É de temer o pior: Nicolas Sarkozy, presidente francês, anunciou quinta-feira que chegou a acordo com Tony Blair, primeiro ministro britânico, sobre o "quadro do Tratado simplificado" substituto da Constituição Europeia. Não explicou, claro, o que é que os dois acordaram à margem da cimeira do G8 de Heiligendamm. Os dois lideres vão tentar impôr as suas teses durante a cimeira de chefes de Estado ou de governo da UE de 21 e 22 de Junho, que deverá, precisamente, definir as grandes linhas do novo Tratado.
Tudo o que conhecemos de Sarkozy são as ideias que expressou em grande detalhe em Setembro passado sobre o que deveria ser um "mini-Tratado" capaz de dispensar uma ratificação por referendo, o que continua a ser o seu objectivo. O seu pensamento revelou-se absolutamnente claro e preciso sobre o capítulo institucional - que pretende preservar tal como está - mas algo vago sobre todos os aspectos susceptíveis de tornar o novo Tratado um pouco mais "potável", como os domínios que deverão passar a ser decididos por maioria qualificada, a clarificação das competências entre a UE e os Estados, a simplificação dos procedimentos de decisão ou ainda o reforço da dimensão social europeia. Na altura, a concepção de Sarkozy levantou receios sobre uma possível institucionalização de um "directório" dos grandes países na UE e consequente menorização dos mais pequenos.
Desde então, o presidente francês substituiu a denominação do seu "mini-Tratado" por "Tratado simplificado" - por sugestão de Durão Barroso, segundo explicou - mas não disse se alterou igualmente a sua concepção do mesmo.
Pelo caminho, a "caução europeia" de Sarkozy durante a campanha eleitoral desapareceu do mapa: os seus dois principais conselheiros - o ex-eurodeputado francês Alain Lamassoure e o ex-comissário europeu Michel Barnier - que defendiam o equilíbrio do texto, parecem marginalizados na equipa do recém eleito presidente.
Do lado do Reino Unido sabemos quanto baste: Tony Blair apenas quer preservar no novo Tratado o capítulo institucional da Constituição. E a sua concepção da UE passa claramente pelo "directório" dos grandes.
Se acreditarmos no que disse Sarkozy, há que temer o pior de um acordo entre os dois.
Será que, nestas condições, Portugal tem mesmo interesse em insistir num rápido mas mau acordo dos Vinte e Sete na cimeira do fim do mês?
7 comentários:
A colaboração portuguesa no rápido mas mau acordo – que não preserva as partes interessantes do Tratado Constitucional – assenta na noção de que os maiores países já são predominantes na UE e que por isso seria vã a resistência à codificação desse predomínio. Portugal cala-se e espera em contrapartida:
- ter menos problemas na Presidência;
- poder beneficiar a longo prazo da gratidão dos alemães e franceses.
Além disso, a responsabilidade política da concessão caberia de todo o modo ao Governo Barroso, que foi quem aceitou o TC.
Este raciocínio está errado:
A) não é verdade que os maiores sejam predominantes e que toda a resistência seja inútil:
- é controversa a própia definição de quem são esses “grandes” (só Alemanha, França e Inglaterra, ou também Itália? e Espanha? e a Polónia?);
- não estão alinhados de maneira consistente;
- a experiência mostra que perante resistência firme recuam (foi o que sempre aconteceu nas negociações institucionais ou financeiras – e repetiu-se recentemente, o que fez com que o cheque português até 2013 fosse maior do que o previsto)
B) é falso que a actual concessão de um mau acordo seja coberta pela anterior responsabilidade do Governo de 2004, pois que, segundo os próprios promotores, o que irá haver será um Tratado novo, no contexto, na forma e no conteúdo (que ficará amputado de vários elementos de relevo do TC). Para ultrapassar os “nãos” francês e holandês irá ser precisa uma nova assinatura e ratificação nos vários países – o que significa que o Governo que aceitar o Tratado agora terá que responder pela correspondente perda perante o povo português em 2008 ou 2009 (no referendo ou nas eleições).
C) é ilusório pensar que mesmo com a plena colaboração quanto ao Tratado a presidência portuguesa irá ter vida fácil no segundo semestre deste ano. Convém lembrar que não são só os alemães e franceses que podem criar dificuldades. Nem sequer é claro que haja acordo substancial entre os maiores Estados, apesar do “spin” que os alemães se esforçam por dar – quando se vê Sarkozy a sair dos encontros com Zapatero, Merkel, Prodi e Blair a anunciar sempre um “pleno acordo” alguém não terá percebido bem o que estaria a ser dito...
D) é comoventemente ingénuo pensar que poderá haver gratidão pela envergonhada e silenciosa colaboração portuguesa na transformação das instituições da UE de um mecanismo participativo de integração num sistema de correia de transmissão das agendas e caprichos políticos dos maiores países europeus. Por muito crucial que seja desta vez a colaboração portuguesa – e é mesmo decisiva, por razões de timing – qualquer interessado por política ou relações internacionais sabe que gratidão é algo que não existe na vida pública.
E) o apagamento de Portugal nas instituições europeias logo que o novo sistema entre em funcionamento colocará em causa a legitimidade política e jurídica da aplicação do direito comunitário na ordem portuguesa. A aceitação do primado e do efeito directo pressupõem a possibilidade de participação relevante na respectiva elaboração. Também em termos materiais a evolução do direito europeu tenderá a afastar-se dos padrões que possam interessar a Portugal, passando a corresponder essencialmente aos do novo grupo do poder (composto por países com perfil económico-social muito diferente do português).
Como diria Steinbroken nos Maias, “é grrrave, é excessivamente grrrave” – mas ninguém se parece preocupar. Onde estão os nossos lideres de opinião, os dirigentes partidários, a intelligentsia ou os media?
Bem haja a promotora deste blog!
F. Malfatti
Considero que o novo tratado deveria ser aprovado em referendo por cada Estado Membro... Apesar de difícil seria um grande passo em frente para a democratização da Europa.
A aprovação deste tratado pelos Governos de cada Estado Membro quanto a mim revela: (i) Conflitos entre as visões dos Governos e das suas populações para a Europa (ii) Incapacidade dos actuais políticos em superarem as dificuldades existentes (iii) Imaturidade europeia.
Uma boa solucao para ultrapassar esta imaturidade europeia que se vive de norte a sul da EU (mesmo a norte o referendo na holanda foi mais contra o governo do que contra a EU), seria realizar um verdadeiro referendo europeu. Neste caso teriamos politicos de diferentes paises a circularem e ai a populacao teria mais a nocao do que relamente e a europa... ou pelo menos poderia ter mais essa nocao do que ter-mos o nosso primeiro e no presidente da camara a esgrimirem argumentos.
Podem dizer que e'algo colossal de organizar... mas para a europa funcionar como uma so é preciso levar as pessoas a terem essa nocao... o euro ajudou mas nao chegou...
Se assim nao for sou definitivamente contra o referendo a constituicao... para alem de as pessoas irem votar contra os politicos da moda nao se aprende nada ... no caso holandes houve mesmo quem se gabasse de ter votado contra o governo no referendo... o que demonstra uma falta de nocao de democracia ao mais elevado nivel.
Concordo em absoluto com Free Will, sobretudo quando este defende a necessidade de evitar que a aprovação do texto fundamental da UE seja contaminada pelo combate político estritamente nacional.
A sua tese vai ao encontro da proposta do grupo dos Verdes do Parlamento Europeu de que tem cabimento a realização de um Referendo Europeu ao novo Tratado (tratado de preferência Constitucional, para os Verdes e para a euro-entusiasta que sou), se possível no mesmo dia de meados de 2009 em que se votará para as Eleições Europeias. Neste contexto, e ainda segundo os Verdes, o novo Tratado deveria ser legitimado por uma dupla maioria, de Cidadãos europeus e de Estados (pelo menos 15 dos actuais 27).
Um evento assim transnacional, encarnação de uma democracia europeia em acção, decerto que reforçaria a consciência de pertença colectiva a uma mesma comunidade de valores, políticos e não só.
A Europa não se fortalecerá com tratados envergonhados, como parece que é o que está a acontecer em que os maiores países ditam as regras e os mais pequenos vão atrás para ver se ficam com algumas migalhas.
Os 27 Estados deveram estar para a EU assim como as Regiões estão para um Estado. Para isso é preciso, primeiro explicar e depois aprovar uma constituição Europeia que democraticamente crie justiça para todos os Estados sem os maiores a mandarem e os mais pequenos a obedecerem.
Concordo com alguns comentários em que essa constituição deveria ser votada no mesmo dia em todos os Estados Membros, em data a combinar e concordo também que este debate não deverá servir a “politiquice” interna. Um debate adulto e esclarecedor, a bem da Europa pois só assim ela continuará a ser o “centro” do mundo.
Nota I: Não sei se este blog, além da sua divulgação no jornal “Público” on-line também o foi na sua edição em papel. Sou um leitor habitual e não me recordo de ter visto referência ao blog. Era importante que os Eurodeputados, jornalistas e outros políticos viessem cá comentar estes posts de Isabel Arriaga e Cunha.
Mais uma coisa. O que dizem ao facto de por exemplo o nosso presidente da República não ser favorável à realização de um Referendo, mas sim a aprovação simplesmente pelo Governo? Será com medo do veto do povo, por considerar que ele ainda não está à altura de o compreender?
Na minha opinião se tiverem que mexer no texto só deveram fazelo na parte terceira e não deveram alterare o espirito do texto ainda que lhe chamem outro nome.
Gostaria que o tratado fosse referendado, mas tambem sei que se for rectificado por via parlamentar é mais facil rectifica-lo nos outros paises eurocepticos, não é pelos portugueses que o referendo deve ser feito ou não, será mais para facilitar a passagem do texto naqueles povos que podem dar-se ao luxo em discutir metafisica.
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