Vieira da Silva, ministro do trabalho, deve ter engolido alguns sapos vivos na quarta-feira (5 de Dezembro). Enquanto presidente em exercício do conselho de ministros da UE dos assuntos sociais, tinha nesse dia ao alcance da mão um acordo sobre duas propostas legislativas particularmente difíceis e cujas negociações se arrastaram durante mais de três anos.
A primeira, visa reforçar a protecção dos trabalhadores temporários, garantindo-lhes os mesmos direitos e condições de trabalho que os outros ao fim de um período entre uma e seis semanas (o Reino Unido, principal opositor, queria um ano).
A segunda pretende actualizar as regras actualmente em vigor sobre o tempo de trabalho nomeadamente ao garantir um melhor enquadramento das derrogações ao limite de 48 horas de trabalho semanal que podem ser negociadas individualmente com os trabalhadores (que o Reino Unido quer manter o mais largas possível).
Depois de mais de três anos de negociações que colocaram frente a frente dois campos ideológicos, os “amigos do social” – liderados pela França, Espanha, Itália – e os defensores da flexibilidade máxima do mercado de trabalho – o Reino Unido e vários dos novos Estados membros do Leste - as propostas estavam finalmente maduras para aprovação.
Para isso contribuiu o verdadeiro coelho que a presidência portuguesa da UE tirou do chapéu ao decidir juntar os dois textos num único pacote a ser aprovado em conjunto. Esta abordagem permitiu desbloquear as negociações, incitando cada campo a fazer cedências num texto para obter o outro, o que por sua vez acabou com os vetos cruzados responsáveis pelos bloqueios do passado.
Vieira da Silva chegou assim a Bruxelas com uma possibilidade bem real de conseguir um acordo, que constituiria um sucesso muito considerável para a presidência. Bastava-lhe, para isso, colocar os dois textos à votação dos seus pares: quanto muito teria um voto negativo do Reino Unido, feroz opositor a quaisquer avanços em matéria social ao nível europeu, e da Alemanha, que explicou a sua posição como a retribuição de um velho apoio britânico num outro caso, o que não seria suficiente para bloquear a maioria qualificada. Bastava pois ao ministro cumprir as regras e passar ao voto (Na fotografia Vieira da Silva com o representante permanente adjunto de Portugal junto da UE, Pedro Nuno Bártolo, no início da reunião).
Mas o ministro chegou igualmente com instruções claras para, precisamente, evitar a votação. Por trás desta reviravolta esteve Gordon Brown, que nos dias que precederam a reunião multiplicou os contactos com várias capitais, a começar por Lisboa, para explicar que um eventual isolamento britânico na quarta-feira colocaria seriamente em risco a ratificação do Tratado de Lisboa. O que eu não sabia, mas aprendi pelo Financial Times, foi que a pressão de Brown foi ao ponto de pôr em dúvida a sua presença em Lisboa na próxima quinta-feira para a assinatura do novo Tratado europeu. (Brown na fotografia com José Sócrates na cimeira de Lisboa - Outubro de 2007).
Na reunião de quarta-feira, Vieira da Silva passou seguramente um mau bocado. Vários dos seus homólogos pediram a passagem ao voto, argumentando que um adiamento não só não resolveria coisa nenhuma, como agravaria a situação de infracção ao direito comunitário em que se encontram todos os países da UE excepto a Itália e o Luxemburgo a propósito da contabilização do tempo de banco inactivo nos hospitais, um lacuna que a proposta sobre o tempo de trabalho visa resolver.
Vieira da Silva preferiu no entanto adiar a questão para as duas presidências que se seguem em 2008, a eslovena e a francesa.
Como que por milagre, o Financial Times revelou pouco depois da capitulação da presidência que Brown tinha afinal conseguido encontrar um “buraco” na agenda para ir a Lisboa assinar o Tratado.
Ironicamente, a pressão britânica não resulta de uma daquelas situações frequentes em que um governo pede o adiamento de uma decisão para não ser posto em dificuldade num dado momento, embora com a garantia de que poderá associar-se uma vez resolvido o problema com que se debate. Ou seja, o sacrifício de Vieira da Silva não resolve nada, porque Londres continuará sempre a bloquear a proposta sobre o trabalho temporário, como o seu secretário de estado das empresas, John Hutton, fez questão de sublinhar.
Sem se deixar impressionar pela gesticulação de Brown, Vladimir Spidla, comissário europeu responsável pelos assuntos sociais (na fotografia ao lado de Vieira da Silva na conferência de imprensa final), considerou o adiamento da decisão "extremanente decepcionante".
É caso para perguntar para que serve aumentar as matérias que podem ser decididas por maioria qualificada na UE, quando a regra é ignorada em reacção a meia dúzia de telefonemas? De Londres, claro, porque se fosse de Vilnius, ou de Dublin, a história seria outra...
9 comentários:
Quando é que se extirpa de vez o cancro britânico da União?
"É caso para perguntar para que serve aumentar as matérias que podem ser decididas por maioria qualificada na UE, quando a regra é ignorada em reacção a meia dúzia de telefonemas? De Londres, claro, porque se fosse de Vilnius, ou de Dublin, a história seria outra..."
Ou de Lisboa...
A minha cara amiga põe aqui o dedo na ferida. O pretenso aumento de poderes da UE para "melhorar" o poder e eficácia de decisão só será utilizado para cilindrar os pequenos pois, os grandes terão sempre outros meios de agir.
É por estas e outras razões que o Tratado de Lisboa em nenhum caso poderá ser ratificado pois acabará por originar guerra na Europa.
Ou por quanto tempo é que os pequenos e médios se dexarão cilindrar? E, não nos podemos esquecer que os pequenos e médios todos juntos são muita gente.
Quanto ao comentário feito pelo "farto dos bifes" é triste ver como há gente que se deixa levar pela propaganda.
Primeiro porque o Reino Unido, quando toca aos seus interesses, procede exactamente da mesma forma que os outros grandes. Creio mesmo que o pior país neste aspecto até é a França. Ou já nos esquecemos da fita que o Chirac fez com a história do Presidente do BCE?
Ou mes a Alemanha com o desmembramento da Juguslávia?
Depois porque todos os dirigentes dos outros países perceberam as razões do Gordon Brown. A prioridade neste momento é ratificar o Tratado de Lisboa e, para tal sacrifica-se o que for necessário
A IAC põe mesmo, mas mesmo, o dedo na ferida!
Quando li as ditas notícias do FT fiquei para morrer. Primeiro, porque uns dias antes congratulara-me aqui com a ousadia do ministro de transportes, que forçara uma votação. Mas, mais do que o ser confrontada com o sol de pouca dura,o que me custa é este perfeito tiro no pé do nosso PM. Tão incongruente, que me leva a questionar a sua inteligência política (ou até a sua inteligência tout court, com o devido respeito). O que é que ele ganhou em fazer o jeito ao homólogo britânico? Qual o problema, se este não viesse a Lisboa assinar o TUE? O tratado podia ser assinado por outro membro do governo britânico.
Porquê compactuar com mais uma de muitas birras/chantagens do Reino Unido? Ainda por cima, Sócrates perdeu uma bela oportunidade de possibilitar um laborioso acordo carregado de simbolismo, para alguém que se diz de Esquerda, de que poderia retirar trunfos e prestígio políticos.
O anónimo sou eu, a alexandra. Já agora aproveito: depois de ler os relatos da cimeira euro-africana, reparei que os chineses estiveram lá. Quem os convidou? Pergunto, porque há exactamente um ano, o PM Sócrates excluía essa possibilidade.
Olá Alexandra,
Isto do Reino Unido ser o bombo da festa e estar sempre a ser acusado de estar contra a Europa, fazer fitas, fazer o quer quer, etc., etc., é uma grande verdade.
E também é uma grande verdade que nisto mostra o seu espírito europeu. O Reino Unido não faz mais fitas nem defende mais os seus interesses do que outros, a França e a Alemanha, por exemplo.
É mas é tratado de uma forma diferente pela Comunicação Social.
Quanto ao nosso Sócrates estar sempre de cócoras perante os grandes é uma grande verdade.
Mas não é só com o Reino Unido. O facto relatado não passou de um fait-divers.
Pior, muito pior, foi ter esquecido de que foi eleito pelo povo de Portugal e ter gasto o tempo da Presidência Portuguesa, de cócoras, a fazer os fretes à Alemanha com a história do tal Tratado de Lisboa.
Ainda a respeito este tratado eu, como já referi, sempre achei que ele iría dar em guerra. Mas estive a ver os Prós & Contras e talvez concorde com o Pacheco Pereira, o tratado pode não dar em guerra, o mais provável é ele ser simplesmente ignorado.
Infelizmentenão não o será pelo nosso Primeiro Ministro.
(apre, porque é que eu actualmente só penso na cicuta)
Oh Isabel, responda-me só a duas perguntas-me:
- em que país têm sido criados mais empregos, tem tido um maior crescimento económico e tem aceitado mais imigração, no Reino Unido ou nos tais "amigos do social" como a França, etc?
- que país é que nos tem obrigado a engolir a PAC, quinquénio atrás de quinquénio, com os prejuízos óbvos daí inerentes paa a economia europeia e para os bolsos dos Europeus: o Reino Unido ou a França?
Caro "farto dos bifes": talvez não fosse má ideia, comparando os indicadores de emprego, economia e bem estar social do Reino Unido e de Portugal, que em vez de estar farto dos bifes, passasse a tentar aprender com o exemplo deles. Já para não dizer que se a União deixar de ser um centro de tolerância e de discussão de todas as propostas, então mais vale dissolvê-la, não vamos querer ter na UE um 4º Reich, pois não? Já agora, enquanto França capitulava e o governo de Vichy colaborava com o Nazis, eram os tais bifes de que está farto que salvavam a Europa...
1 - Não entendo esse conceito de uma negociação bem conseguida ser uma "vitória para Portugal". Os governantes portugueses têm de conduzir essas negociações porque a isso são obrigados. Vitória para Portugal seria nós não aceitarmos todas as proibições de produção impostas pela UE, que nos levam à pobreza relativa.
2 - O Diogo em Macau tem uma certa razão. Mas é preciso lembrar que o RU faz dumping na Europa. A economia inglesa começou a recuperar da longa crise vinda dos anos 70 porque criou condições mais liberais que os outros países da UE (até aí tudo bem - deveria ser feito em Portugal), mas também porque practicamente não há no RU um limite às horas de trabalho semanais. É o único país da UE que não está obrigado a ter esse limite de 48 horas. Isso não é justo porque provoca concorrência desleal.
3 - Hoje é um dia muito triste para Portugal. O tratado de Lisboa foi assinado. Protestos precisam-se.
Este blog ficou calado de repente.
O que se passa? A UE deixou de existir de repente, ou foi de férias?
Ou será que a IAC se desiludiu?
Ou será que está a sofrer pressões para deixar de enviar noticias?
...mim apenas especular...
joão eu céptico
Nada disso, descanse. Só que a cobertura da presidência portuguesa da UE no Público absorveu todo o meu tempo nas últimas semanas de Dezembro, e não deixou grande margem para o eurotalk. Depois, foram uns dias de (mais que merecido!) descanso. Mas espero regressar rapidamente ao ritmo normal. Até breve
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