Birmânia. E uma vez mais concordo com a Alexandra, uma boa forma de pressionar a China a pressionar os militares birmaneses seria fazer chantagem com os jogos olímpicos de Pequim.

Anónimo disse...

António, agora sim concordo com o seu argumento, que faz todo o sentido. Se me disser que a opção por "Birmânia" é um statement político, muito bem, compreendo e concordo. Contudo a explicação à volta de United States ou United Kingdom não faz sentido porque nesse caso o que se passa é simplesmente uma questão de tradução.

A outra questão que coloca, em relação à opção entre 'Rangum' e 'Yangon' é igualmente interessante mas ainda de outro domínio e pode ser comparada à dúvida Pequim/ Pékin/ Peking - Beijing. Se não estou em erro foi solicitado explicitamente pela China que "Beijing" fosse a designação adoptada, apesar de muitos continuarem a resistir por uma questão de hábito/ gosto.

Voltando ainda à Birmânia-Myanmar:em relação à sua utilização em documentos oficiais ou nos media, continuo a defender a minha bandeira: se Portugal reconheceu a alteração do nome, tem de a respeitar. O que não impede que a questão seja contornada com um "ex-Birmânia" ou "antiga Birmânia", há muitas formas de passarmos a nossa posição sem deixarmos de ser correctos.

Saudações calorosas a todos e não querendo soar paternalista, que tal tentar manter uma troca de opiniões sem passar forçosamente ao "ataque"?

Anónimo disse...

Cara Alexandra,

não é por perdermos algumas linhas a falar destas "futilidades" que desvalorizamos o que se possa estar a passar na Birmânia/Myanmar que, de resto, não podemos saber ao certo o que é.

acho que já se percebeu o que a maioria das pessoas aqui pensa do assunto e não é um qq "desvio linguistico" que nos deve fazer sentir mal. além de que a questão do nome tem,. como sempre, implicações mais profundas.

voltando ao nome.

Cara Isabel,

no actual contexto eu até acho que o politicamente correcto é precisamente a utilização de Birmânia e não de Myanmar. Até um jornal de referência italiano (não me lembro se o La Reppublica ou o Corriere) fez questão de explicar em editorial que usa Birmânia como forma de contestação ao regime.

E mais politicamente correcto não existe do que alinhar com a indignação que atormenta os arautos dos direitos humanos, de Washington a Londres. Se eles dizem Birmânia, pois nós também o faremos.

Menos politicamente correcto seria tentar perceber o súbito interesse de alguns países numa mudança de regime na Birmânia (que é necessária, sem dúvida, mas talvez por razões diferentes). E não é só a China que não está interessada nisso, que eu saiba as empresas francesas são dos principais investidores em Myanmar.

Mas, voltando ao nome, já viu o que seria se entrássemos por esse caminho? Teríamos pessoas a continuar a chamar Leningrado a São Petersburgo (que eu saiba o "povo" em causa também não foi consultado sobre a escolha) ou a não chamar República Popular à China. Já agora, porque não chamar Rodésia ao Zimbabwe do também ditador Mugabe? Ou Zaire ao Congo? Ou, para tornar a conversa mais séria, porque é que a maior parte das pessoas não respeitou a vontade de Prince quando quis passar a ser conhecido como “The artist formerly known as Prince” e, depois, deixou o nome para ser conhecido apenas por um símbolo?

E pela vista de olhos que dei à wikipédia aqui sugerida, percebo que o nome Birmânia/Burma foi deixado pelos ingleses, inspirados pelos portugueses, que também não consta que andassem por lá a fazer referendos para saber o que é q as pessoas queriam.

Vamos a ver quando aquilo der a volta, que certamente dará, o que acontecerá ao nome, pois não me parece líquido que volte a chamar-se Birmânia mesmo que a actual ditadura seja deposta.

Schlumpy disse...

Nunca fui à Birmânia e na realidade não me sinto motivado para tal. Apesar disso acho que a experiência pela qual a Isabel passou deve ter sido extraordinária.

Caro Leon,

Quais os interesses dos EUA, pergunta. Soa a teoria da conspiração? Realmente soa... e realmente aquilo que foi escrito há mais de um século por diversos polomólogos (nem sei se a palavra é a correcta...), como o Almirante Mahan, Halford Mckinder e outros, parece estar a ser posto em prática pelos EUA.

Se lermos livros como "The sea power upon history" ou os artigos publicados por Halford Mckinder quase conseguimos rever esses textos na política externa norte-americana.

Não são as WMD, não é o petróleo, não são os regimes, é muito mais do que isso. Pode ser que me engane, mas se acaso estou certo, então pergunto porque é que ninguém pára isto?

Anónimo disse...

Oh Jacinto! Aqui os comentaristas esqueceram-se de um adjectivo: burro! sem menosprezo pelo animal, é claro!

Anónimo disse...

1.Acabei de ler os comentários anteriores e todos têm o seu quê de razoável.
Em 1984 visitei a Birmânia nos tais sete dias cheios de "papelada" e a pobreza era já visível, havia escassez de alimentos mesmo nos hotéis que serviam estrangeiros( o Strans Hotel nessa altura era uma lástima),a entrada e saída do país eram sessões de tortura que não cabiam nos esquemas mentais normais,Mas a população era simpática, cheia de curiosidade de saber do mundo, amedrontada e consciente da sua impotência para mudar a situação política do seu país e ,logo,a de todos eles.
2.Birmânia é o nome dado àquele país por estrangeiros com base nalguma razão que desconheço e que os ingleses adaptaram para Burma.Mas o nome chinês do país é Min Tin pelo que parece ter a masma raíz que Myanmar.O problema é que a alteração do nome foi feita por esta junta militar depois dos crimes de 1988 .
2.1.Yangoon voltou ao nome inicial, como Bombaim voltou a Mumbai.
2.2 Pequim vem das palavras que no dialecto de Cantão significam "capital do norte" (Pak keng)e que nos dialectos do centro e norte da China se diz Bei-jing e que se escrevem com os mesmos caracteres.E como sabem, a entrada e fixação dos europeus na China fez-se a partir do sul (Macau) e demorou muitos anos até chegar à capital.Cantão também deriva do nome cantonense da cidade, que em mandarim é Kong Tchau.Já Xangai, uma cidade recente na costa central chinesa, é a representação fonética do seu nome
original.Para o governo chinês a adopção pelo Ocidente dos nomes na versão em mandarim é um acto político e de soberania....Mas Pequim é Pequim!...
3. A minha simpatia vai para Alexandra Lobão que não ficou indiferente à expressão do rosto de A.S. Suu Kyi na foto do seu 2º encontro com o representante das N.U..Quando estive na Birmânia, A.S.Suu Kyi era ainda uma desconhecida ex-funcionária da ONU casada com um académico inglês e vivia na Inglaterra .Hoje ela é o único político do mundo que me merece respeito - mas o preço que ela paga é bem alto.

Anónimo disse...

O exemplo que dei dos Estados Unidos serem United States na opinião dos americanos foi criticado por ser uma simples tradução.

No entanto passou-se por cima de que a China, para os chineses é zhōng guó (em pinyin ou Chung Kuo na romanização Wade-Giles), mais precisamente 中国, o que significa reino do centro, o que toda a gente (excepto os chineses), ignora.

Assim, chamar Birmania ao país que o actual governo birmanês designa por Myanmar não me parece chocante.

Já agora, como é que chamariamos aos naturais de Myanmar? myanmarenses? Nunca vi nem ouvi, vejo sempre birmaneses...

Quanto às criticas de passar férias na Birmania, acho-as despropositadas.

Por mim gosto de passar férias em países problemáticos (Birmania, Tibete, País Basco, Irlanda do Norte, etc.) e, sinceramente, não sinto os minimos remorsos por isto, antes pelo contrário.

Schlumpy disse...

Eu não critiquei o facto de passar férias na Birmânia ou noutros países problemáticos. Apenas disse que não me sinto motivado para tal.

Bem bastou durante os meus quase 20 anos de carreira militar passar por locais de conflito, mais que problemáticos, tipo Guiné-Bissau em 98 e Kosovo em 99.

Agora quero sitios menos problemáticos :)))