José Sócrates e o ministro dos negócios estrangeiros, Luis Amado estão em plena azáfama na preparação da presidência portuguesa da UE. Ele são encontros com os seus pares, deslocações, almoços, discursos. Sempre com a mesma mensagem: é preciso um acordo sobre o novo Tratado da UE, e depressa. Ainda ontem Sócrates o disse duas vezes: primeiro com o seu homólogo austríaco, Alfred Gusenbauer, depois com o presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Já quanto à substância, nada: o governo português não se pronuncia nem sobre o que quer ver contemplado no futuro Tratado, nem sobre o que não quer. Ao contrário dos governantes de outros países, que não hesitam em tomar posição na matéria. Este silêncio faz-me suspeitar que, para o governo, é mais importante acabar com a saga institucional europeia, de preferência durante o seu semestre – desde, claro, que o essencial do acordo político tenha sido concluido na cimeira de lideres do fim deste mês – do que garantir que se trata de um bom Tratado. Ou, pelo menos, que não será um mau Tratado.
Claro que há sempre o argumento invocado pelos responsáveis portugueses sobre a necessidade de reserva da futura presidência para não prejudicar a sua neutralidade na arbitragem dos compromissos. Mas será que isso tem impedido a Alemanha, a actual presidência, de recusar por exemplo qualquer reabertura do capítulo institucional?
Em caso algum o exercício da presidência pode levar o país que a exerce a deixar de existir enquanto Estado membro durante os seis meses da função. Sobretudo porque, se chegar a existir, o futuro novo Tratado estará para durar. É por isso que eu, e suponho que não sou a única, gostaria que o primeiro ministro explicasse ao país, em detalhe, o que quer ver consagrado no futuro Tratado. Quanto mais não seja porque ele prometeu realizar um referendo a qualquer texto que viesse a substituir a Constituição Europeia. Referendo que o governo, nas actuais circunstâncias, se prepara para pôr de lado. Mas essa é outra história.
5 comentários:
É ensurdecedor o silêncio do Governo sobre os impactos devastadores para Portugal do pacote institucional do novo Tratado, do qual se declara "amigo" (chamem-lhe "mini", "simplificado" ou agora "breve").
Os ganhos da Alemanha e dos outros dos maiores países são feitos à custa dos "médios", entre os quais Portugal, que irá provavelmente cair abaixo do limiar da irrelevância no sistema comunitário. Nesse quadro, a defesa dos interesses do país pode vir a tornar-se impossível no futuro.
Possivelmente o Governo considera que uma cerimónia de assinatura de Tratado daria uma bela fotografia no fim do ano (que tal a assinatura de um "Tratado de Refundação" em... Guimarães?). Além disso, as questões institucionais são excessivamente complexas para que os "media" lhes peguem seriamente; e também acha que o PSD está embaraçado demais para protestar porque foi quem fez a primeira cedência em 2004 (mas convém lembrar que nessa altura o PS já concorria com o PSD na histeria "convencional", até
porque cada um dos grandes partidos portugueses tinha então o seu candidato a Presidente da Comissão, o que levava ambos a serem muito discretos na defesa do interesse nacional, contrariamente ao que Guterres tinha feito em Nice e Amesterdão e Cavaco em Maastricht; e também convém lembrar que depois de 2005 ninguém obrigou o governo do PS a declarar-se "amigo" do Tratado e a reconfirmar o pacote institucional antes sequer de se ter começado a negociar).
É também falso que este Tratado seja bom para o próprio projecto europeu, como explicou há dias W. Hallstein, outro participante neste blog.
Também é falso que não haja alternativa e que qualquer renegociação só possa levar a um resultado pior: será melhor começar com uma folha em branco e trabalhar honestamente na busca do acordo ou trabalhar contra um pre-cozinhado que é maciçamente contrário ao interesse português e europeu? (este ponto poderá merecer um comentário específico noutra ocasião)
Para que não restem dúvidas convém explicitar alguns dos prejuízos para Portugal:
- no Conselho, Portugal irá tornar-se irrelevante na formação de coligações pois que com a dupla maioria não tem peso demográfico para contar pelo factor
"população" e no factor "Estados" sofrerá a concorrência imbatível dos Estados mais pequenos, aos quais tenderá a ficar equiparado: em muitos casos, logo que o requisito populacional esteja preenchido, Portugal cairá na prática para um peso equivalente a Malta, Chipre ou Luxemburgo. Se dúvidas restarem leia-se "Council Voting in the Constitutional Treaty: Devil in the Details" de Richard Baldwin and Mika Widgren, CEPS Policy Briefs, 1 July 2004:
"(...) The salient features of our calculations are:
The big-4 and especially Germany are the big winners from the piecemeal voting reform that has been going on since the IGC 2000.
The biggest overall losers are not Spain and Poland, since the Zapatero compromise merely undoes the Aznar bonus.
The biggest losers are the medium-sized members – nations with populations in the neighbourhood of 10 million."
- no Conselho Europeu: Portugal dificilmente conseguirá fazer com que o Presidente permanente, eleito através daquela nova dupla maioria se preocupe com as questões colocadas pelo primeiro ministro português. A rotatividade semestral é o único contrapeso para o cargo do Presidente do Conselho Europeu; se for fixo, praticamente não tem contrapesos se estiver - como irá estar - bem respaldado pelos maiores Estados, como se vê em Jonas Tallberg,
Bargaining power in the European Council, SIEPS 2007:1, p.46-47:
"(...) negotiators should be aware of the implications for state bargaining power of institutional reforms that further strengthen the authority of the European Council vis-à-vis other EU institutions. The provision in the Constitutional Treaty for a semi-permanent president of the European Council is one such reform. It is tempting for chief executives in general to support a prominent role for the European Council in the EU, since this institution offers them a unique political platform and opportunities to influence European as well as domestic politics. In addition, the European
Council, in the best of times, may offer what no other institution can provide: strategic leadership in the EU. Yet these concerns should not obscure the fact that the relative standing of the European Council carries power political consequences. For the EU’s large member states, the calculation is
straightforward: reforms that strengthen the efficiency of the European Council and its standing in relation to other EU institutions simultaneously carry the positive implication of expanding the room for power-based bargaining. For the EU’s small and medium-sized member states, the calculation is less clear-cut and involves the balancing of competing goals. Its merits notwithstanding, the European Council is an inhospitable environment for these states, and reforms that further strengthen this arena at the expense of the general legislative process are likely to carry negative implications for their capacity to safeguard national interests in the EU".
Num cenário que deveria ter dado que pensar, há que lembrar a displicência com que Giscard tratou os delegados portugueses na Convenção: só os maiores países contavam, Portugal era muitas vezes ostensivamente ignorado
(leia-se o relato em Peter Norman, "The Accidental Constitution – the story of the European Convention", ed. EuroComment, Bruxelas 2003). Já agora: quem é o actual membro do Governo que tem que ter vivido tudo isto por dentro e agora diz que o pacote institucional é "equilibrado" e que a sua defesa constitui um dos pontos não negociáveis?
- Na política externa, Portugal sofrerá com uma construção que é institucional e substancialmente concebida para valorizar os países maiores, mais desenvolvidos e mais ricos.
- Na Comissão, Portugal perderá os apoios à medida que a instituição se vá ajustando aos novos equilíbrios favoráveis aos maiores Estados: seja pela nomeação e recondução do Presidente pela dupla maioria (terá que se preocupar quase só com os maiores), como também pelo peso esmagador que os contribuintes líquidos mais restritivos irão ter sobre o orçamento, inclusive as despesas de funcionamento da Comissão (note-se que com a dupla maioria uma coligação Alemanha, Inglaterra, Holanda, Suécia e Dinamarca faz minoria de bloqueio, o que significa que a Comissão ficará à sua mercê - o que hoje não acontece).
- no Parlamento Europeu, simplesmente não se sabe quantos lugares de deputado Portugal irá perder.
Ou seja, o panorama é negativo em praticamente todos os aspectos do que se anuncia que a Presidência portuguesa irá querer ajudar a Alemanha a salvar. .
Porque é que nada disto é discutido em Portugal?
J. Rey
Se calhar era mais importante discutir a fundo a questão Europeia em relação ao novo tratado ou constituição do que o Aeroporto na Ota. Se calhar perdemos mais nesta ausência de discussão. Mas o que dá impacto na comunicação social são casos "Universidade Independente","charrua", "deserto da margem sul", "apitos dourados". Tudo é importante que seja debatido e esclarecido, agora não se pode é dar o ênfase que se dá a certos assuntos e noutros, como é este caso Europeu, o Governo e a oposição assobiarem para o lado. É que caso os países da União cheguem a acordo e o mesmo seja mau para países pequenos como o nosso, depois quem paga é o grande "povão".
Cara Isabel Arriaga e Cunha, estou de acordo, o silêncio do Governo nesta matéria é de uma "cautela" despropositada e contraproducente. Diria mais até: o que se pede a uma presidência da União é menos um "árbitro", insuflado de neutralidade, e mais um "capitão de equipa", porta-estandarte de uma visão. Parabéns pelo blogue.
Jacinto Lucas Pires
Cara Isabel Arriaga e Cunha antes demais parabens pelo blog! uma excelente ideia que vou tentar acompanhar o mais possivel.
Quanto ao silencio do governo portugues relativamente a europa, eu acho que so vem demonstrar que o desfazamento entre a EU e os portugueses atinge toda a populacao... apartir do momento que um primeiro ministro nao consegue ter um discurso que englobe coisas como a OTA e o TGV com a EU ... apartir do momento que um ministro das financas nao consegue motivar os portugueses a endividarem-se menos e somente a por as culpas na EU e dizer q a culpa nao e dele porque as taxas de juro subiram... quer dizer que ha muita gente em portugal que realmente ainda nao se apercebeu que a EU e'ja ali ao lado e a gente faz parte dela...
Eu sei que é banal a comparacao aos outros paises mais desenvolvidos para mostrar que o nosso tugal ta mal... mas o problema é que parece que ninguem quer aprender com isso... nem os politicos... das duas 1 ou ele nao percebem ... ou acham que o povo e'burro demais para perceber qual e'a influencia da constituicao europeia no TGV ou nas taxas de juro do banco central...
cumps
Simplificado ou não, este Tratado deveria ser submetido a Referendo. Não é por ter poucos artigos que não será importante e se não for importante, não vale a pena ser aprovado.
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