Lembram-se de qual foi a grande reivindicação especificamente portuguesa nas negociações para a Constituição Europeia, em 2004? Não estou a falar de questões como a rotação igualitária entre todos os Estados membros no acesso à futura Comissão Europeia de formato reduzido, por exemplo, porque essa era uma reivindicação comum a todos os países de menor dimensão. Nem estou a falar da oposição absolutamente determinada à criação do presidente do conselho europeu expressa à exaustão (a meu ver com razão) por Hernâni Lopes, o representante do primeiro ministro, Durão Barroso, na Convenção que redigiu o projecto de Constituição.
Não: a grande exigência de Portugal foi a inscrição na Constituição do principio da igualdade entre os Estados membros.
Durante meses os juristas bem tentaram explicar que o princípio de que todos os Estados têm rigorosamente os mesmos direitos - e deveres - e que não podem ser objecto de qualquer tipo de discriminação está mais do que consagrado nos Tratados e na jurisprudência do Trubunal de Justiça europeu (nomeadamente através do reconhecimento da igualdade entre os Estados perante o direito comunitário). Nada feito: Durão Barroso insistia na inclusão deste princípio, preto no branco, no texto da Constituição.
Muitos alegaram que a igualdade pura não existe, porque os Estados não têm o mesmo número de votos no conselho de ministros da UE, nem de deputados no Parlamento Europeu, nem assumem contribuições iguais para o orçamento comunitário. O que significava que inscrever este princípio no Tratado poderia levantar dúvidas sobre os equilíbrios em que se baseia a UE.
A solução então encontrada foi inscrever no texto o princípio da "igualdade entre os Estados perante a Constituição Europeia".
Problema: como a Constituição vai deixar de existir, este princípio, como muitos outros ligados à natureza do texto, vai desaparecer.
E ou os juristas encontram uma saída airosa - o que já não seria a primeira vez, longe disso - ou lá se vai a contribuição específica de Durão Barroso para a Constituição...
3 comentários:
Cara Isabel,
Começou por dizer que o princípio se encontrava consagrado na jurisprudência e na doutrina comunitárias e que era comumente aceite, pelo que não me parece que o fim da constituição seja o fim do princípio da igualdade entre os Estados.
Claro que ter consagração legal seria sempre melhor, mas desde que esteja juridicamente assegurado...
(resposta de jurista)
PS- Já aqui comentei mais que uma vez, mas acho que nunca lhe deixei os Parabéns por este blog - em Portugal falta-nos pensar a Europa.
A Diogo Alvim: obrigada pelo simpático comentário e pela participação nestas discussões. Mas repare que não fui eu que achei que era essencial inscrever o princípio da igualdade dos Estados na Constituição, foi o governo da altura. Eu, como jornalista, limito-me a apontar o facto. E, já agora, a questionar se o actual governo também se vai empenhar neste combate. Inútil, do meu ponto de vista.
É a mesma conversa com o primado do direito comunitário, que também está consagrado na jurisprudência europeia (desde os anos 60), mas mesmo assim a sua inclusão na Constituição provocou um pé de vento entre os constitucionalistas nacionais...
Espero ansiosamente por boatos das sessoes de hoje à tarde e do jantar onde se começará a discutir o Tratado... Tenho a certeza que as suas fontes não nos vão decepcionar! Boa sorte.
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