Pela leitura do Jornal de Notícias de ontem, 1 de Junho de 2007, ficamos a saber que Durão Barroso é o "pai" da ideia do Tratado "simplificado" para substituir a Constituição Europeia. Ainda bem, porque talvez assim ele nos possa explicar duas ou três coisas. É que andamos todos a ouvir ou a ler (e a escrever) que a crise constitucional da UE está no bom caminho para ser resolvida com um novo Tratado simplificado, mas ainda ninguém se deu ao trabalho de explicar o que é que isso significa. Já sabemos que esse Tratado vai herdar partes da Constituição Europeia. Por exemplo, a mecânica institucional - criação do presidente eleito do conselho europeu em substituição das presidências semestrais rotativas entre todos os países, criação do ministro dos negócios estrangeiros (com esse ou outro nome) e redução dos membros da Comissão Europeia para um número inferior ao dos Estados membros. Também sabemos que toda a linguagem e símbolos constitucionais vão desaparecer, apesar de tornarem o conjunto um pouco mais inteligível do que as tradicionais alterações aos Tratados europeus. Também podemos arriscar que haverá mais alguns domínios de acção que passarão a ser decididos por maioria qualificada em vez da unanimidade. Isto, se Tony Blair deixar, claro. Mas quantos ? Quais ? Os mais de trinta previstos na Constituição (mesmo se nem todos têm o mesmo grau de importância?) Então e a Carta dos Direitos Fundamentais? Mesmo se deverá sair do corpo do Tratado para figurar em anexo, será ou não vinculativa? Quer dizer: as instituições comunitárias ficarão obrigadas a respeitar os direitos fundamentais na formulação das políticas ou só precisam de se inspirar neles?
Mesmo se o presidente da Comissão Europeia não participa formalmente nas negociações entre os governos para a redacção do novo Tratado, seria interessante que, em nome da instituição que tem a obrigação de zelar pelo interesse comum, pudesse explicar que tipo de disposições deverá ter o novo Tratado para responder, precisamente, a esse interesse comum.
A entrevista está aqui.
6 comentários:
Para mim, o Tratado simplificado deveria manter integralmente as 1ª e 2ª partes do Tratado Constitucional. As reduções deveriam ocorrer na 3ª parte, quiçá toenando-a mais indicativa e menos programática.
O âmago do Tratado Constitucional era - como o será o do seu sucessor, chame-se "mini" ou "simplificado" - um forte desvio dos equilíbrios na União em proveito dos maiores Estados. Esta é a marca comum das várias emendas institucionais (reponderação de votos, presidências fixas no Conselho Europeu e na política externa, redistribuição de lugares no Parlamento), justamente a parte que não é considerada descartável do defunto TC.
Tudo o resto - as novas bases jurídicas, a Carta dos Direitos Fundamentais é considerado sacrificável, porque era efectivamente acessório face ao que contava: o sucesso da "agenda do poder".
O interesse do novo esquema institucional para os seus beneficiados é óbvio: por exemplo, com a dupla maioria a Alemanha ficará na situação, sem precedente desde a fundação, de "ab initio"
dispor sozinha de metade de qualquer minoria de bloqueio no Conselho. Ficará numa posição única e incontornável em todas as coligações, muito em especial para a escolha/reeleição dos presidentes do Conselho Europeu, da Comissão e do MNE europeu (que assim dificilmente poderão ser
"independentes" face a Berlim). Aquele poder de voto terá impacto financeiro (a Alemanha facilmente formará uma coligação avarenta que controlará o orçamento) e também quanto ao conteúdo das políticas, onde a disponibilidade alemã para negociar diminuirá fortemente. Os outros dos maiores Estados (até à Espanha inclusive) constituirão um segundo patamar de poder com que a Alemanha negociará. Os restantes 22 tenderão a desaparecer das negociaçoes relevantes no Conselho, pois que mesmo que raramente se vote, cedo ficará claro que com as novas regras não terão praticamente capacidade, mesmo teórica, de bloquear nenhuma proposta (mesmo que Polónia, Roménia e Holanda ainda possam ter impacto). A Comissão irá ajustar as suas propostas aos novos equilíbrios, aproximando-se (como aliás já vem fazendo) dos maiores Estados. A Comissão saberá que a sua própria sobrevivência/recondução dependerá quase só dos 5 maiores; além disso, aprenderá depressa que o seu próprio orçamento estará dependente como nunca esteve da boa vontade dos maiores Estados, pelo que não os quererá afrontar. A independência da Comissão ficará muito limitada no futuro, bem como o "mito" de que é a protectora dos "mais pequenos".
Porque é que um esquema destes é aceite e até é considerado do interesse europeu?
Para os países mais desenvolvidos e cujos interesses materiais e financeiros estejam alinhados com os do grupo dominante, a nova situação acaba por não ser desvantajosa e até poderá ser financeiramente interessante, se os maiores Estados fizerem o favor de cortar a despesa comunitária. Por exemplo, a Coesão poderia ser "nacionalizada" depois de os seus beneficiários perderem a minoria de bloqueio com que a têm protegido.
Mais difícil é explicar porque é que os outros Estados e a própria Comissão aceitam o novo esquema institucional.
A resposta mistura
[1] pusilânimidade (ninguém quer problemas com a Alemanha),
[2] receio ("melhor aceitar isto porque senão será pior" - o que é falso, como noutra altura valeria a pena analisar),
[3] oportunismo (houve um país que se começou a calar nos princípios de 2004 em paralelo com o aparecimento de dois dos seus cidadãos como sérios candidatos a Presidente da Comissão - um deles foi depois escolhido) e
[4] um engano quanto à própria concepção do "interesse europeu".
O raciocínio subjacente é de que para que o processo europeu sobreviva, os maiores Estados (Alemanha, França e RU) têm que se apropriar do projecto - daí que o Tratado lhes transfora todos os poderes descritos acima.
Porém, este raciocínio está errado
na sua raíz: o que diferencia a integração europeia da 2ª metade do Sec. XX face a todas as tentativas anteriores de estruturação deste continente é justamente não haver donos. Todos o sentem como seu e todos têm a todo o momento algo em risco. Isto fez com que ninguém se pudesse até agora exceder e que ninguém fosse pisado, mesmo quando se juntam à mesma mesa os maiores e os mais pequenos. Isto permitiu que os governantes dos vários países - e os povos perante os quais respondem - aceitassem o abatimento das fronteiras, com grandes vantagens para todos.
Contudo, se os "checks and balances" do sistema institucional forem removidos deixa de estar garantido que a União Europeia seja sentida como pertencendo a todos e que verdadeiramente funcione em proveito de todos.
Quando isso acontecer, a UE poderá ir pelo mesmo caminho que todas as tentativas anteriores de unificação europeia: os descontentes coligam-se e põem em causa a construção.
É este o interesse europeu? Ou não deveríamos pensar melhor antes de desfiguramos o sistema de pesos e e contra-pesos que recebemos dos fundadores e que tão bem nos serviu durante mais de meio século?
W. Hallstein
aqui em França o pai desse tratado simplificado é o Sarkozy. Foi isso que ele vendeu durante a campanha eleitoral e é isso que toda a gente pensa. Se foi o Durao entao ele ofereceu a ideia ao Sarkozy...
Concordo com o essencial do que diz W. Hallstein, embora o considere excessivamente pessimista. De todos os modos, essa evolução a favor dos grandes países já está a acontecer, com ou sem Constituição. Brevemente voltarei ao assunto. E pois, o meu post sobre Durão Barroso e o Tratado simplificado visava precisamente lamentar o facto de o presidente da Comissão não se pronunciar sobre que tipo de Tratado, do ponto de vista da sua instituição, corresponderia ao interesse europeu. Mas parece que o que é importante é a paternidade do Tratado simplificado. Que, de facto, é de Sarkozy, como muito bem aponta o comentador anónimo: Sarkozy apenas disse que, depois de falar com Durão Barroso decidiu que seria mais conveniente trocar a sua denominação de "mini-Tratado" por "tratado simplificado". ada maisN
De forma geral sou a favor de um tratado, de uma constituição ou de outro documento qualquer que veicule todos os países da União Europeia, sem que existam um tipo de “quotas” para os maiores e mais influentes e outras para os mais pequenos. Se existir um tal documento que seja justo na distribuição, firme nas directivas a seguir e o mais agregador possível, não tenho dúvidas que a Europa continuará na vanguarda de valores como a solidariedade, o encontro intercultural e por via disso a inclusão numa única identidade, dentro, claro está, da diversidade existente.
Mas os problemas que a meu ver têm estado no emperramento da Europa são os seguintes: 1 – Não existe unidade política. “Puxam” uns para cada lado como é o caso da Inglaterra que se alia sempre à América, a França e a Alemanha num bloco central de interesses, a Espanha a tentar entrar na carruagem da frente, os países de leste a ajustarem-se ao “ocidente” e Portugal a combater o défice.
2 – A Europa só funcionará quando falar a uma só voz politicamente, sem que vários países dêem a sua opinião conforme os seus interesses. O Iraque espelha bem esta minha constatação e basta ver quais as posições da Espanha e da França e da Inglaterra e até mesmo do Portugal de Durão Barrosos para se perceber as fracturas existentes.
3 – Enquanto existir uma instituição como a NATO a Europa continuará minada dentro das suas próprias fronteiras e sempre à mercê dos senhores da guerra americanos. O Afeganistão é bem o exemplo disso, já para não falar das tensões que gera com a Rússia.
4 – Para se afirmar no mundo, a Europa terá de possuir uma força militar forte, não para invadir países de forma “colonialista” mas para ajudar a mediar conflitos e colaborar por via disso com a ONU, dando-lhe maior ajuda.
5 – Terá de contribuir de forma imparcial e empenhada na resolução do problema do Médio Oriente.
6 – Terá de olhar ao seu redor e perceber que a Africa sofre hoje ainda dos disparates que ali causou em séculos passados. Aquele povo que em tempos foi praticamente todo “Europeu” está de mão estendida a pedir ajuda.
7 – Terá de apostar cada vez mais e de forma mais empenhada na salvaguarda do meio ambiente. Sem esse empenho o mundo tornar-se-á irrespirável. Tem por via disso de cumprir à risca o protocolo de Quioto e ir até mais longe, falando bem alto ao mundo sobre essa exigência.
8 – Olhar com atenção para a demografia e para os problemas urbanísticos e industriais, interligando-os com soluções que facilitem a melhor integração social. Melhor emprego, mais justiça e educação.
Claro que este tema é complexo e de difícil resolução mas acredito que as novas gerações ou por visão estratégica ou porque tem de ser, prosseguirão num caminho correcto, caso contrário será a desilusão. E a seguir às desilusões vêm sempre novas concepções. Neste para e arranca poderá estar a chave do insucesso Europeu. Eu espero contudo, que o caminho seja agora linear e auspicioso.
Nota: Um bem-haja à ideia de criação deste blogue. Sempre que possa farei uma visita. Um Abraço Amigo, Rui Luzes Cabral – Loureiro, Oliveira de Azeméis.
Mas porque será que a Constituição Europeia não pode ser escrita como normalmente são escritos todos os textos constitucionais?
Convoca-se uma assembléia constituinte. Os partidos concorrem, expondo o modelo de tratado / constituição que defendem.
Os eleitores votam no partido que melhor defende as suas preferências.
A assembléia reune-se e chega a um consenso de dois terços sobre a forma final do tratado que, emanando de uma assembléia popular, tem verdadeiras hipóteses de ser aprovado pelos povos que, pelo menos, não sentem que lhes andam a cozinhas constituições pelas costas.
Por quê este horror à participação democrática, no continente que inventou a democracia?
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